Visita de viúva e de ex-sócia de desaparecido político ao antigo DOI-CODI emociona e reforça luta pela sua transformação em Memorial


29/10/2022


A visita de María Teresa Sopeña, viúva, e de Maria Willumsen, ex-sócia de Edgar Aquino Duarte numa corretora de valores, ao antigo DOI-CODI, na Rua Tutóia, 921, em São Paulo, na quinta-feira (27), foi emocionante.

Maria Teresa Sopeña e Maria Willumsen/ Foto: André Santa Rosa/ Núcleo Memória

Elas vieram de Havana e de Miami especialmente para conhecer o local onde ficava a cela em que Edgar esteve preso, entre 1971 e 1972, conhecida como X-3.

Maria Willumsen emocionou a todos ao relatar os anos em que passou indo diariamente ao DOI-CODI e ao DOPS, em busca de informações sobre o paradeiro de Edgar, até que um dia se encontrou com o pai de Pedro Rocha Filho, que estava preso no DOI-CODI, que lhe confirmou que Edgar Aquino Duarte também estava preso ali e estava vivo. A partir daí, ela passou a ir diariamente à Rua Tutóia, para levar roupas e comida a Edgar, mas nunca conseguiu vê-lo. Maria contou, também, que muitos anos depois ela conseguiu localizar Maria Teresa, viúva de Edgar, em Havana, e Ivan Seixas, que também esteve preso com Edgar no DOI-CODI e no DOPS, que lhe confirmou a prisão e o desaparecimento de Edgar.

Da esquerda para a direita: José Genoíno, Ivan Seixs, Moacyr Oliveira Filho, Maria Teresa, Maria Willumsen e Adriano Diogo, na frente do prédio onde ficavam as celas e as salas de tortura do DOI-CODI, em 1972 / André Santa Rosa/ Núcleo Memória

O ex-deputado federal José Genoíno, que pela primeira vez foi ao local onde funcionou o DOI-CODI – “É a primeira vez que eu entro aqui, nunca tinha conseguido vir”, desabafou – contou que a última vez que viu Edgar vivo foi, em maio de 1973, nas celas do chamado Fundão do DOPS, quando lhe contou, pela primeira vez, das informações sobre a traição de Cabo Ancelmo, o que deixou Edgar profundamente abalado e revoltado.

Os ex-presos políticos Ivan Seixas, membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da ABI; Moacyr de Oliveira Filho, diretor de Jornalismo da ABI; Décio Ferroni e Adriano Diogo, ex-deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa de São Paulo, que conviveram com Edgar no DOI-CODI e no DOPS, entre 1972 e 1973, acompanharam a visita e relataram momentos em que viram e falaram com Edgar Aquino Duarte, no DOI-CODI, em 1972, e no DOPS, em 1973.

Maria Teresa e Maria Willumsen visitaram o local onde ficava a carceragem do DOI-CODI, especialmente o X-3, a cela onde Edgar passou a maior parte do tempo em que esteve no DOI-CODI, em 1972, que hoje está reformado e abriga órgãos da estrutura da Polícia Civil de São Paulo.

Ex-presos políticos acompanham a visita de Maria Teresa e Maria Willumsen ao antigo DOI-CODI/ André Santa Rosa/ Núcleo Memória

Para o diretor de jornalismo da ABI, Moacyr Oliveira Filho, a visita reforça a luta de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos para a transformação daqueles prédios num Memorial contra a Tortura e em memória dos 76 presos políticos que ali foram assassinados e dos mais de 7 mil presos que foram torturados naquele local. “Nossa luta é para que todos esses prédios sejam transformados num Memorial contra a tortura”, afirmou.

“Nosso passado não pode ser esquecido, pois isso leva a repetição dos crimes cometidos. Os fascistas de hoje defendem a volta da ditadura pela desinformação geral sobre nosso trágico passado sob a ditadura militar”, disse Ivan Seixas, ex-preso político, membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da ABI e autor do pedido de tombamento do complexo arquitetônico onde funcionou o DOI-CODI.

Quem foi Edgar Aquino Duarte

Ao terminar o segundo grau, Edgar Aquino Duarte entrou para a Marinha, onde se tornou cabo do Corpo de Fuzileiros Navais. Foi da Associação de Fuzileiros Navais do Brasil, participando da Revolta dos Marinheiros. Após o Golpe militar, em junho de 1964, exilou-se no México e depois seguiu para Cuba. Retornou ao Brasil em outubro de 1968 e viveu na clandestinidade, passando a trabalhar numa corretora de valores mobiliários em São Paulo.

Edgar de Aquino Duarte foi preso na madrugada do dia 3 de junho de 1971 em seu apartamento, na Rua Martins Fontes, 268, apto. 807, em São Paulo, por agentes do DOPS/SP em operação conjunta com o DOI-CODI/SP. Na sua ficha no DOI-CODI, no entanto, a prisão foi registrada como tendo ocorrido no dia 13 de junho. Quando foi preso, trabalhava numa corretora, como vendedor de ações.

Esteve preso por mais de dois anos, incomunicável para a família ou o advogado, tendo sido continuamente torturado.

Inicialmente esteve preso no DOPS-SP, em cela solitária do “fundão”; em seguida foi para o DOI-CODI/ SP; em agosto de 71 esteve no DOI-CODI/ RJ; esteve também no 7° Regimento de Cavalaria, no Setor Militar Urbano em Brasília; retornou para o DOI-CODI/SP, em 1972, e do final de 72 até junho de 73, retornou ao DOPS-SP, sempre isolado dos presos, colocado numa cela solitária.

Diversos militantes presos conviveram com Edgar, tanto no DOI-CODI/SP quanto no DOPS/SP. No DOI-CODI de São Paulo ele ficou 8 meses, convivendo com outros presos na cela conhecida como X-3. Durante o período em que esteve preso, Edgar indagava diretamente aos carcereiros e agentes da repressão sobre sua situação, ao que era respondido que seu caso estava à disposição do Centro de Informações do Exército (CIE).

Nos últimos dias, antes de desaparecer em junho de 1973, Edgar era liberado com mais frequência da solitária para tomar banho de sol. Desconfiado, confessou a alguns presos que tinha medo, pois achava que iriam matá-lo e dizer que ele foi liberado e assassinado fora da prisão.

Meses antes de ser preso, em 1971, Edgar encontrou-se com o Cabo Anselmo e, atendendo ao pedido de Anselmo, que havia atuado com Edgar na Revolta dos Marinheiros, acolheu-o em seu apartamento, sustentando-o com o salário de corretor da Bolsa de Valores. Anselmo morou 8 meses com Edgar, até ser preso, no final de maio de 1971.

É a partir de Edgar que ocorre a confirmação da atuação de Anselmo como agente infiltrado.

Edgar de Aquino Duarte é considerado desaparecido político porque seus restos mortais não foram entregues aos seus familiares, não permitindo o seu sepultamento até os dias de hoje.