Washington Post diz que assessores de Donald Trump aconselharam Bolsonaro a contestar resultado da eleição


27/11/2022


Por Elizabeth Dwoskin e Gabriela Sá Pessoa, no Washington Post

Enquanto dezenas de milhares de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro acampam do lado de fora de instalações militares em todo o Brasil para protestar contra sua derrota nas eleições, membros do círculo íntimo de Bolsonaro se reúnem com assessores do ex-presidente Donald Trump para discutir os próximos passos.

O congressista brasileiro Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, visitou a Flórida depois da votação de 30 de outubro, encontrando-se com Trump em Mar-a-Lago e traçando estratégias com outros aliados políticos por telefone. Ele conversou com o ex-estrategista de Trump, Stephen K. Bannon, que estava no Arizona auxiliando a campanha do candidato a governador do Partido Republicano, Kari Lake, sobre o poder dos protestos pró-Bolsonaro e possíveis desafios aos resultados das eleições brasileiras, disse Bannon. Ele almoçou no sul da Flórida com o ex-porta-voz da campanha de Trump, Jason Miller, agora CEO da empresa de mídia social Gettr, e discutiu a censura online e a liberdade de expressão, disse Miller.

Essas conversas espelharam os debates que se desenrolam em Brasília, onde os apoiadores de Bolsonaro estão discutindo os próximos passos para seu movimento populista conservador. Esse movimento está enfrentando um acerto de contas não muito diferente do americano logo após a derrota de Trump em 2020 sobre como se sustentar quando seu carismático candidato foi derrotado.

A direita brasileira tem algumas vantagens neste novo ano, quando o ex-presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva assumirá o cargo. Enquanto Bolsonaro perdia, seu partido e aliados ganhavam no Congresso e nos governos. Dezenas de milhares de seus apoiadores continuam acampados na frente de bases militares em mais de 20 cidades, alguns pedindo aos comandantes que intervenham no resultado da votação.

Os manifestantes foram fotografados segurando cartazes feitos à mão com os dizeres “#BrazilianSpring” e “#BrazilWasStolen” em inglês, demonstrando os laços estreitos entre os movimentos de direita nos dois países. As frases foram tendência no Twitter brasileiro várias vezes este mês. A “Primavera Brasileira” foi cunhada logo após a eleição por Bannon, dizem ele e outros; desde então, ele dedicou vários episódios de seu podcast a uma eleição que está chamando de um dos eventos políticos mais importantes do mundo.

Alguns dos assessores de Bolsonaro, incluindo Bannon, querem que ele conteste os resultados, um esforço que provavelmente falharia, mas encorajaria os manifestantes. Na terça-feira, o Partido Liberal de Bolsonaro entrou com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral do Brasil para invalidar os votos registrados por cerca de 250.000 urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020. Os verificadores de fatos dizem que a investigação é baseada em informações falsas sobre urnas mais antigas.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, presidente da Justiça Eleitoral, disse que as urnas foram usadas tanto no primeiro quanto no segundo turno, e que o partido também deve pedir a revisão dos votos do primeiro turno — o que pode colocar em risco a eleição de seus candidatos que venceram. Ele deu ao partido 24 horas para responder.

Outros querem seguir para lutas maiores que acreditam ter maior apelo internacional. Central para essa abordagem seria um ataque à legitimidade dos tribunais superiores do país, que podem expulsar as pessoas do ar e prendê-las se postarem informações erradas sobre o processo eleitoral ou outro “conteúdo antidemocrático”. Enquanto muitos brasileiros veem os tribunais como um baluarte da democracia, o judiciário está sendo cada vez mais acusado por estudiosos do direito de exagero e direcionamento político. Muitas decisões são lacradas, e termos como “desinformação” e “notícias falsas” – a expressão em inglês, usada por Trump para descrever uma cobertura que ele achou pouco lisonjeira, está escrita na lei brasileira – não têm uma definição clara.

Os tribunais supremo e eleitoral do Brasil, que estão entre os reguladores mais fortes do discurso online em qualquer nação democrática, ordenaram nas últimas semanas que as empresas de tecnologia removessem as contas de mídia social de vários políticos e jornalistas pró-Bolsonaro e, em setembro, ordenaram batidas nas casas de empresários acusados ​​de promover desinformação eleitoral e defender um golpe militar em um grupo de WhatsApp.

Bolsonaro não admitiu a derrota e incentivou apoiadores a manterem seus protestos na frente das bases militares. Mas ele instruiu seu chefe de gabinete a prosseguir com a transição para o governo Lula, parte da qual continua em ritmo acelerado, disseram pessoas ao The Washington Post.

Amigos americanos, eles próprios sofrendo com o histórico desempenho inferior dos republicanos nas eleições de meio de mandato dos EUA, estão agindo como líderes de torcida e conselheiros. Bolsonaro e Trump construíram uma forte aliança quando ambos estavam no cargo, Trump vendo uma alma gêmea no bombástico Bolsonaro dirigido pela mídia social. Os conselheiros de Trump foram atraídos pelo amor de Bolsonaro pelas armas, seu nacionalismo, sua disposição de antagonizar os aliados de longa data do Brasil e cortar as regulamentações ambientais e sua adoção de guerras culturais.

Eduardo Bolsonaro, o terceiro filho do presidente, costumava ser a ponte nas relações entre os dois mundos. Ele fez várias viagens a Mar-a-Lago durante o mandato de seu pai e esteve em Washington durante a insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio. Ajudou a trazer a Conferência de Ação Política Conservadora para o Brasil.

Alguns insiders dizem que o movimento brasileiro é maior do que qualquer líder.

“O que está acontecendo no Brasil é um evento mundial”, disse Bannon ao The Post. “As pessoas estão dizendo que foram totalmente privadas de direitos. [O movimento] foi além dos Bolsonaros da mesma forma que nos EUA foi além de Trump.”

A deputada brasileira Carla Zambelli, apoiadora de Bolsonaro, também viajou para os Estados Unidos após a eleição. Em Washington, ela tentou angariar apoio internacional depois que o tribunal superior do Brasil a expulsou da mídia social este mês, custando a ela quase 10 milhões de seguidores. Ela perseguiu um apoiador de Lula em São Paulo empunhando uma arma e incentivou manifestantes a bloquear rodovias após a derrota de Bolsonaro, mas os motivos da proibição não são conhecidos publicamente. A decisão judicial completa em seu caso não foi divulgada.

Zambelli disse ao The Post que se reuniu com vários políticos dos EUA para pedir a restauração de seu megafone online e tentou apelar da proibição junto à Organização dos Estados Americanos.

Zambelli disse que a ideia de que um funcionário eleito pode ser censurado por um tribunal opaco que é abertamente antagônico a um partido deve ressoar globalmente. Ela disse que espera reunir políticos e simpatizantes dos dois países “nesta frente internacional pela liberdade de expressão”.

Apoiadores daqueles cujo uso de mídia social foi restringido pelo tribunal twittaram mensagens para Elon Musk, o novo proprietário do Twitter, para restabelecer suas contas.

As restrições afetam apenas os feeds dos usuários brasileiros. Os executivos do Twitter os investigaram a pedido de Musk, mas determinaram que a empresa não poderia desbloqueá-los sem entrar em conflito com o governo brasileiro, de acordo com uma pessoa familiarizada com as discussões, que falou sob condição de anonimato para descrevê-los livremente.

Miller disse ao Post que Bolsonaro não estava concorrendo contra Lula, mas contra o Supremo Tribunal do Brasil. Ele o descreveu como uma “corte suprema, um procurador-geral, o FBI e o procurador dos Estados Unidos, todos reunidos em um”. A Gettr, sua empresa, recorreu à Justiça brasileira para restaurar o perfil de Zambelli ao seu serviço.

João Gabriel Pontes, advogado constitucional filiado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, disse que os apelos da direita brasileira às ideias de liberdade de expressão são hipócritas. Muitos daqueles que foram banidos pelo tribunal foram acusados ​​de promover desinformação, disse ele, e os brasileiros não acreditam que as pessoas devam poder dizer o que quiserem online.

“Não é a pessoa comum que tem seus posts retirados”, disse Pontes. “São os empresários e figuras públicas – pessoas poderosas ligadas à família Bolsonaro e a uma rede que intencionalmente tenta desacreditar nosso processo eleitoral.”