Toda glória para você, querida Glória


02/02/2023


Por Marcos Gomes, presidente da Comissão de Igualdade Étnico-Racial da ABI

A nossa Glória, para além do substantivo feminino de seis letras, transformou uma trajetória pessoal em algo comum a todos nós. A mãe preta de Clara e Maria entrou por muitas vezes em nossas casas, sempre pela porta da frente, dando as notícias mais espetaculares como também as mais difíceis de serem dadas, com a competência  e com a maior dignidade. Estamos tristes no dia de hoje pela sua passagem, porém orgulhosos da Glória Maria Matta da Silva, agradecidos pela referência que se tornou e pela história que escreveu.

Glória Maria Mata da Silva, carioca de Vila Isabel, 73 anos, filha de um alfaiate e uma dona de casa, soube costurar como poucas uma carreira de sucesso. Jovem negra, começou a trabalhar, aos 18 anos, como telefonista, na antiga Companha Telefônica Brasileira (CTB) enquanto estudava Comunicação Social na PUC-RJ.

O câncer a levou após longa batalha. Iemanjá, a deusa dos mares, a recolheu nos braços ao amanhecer e assumiu a missão de tomar conta dela. Ficam a saudade e o reconhecimento. A saudade dos milhões de espectadores que se acostumaram a vê-la no ar com um jeito particular de fazer telejornalismo. Mergulhar, às vezes literalmente, num voo de asa delta, montanha russa ou a travessia entre balões. Sempre com o microfone ligado para registrar a emoção.

Na TV Globo fez de tudo. Começou na radioescuta, foi repórter local na tela em preto e branco, repórter de rede, apresentadora do Fantástico e do Globo Repórter. Já consagrada, passou uma temporada na África dedicando-se a projetos sociais.

Glória Maria rompeu preconceitos contra o racismo, ao ser barrada pelo gerente de um hotel em Copacabana, enfrentou a barreira da mulher na cobertura de matérias hard news , o chamado “jornalismo pedreira” e na apresentação em estúdio. No país mais miscigenado do mundo, Glória glorificou a mistura étnica de que tanto fala o professor Darcy Ribeiro. Pleonasmo? Talvez, mas não dizem que a informação em TV exige redundância?

Glória Maria abriu o caminho para centenas de jornalistas negros e mestiços na televisão brasileira. Sai da telinha para entrar na história do telejornalismo.

Referência para muitas jornalistas negras, Gloria Maria foi lembrada assim por Angelica Basthi, da Comissão dos Jornalistas  pela Igualdade Racial – Cojira-Rio:

– Ela foi uma gigante no jornalismo e na vida das pessoas negras neste país. É uma referência como ser humano, como jornalista, como mulher e, principalmente, como uma mulher negra. Cresci vendo-a brilhar no jornalismo. Tornei-me jornalista. Deixa um legado incrível para nós, mulheres negras. Soube enfrentar o racismo em todas as áreas da sua vida. Dona de uma personalidade forte, não abria mão de praticar o seu talento inestimável e não tinha medo de enfrentar o medo. Nos deixa um legado inspirador. Descanse em paz”.

Colega de Gloria Maria, a jornalista Irene Cristina escreveu o seguinte:

– Acordei no dia de Iemanjá com essa péssima notícia. A Glória se foi e me recordo da última vez que nos encontramos e comentamos sobre a forma como ela me acolheu quando cheguei na Globo em 78. Eu tinha apenas 21 anos e, como ela, odiava as matérias de polícia e catástrofes que sempre aconteciam no final do plantão.

Para evitar que essas matérias caíssem nas mãos de uma de nós, fugíamos para lanchar. E íamos para uma pracinha no alto do bairro do Horto Florestal curtir o por do sol no horizonte visto por cima das árvores do Jardim Botânico. Um momento mágico regado a revelações íntimas e boas risadas.

Ela me contava quantas vezes era discriminada pela cor e sempre me repetia seu mantra: ninguém é obrigado a gostar de mim, mas a me respeitar.

Determinação, curiosidade, empatia e muita competência, são alguns dos atributos desta jornalista que dedicou 55 anos de sua vida para levar informação bem apurada, de qualidade, ao público em geral.

Sandra Martins, jornalista e integrante da Cojira-Rio comentou sobre Gloria Maria:

Determinação, curiosidade, empatia e muita competência, são alguns dos atributos desta jornalista que dedicou 55 anos de sua vida para levar informação bem apurada, de qualidade, ao público em geral.