TRF-SP julga recurso contra coronel Ustra


10/12/2012


O Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF-SP) realiza nesta terça-feira, dia 11, às 14h, o julgamento do recurso do Ministério Público Federal(MPF) contra o não recebimento da denúncia criminal contra o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado pelo crime de sequestro qualificado e continuado do líder sindical Aluízio Palhano Pedreira Ferreira.
 
Pouco antes, às 13h, o Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça realizará uma manifestação em frente à sede do tribunal (Av. Paulista 1.842 – 5º andar – Torre Sul) pedindo a punição dos responsáveis por crimes ocorridos na ditadura.
 
Será a primeira vez que um tribunal federal se manifesta sobre a tese do sequestro (desaparecimento forçado) que vem sendo desenvolvida pelo MPF. O resultado pode significar a abertura de uma brecha na Lei da Anistia para a penalização de agentes de Estado. O julgamento do Recurso em Sentido Estrito (RSE) nº 0004204-32.2012.4.03.6181. do MPF tem como relator o Desembargador Federal Peixoto Júnior.
 
A denúncia do MPF foi apresentada à Justiça Federal em abril. De acordo com o documento, Palhano, nascido em Pirajuí (SP) em setembro de 1922,  presidiu o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, a Confederação Nacional dos Bancários e foi Vice-Presidente da antiga Central Geral dos Trabalhadores (CGT).
 
Com o golpe de 1964, Palhano teve os direitos políticos cassados pelo Ato Institucional nº 1 e foi exonerado do cargo que ocupava no BB em outubro daquele ano. Em virtude das perseguições sofridas, exilou-se em Cuba, momento em que suas atividades no exílio passaram a ser monitoradas pelos órgãos de repressão, segundo documentos obtidos pelo MPF. A vítima retornou ao Brasil no final de 1970 e ficou na clandestinidade. Seu último contato com a família data de 24 de abril de 1971.
 
No Brasil, Palhano viculou-se à Vanguarda Popular Revolucionária(VPR), grupo liderado pelo militar Carlos Lamarca, e que tinha poucos militantes em São Paulo, já que a maioria estava presa ou morta àquela altura. Em 6 de maio de 1971, Palhano foi preso pela repressão em São Paulo. Pelo menos desde março daquele ano, o governo militar tinha informações de que o bancário havia regressado ao país.
 
Violência
 
A dissidente da VPR Inês Etienne Romeu, em depoimento ao Conselho Federal da OAB, em 1971, contou que foi presa pela equipe do delegado Sergio Paranhos Fleury, do DOPS, em 5 de maio de 1971, após um encontro marcado com um camponês cujo apelido era Primo. No dia seguinte, segundo Inês, Palhano foi preso em São Paulo após encontrar-se com o mesmo homem, tendo sido levado ao Doi-Codi, localizado na rua Tutóia, comandado pelo coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra entre 1970 e 1974.
 
Segundo relato de vários presos políticos, Ustra ordenava e era conivente com as torturas praticadas pelos agentes das três equipes de interrogatório do Doi-Codi, que se revezavam nas sevícias. De acordo com testemunhas, ele participava da abertura do interrogatório, perguntando ao preso se não iria colaborar.
 
Entre os dias 13 e 15 de maio de 1971, Palhano foi levado à “Casa de Petrópolis”, centro clandestino de torturas mantido pelo Centro de Informações do Exército na cidade serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde, segundo testemunhos, também foi torturado. De acordo com o depoimento de Inês Romeu, um outro preso viu Palhano chegar no dia 13 e afirmou que “seu estado físico era deplorável”. 
 
As testemunhas Altino Dantas Júnior e Lenira Machado, presos em 13 de maio de 1971, em São Paulo, relataram ter visto Palhano ser novamente trazido ao Doi-Codi de São Paulo. Em depoimento prestado ao Ministério Público, Dantas afirmou que viu quando Palhano entrou nas dependências do Doi-Codi conduzido por agentes policiais e sabe dizer que era ele pois o conhecia anteriormente.
 
Segundo a transcrição do depoimento de Dantas ao MPF, quando ele “viu Aluízio pela segunda vez, alguns dias mais tarde, Aluízio já estava muito machucado e lhe contou que fora levado para Petrópolis, onde também fora torturado. O declarante ouviu Aluízio ser torturado porque sua cela forte era ao lado da sala de torturas.”
 
Segundo as mesmas testemunhas, o denunciado Dirceu Gravina, à época apelidado de JC, integrava uma das equipes de interrogatório do Doi-Codi e participou diretamente das torturas sofridas por Palhano.
 
“No caso específico, a vítima Aluízio Palhano Pedreira Ferreira sofreu intensos e cruéis maus-tratos provocados pelo denunciado Dirceu Gravina, sob o comando e aquiescência do denunciado Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em razão disso, padeceu de gravíssimo sofrimento físico e moral”, afirmam os procuradores da República Thaméa Danelon de Melo, Sergio Gardenghi Suiama, Eugênia Augusta Gonzaga, Inês Virgínia Prado Soares, Andrey Borges de Mendonça (PR-SP), André Casagrande Raupp, Tiago Modesto Rabelo (PR-PA) e Ivan Cláudio Marx (PR-RS), que subscrevem a ação.
 
“O grave sofrimento físico e moral imposto à vítima foi provocado mediante o emprego de métodos concebidos com a finalidade de causar lesões físicas e humilhação moral intensas”, afirma o MPF na denúncia. Segundo apurado, os métodos empregados pelas equipes de interrogatório do Doi-Codi de São Paulo incluíam, além dos espancamentos, o uso de “pau de arara”, “cadeira do dragão”, afogamentos e choques elétricos. 
 
O MPF afirma que o sequestro de Palhano é ilegal mesmo no regime de exceção instituído pelo golpe militar de 1964 e anterior à Constituição de 1988, uma vez que “nem mesmo na ordem vigente na data de início da conduta delitiva agentes de Estado estavam legalmente autorizados a atentar contra a integridade física dos presos e muito menos a sequestrar pessoas e depois fazê-las desaparecer”, afirmam os autores da denúncia. 
 
Crime permanente
 
O entendimento de que o sequestro de desaparecidos políticos é crime permanente ainda em execução foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos das Extradições 974 e 1150, no âmbito das quais o STF autorizou a extradição de militares argentinos para o país vizinho, para que lá respondessem por fato idêntico ao imputado na denúncia, igualmente iniciado na década de 70, e “correspondente, no Brasil, ao crime de sequestro qualificado, previsto no art. 148, § 1º, inc. III, do Código Penal”, segundo a decisão do STF na Extradição 1150. 
 
Na mesma decisão, o STF declarou que “nos delitos de sequestro, quando os corpos não são encontrados (…), em que pese o fato do crime ter sido cometido há décadas, na verdade, está-se diante de um delito de caráter permanente, em relação ao qual não há como assentar-se a prescrição.”
 
Logo após a apresentação da denúncia, em maio último, o Juiz federal Marcio Rached Millani, da 10ª Vara Criminal, decidiu rejeitá-la, argumentando que num país onde a expectativa de vida é de 73 anos, seria impossível que Ferreira ainda estivesse em algum cativeiro. Diante disso, os atos cometidos por Ustra estariam incluídos na Lei da Anistia.
 
O MPF recorreu da decisão. Se o tribunal acolher a tese dos procuradores nesta terça, dia 11, o caso voltará para a primeira instância, com o início do processo penal. Se recusar, o processo será arquivado.
 
Em outubro último, a 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo aceitou outra denúncia contra o coronel Ustra, desta vez acusado pelo sequestro do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, no mesmo ano de 1971.
 
*Com informações blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/, página13.org.br,  www. forumverdade.ufpr.br.