SJSP, FENAJ e ABI pedem ao STF a divulgação da lista de jornalistas que foram espionados por ‘Abin paralela’


26/02/2024


Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), juntamente com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), protocolou no dia 23 de fevereiro, sexta-feira, um pedido ao Supremo Tribunal Federal de divulgação dos nomes dos jornalistas que foram espionados ilegalmente pela chamada ‘Abin paralela’.

O esquema criminoso de monitoramento de jornalistas, autoridades públicas e políticos se tornou público no dia 25 de janeiro quando a Operação Vigilância Aproximada, realizada pela Polícia Federal, executou 21 mandatos de busca e apreensão em endereços ligados aos suspeitos de fazerem parte de uma estrutura paralela dentro da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, durante o governo Bolsonaro.

Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo (SJSP) explica que decidiu-se entrar com esse pedido porque ao tomar conhecimento da investigação que escancarou a história de uma “Abin Paralela” a serviço do governo Bolsonaro para espionar ilegalmente opositores, políticos e jornalistas, se entendeu que é fundamental que essa história seja esclarecida e que se conheça a extensão do número de jornalistas espionados. ‘Com isso, teremos a dimensão dos crimes cometidos pelo governo Bolsonaro em relação a aparelhar o Estado para seus intentos criminosos, antidemocráticos e que claramente buscavam a perpetuação do seu poder’, completa Tanji.

Dentre os objetivos do pedido de divulgação dos nomes dos profissionais de comunicação que foram espionados, estão também poder compreender por quais motivos eles foram ilegalmente espionados e qual era o objetivo das pessoas envolvidas nessa arapongagem. ‘Certamente o objetivo era ter acesso às fontes de informações desses jornalistas, e se isso se comprova é uma grave violação ao direito constitucional do sigilo da fonte’, destaca Samira e Castro, presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

Para Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), as atividades da Abin Paralela foram ilegais e criminosas e um ostensivo ataque à liberdade de imprensa. ‘O objetivo da espionagem e das escutas era um só: intimidar jornalistas que apontavam os crimes e os abusos do desgoverno Bolsonaro. Ao quebrar sigilo das fontes e fazer devassa nos dados pessoais, o que se queria era ameaçar e calar os profissionais de imprensa. E sem imprensa livre não há democracia, enfatiza Octávio.

O embasamento jurídico do pedido se dá essencialmente nesta questão do direito constitucional ao sigilo à fonte no exercício do fazer jornalístico, bem como o direito à privacidade de todo cidadão brasileiro. Este não é o primeiro pedido ao STF de divulgação da lista de espionados na “Abin Paralela’, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco já solicitou a divulgação dos nomes de parlamentares, assim como o Grupo Prerrogativas também pediu a divulgação da lista completa, mas ao que diz respeito exclusivamente à violação ilegal do sigilo de jornalistas, esse é o primeiro documento que se tem conhecimento.

Para o presidente do SJSP, a utilização de maneira ilegal e abusiva de serviços de espionagem é uma clara tentativa de violar o livre exercício jornalístico e o sigilo à fonte. ‘Não é impossível que o governo Bolsonaro tenha buscado saber quais eram as fontes dos jornalistas antes da publicação de reportagens com assuntos que tinham relação com o governo. Como já sabemos que jornalistas foram espionados, é impossível não fazer esse tipo de associação. E acreditamos que, ao abrir as informações e sabermos a dimensão do número de profissionais ilegalmente espionados, poderemos precisar o dano causado pelo bolsonarismo à democracia, à livre circulação de informações e ao livre exercício profissional de nossa categoria’, comenta Thiago.

Essa não é a primeira vez que ações do Governo Bolsonaro e seus aliados violaram os direitos dos profissionais da comunicação. Samira, relembra o inquérito 4874, que trata das milícias digitais. Nele se empreende a tese de que o ex-presidente Jair Bolsonaro, atentou contra a liberdade de imprensa, e buscou, durante seu governo, desacreditar o trabalho jornalístico como estratégia inicial de atacar as instituições. ‘Nesse sentido, a existência de uma ‘Abin Paralela’ que espionava e jornalistas, corrobora com a tese de que esses profissionais eram monitorados para alimentar o gabinete do ódio, e esse gabinete, por sua vez, para fazer o trabalho de desacreditar na imprensa profissional juntamente com o próprio Bolsonaro, seu filhos políticos, seus ministros e seus assessores. Então a gente vê uma forte ligação nisso tudo e é preciso que essas informações venham à tona, para que a gente possa compreender como operava todo esse esquema e qual era o objetivo dessas pessoas em atacar a liberdade de imprensa.’, pontua a presidenta da FENAJ.

Desdobramentos

Espera-se que a possível divulgação da lista de jornalistas vítimas da arapongagem exercida ilegalmente possa acarretar a responsabilização das pessoas envolvidas no ato criminoso e que atenta à constituição, como comenta Samira de Castro, ‘Uma eventual espionagem paralela da Agência Brasileira de inteligência caracteriza uma afronta as prerrogativas dos jornalistas, como a garantia do livre exercício profissional, a liberdade imprensa e do sigilo da fonte. É por isso que essas entidades estão entrando com esse pedido de informação, para compreender e salvaguardar – no sentido de que não ocorra mais atos como estes- os direitos constitucionais que posso ter sido maculados com essa espionagem paralela.’

Outra possibilidade, neste sentido, é a responsabilização da União pela violação de direitos destes profissionais da comunicação, como destaca o advogado Raphael Maia, da coordenação do departamento jurídico do SJSP e responsável pela elaboração da petição enviada ao STF. ‘É muito grave a possibilidade de que jornalistas possam ter sido espionados de forma ilegal, colocando em risco a garantia profissional do sigilo das fontes. Caso as suspeitas se confirmem, a União deverá ser responsabilizada civilmente pela violação das prerrogativas profissionais e da intimidade dos jornalistas espionados.’

Leia a íntegra do documento

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS
SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO
Ref.: PEDIDO CONJUNTO DE INFORMAÇÕES

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS (FENAJ), entidade sindical de grau superior, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 34.078.576/0001-93, com sede no endereço SCLRN 704 Bloco F, Loja 20 – Asa Norte, Brasília/DF, CEP: 70730-536 e SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO (SJSP), entidade sindical de primeiro grau, inscrito junto ao CNPJ/MF sob o nº 62.584.230/0001-00, com sede na Rua Rego Freitas, n° 530, sobreloja, Centro, CEP: 01220-010, São Paulo/SP, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 34.058.917/0001-69, com sede na Rua Araújo Porto Alegre, nº 71, Centro, Rio de Janeiro-RJ, 20.030-012; vêm, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por meio de seu Advogado, nos termos do art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a” e “b”, da CF/88 formular Pedido Conjunto de Informações, o que fazem nos seguintes termos:

I – DO DEVER INSTITUCIONAL DAS REQUERENTES DE DEFESA DA CATEGORIA DOS JORNALISTAS

Primeiramente, mister destacar que a Primeira Requerente, Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, é órgão associativo de representação sindical, de caráter nacional, legitimada à “defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (art. 8º, III, da CF), à luz, inclusive, do que dispõe o artigo 2º, incisos I
II, III, IV e V, do seu Estatuto:

“Art. 2º. São objetivos da FENAJ:
I – defender as liberdades de expressão e de imprensa
II – exercer, no interesse dos sindicatos de jornalistas e da categoria, judicial e
extrajudicialmente, inclusive como substituto processual, as prerrogativas legais atribuídas a órgãos sindicais federativos e à representação da categoria profissional;
III – defender os direitos da categoria, nas relações de trabalho e condições de trabalho,
bem como o emprego e renda;
IV – buscar o desenvolvimento intelectual e o profissional dos jornalistas brasileiros;
V – trabalhar em conjunto com os sindicatos filiados, buscando unificar as lutas em defesa
dos interesses da categoria.

Por sua vez, o Segundo Requerente, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo – SJSP, é entidade sindical de primeiro grau com quase um século de existência, que representa os interesses dos jornalistas profissionais no Estado de São Paulo, tendo recebido do órgão competente para arquivamento dos registros sindicais, o antigo Ministério do Trabalho, certidão de registro sindical em 1941.

Ademais o Sindicato Requerente, possui nos termos do artigo 4º, I, III, X, XI, XII e XIII, do seu
Estatuto Social, entre suas finalidades institucionais, a defesa não só aos direitos e interesses coletivos da categoria como também a proteção ao direito de informação e à liberdade de imprensa, valores imateriais constitucionalmente assegurados que compõem o patrimônio público e social brasileiro, senão vejamos:

“Art. 4º – São atribuições e deveres do SJSP:
I – representar, perante os empregadores e as autoridades governamentais e judiciárias, os
direitos e interesses, individuais e coletivos, dos jornalistas profissionais;
III – lutar por melhorias nas condições de e renda, cultura, vida e saúde de seus representados, combatendo abusos, ilegalidades e práticas que atentem contra os direitos dos jornalistas;
X – defender o livre exercício da profissão de jornalista, observando o respeito às determinações do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros;
XI – lutar pelo direito de todos à informação e pela preservação da verdade, contra o monopólio
dos meios de comunicação;
XII – defender a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão e manifestação, bem como a função social do jornalismo, como princípios inerentes ao sistema democrático;
XIII – atuar na manutenção, na defesa e no aperfeiçoamento das instituições democráticas;”

A Terceira Requerente é uma reconhecida instituição democrática, voltada a assegurar e ampliar as
conquistas sociais do povo brasileiro, reunindo profissionais de jornalismo, em suas diversas modalidades, e tendo por finalidade maior a defesa da ética, dos direitos humanos e da liberdade de informação e expressão.

Ademais a Associação Requerente, possui nos termos do artigo 3º, I, II, III, V e VI, do seu
Estatuto Social, entre seus objetivos institucionais, a defesa do jornalismo como instituição associativa e cultural, realçar o papel da imprensa nos momentos marcantes da História do País, mobilizar os profissionais da comunicação social na defesa de todos os seus direitos,concorrer para o aperfeiçoamento cultural e profissional dos jornalistas, inclusive lutando pela manutenção e melhoria do ensino superior de Jornalismo no País e prestar assistência ao associado e sua família e às pessoas em situação de vulnerabilidade social que recorrerem aos seus serviços.

Portanto, resta inegável que referidas entidades possuem como uma de suas principais atribuições a defesa diuturna da categoria profissional dos jornalistas e a defesa intransigente da liberdade de imprensa como um dos pilares de sustentação da democracia.

II – A LIBERDADE DE IMPRENSA COMO UM DOS PILARES DA DEMOCRACIA E A PROTEÇÃO AO SIGILO DA FONTE COMO INSTRUMENTO DO JORNALISTA PARA EXERCÍCIO DO DIREITO À INFORMAÇÃO

O Excelso Supremo Tribunal Federal no âmbito do conhecido julgamento da ADPF n. 130, que afastou
do nosso ordenamento a vetusta Lei de Imprensa, demonstra com clareza solar a importância institucional da imprensa livre, bem como a relação de interdependência entre a liberdade de imprensa e a democracia, denominando-as como irmãs siamesas:

“(…)
2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL.

A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome “Da Comunicação Social” (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de “atividades” ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa
repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em
qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. (…)

6. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA.

A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados.(…)”.

Grifos e sublinhados nossos.

Por sua vez, o direito à informação (art. 5º, XIV, Constituição Federal), é uma das prerrogativas inerentes à liberdade de imprensa, pois estruturado com a livre manifestação do pensamento, especialmente quando a informação se destina a fornecer elementos para a formação de convicções públicas, em particular, na seara política e para o desenvolvimento das relações de cidadania.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério
jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratarse de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático, conforme se verifica no AI 505.595-AgR/RJ (Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 6.4.2011).

Com efeito, o reconhecimento no âmbito nacional da importância do pleno exercício jornalístico para funcionamento da democracia, sendo a liberdade de informação e expressão um dos seus pilares, está alinhado ao entendimento consolidado em uma série de padrões e dispositivos internacionais que garantem o livre trabalho exercido pela imprensa.

Destarte, resta absolutamente inequívoca a importância da liberdade de imprensa e de informação na manutenção do Estado Democrático de Direito prevista no nosso ordenamento jurídico, consubstanciando-se o respeito absoluto às prerrogativas dos profissionais de imprensa como uma extensão dessa garantia constitucional.

Nesse passo, resta inegável a importância da prerrogativa do sigilo de fonte inerente à atividade jornalística, alçada ao patamar constitucional no art. 5º, inciso XIV, da CF/88, consubstanciando-se no rol de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Conforme lição da professora Ana Lúcia de Meneses em sua Tese de Doutorado denominada O
Sigilo da Fonte de Informação Jornalística como Limite à Prova no Processo Penal, “o segredo da fonte de informação jornalística é um tema que, historicamente, desenvolveu-se com a liberdade imprensa. Diz respeito diretamente ao jornalista, pois, por vezes, no exercício profissional, proteger a origem da informação é o único meio de obtê-la e divulgá-la aos cidadãos. Eis a
razão, aliás, pela qual o segredo do jornalista está vinculado com a democracia, regime político cuja viga mestra é a publicidade e transparência dos atos governamentais”.

Em outras palavras, a proteção às prerrogativas dos profissionais de comunicação, tais como o
sigilo da fonte, deve ser uma garantia do direito de liberdade de imprensa, pilar fundamental do Estado Democrático de Direito e condição necessária para o exercício de uma cidadania ativa e engajada. Afinal, para que as informações verossímeis possam circular em plenitude, é necessário que a imprensa possa exercer seu trabalho com segurança.

Diante de tais ensinamentos, resta evidente de que a proteção ampla ao sigilo da fonte é um
instrumento de garantia da imprensa livre, colaborando com a transparência dos agentes públicos e instrumento para a livre circulação de informações e o pleno desenvolvimento da cidadania de um povo, consubstanciando-se num verdadeiro pilar da democracia.

III – DO MONITORAMENTO ILEGAL DE JORNALISTAS POR MEIO DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE INFORMAÇÃO (ABIN) E DO RISCO POTENCIAL DE QUEBRA DO SIGILO DA FONTE

Nesse passo, antes de adentrar no mérito da presente Representação, mister fazer uma breve explanação sobre o contexto de violência virtual e real vivenciado por toda a categoria dos jornalistas nos quatro anos do governo de Jair Messias Bolsonaro, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022.

De acordo com monitoramento realizado pela primeira Requerente (FENAJ), denominado “Relatório
2022 – Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, o ano de 2022 encerrou o ciclo de Bolsonaro na Presidência da República, um período em que houve uma institucionalização da violência contra jornalistas, por meio de uma prática governamental sistemática de
descredibilizar a imprensa e atacar seus profissionais.

Segundo o citado relatório em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, foram registrados 208
casos de violência contra jornalistas, 54,07% a mais do que os 135 episódios de 2018. No ano de 2020, houve uma verdadeira explosão do número de casos: 428, significando um aumento de 105,77% se comparado com 2019. Em 2021, 430 ocorrências estabeleceram um novo recorde e, em 2022, 376
casos foram registrados.

Ademais, conforme conclusão da página 07 do supracitado monitoramento da FENAJ de 2022, durante os seus quatro anos de governo, o principal agressor aos jornalistas foi justamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, atacou pessoalmente a imprensa e ainda incentivou seus apoiadores a também se tornarem agressores. De 2019 a 2022, Bolsonaro realizou 570 ataques a veículos de comunicação e
aos jornalistas, numa média de 142,5 agressões por ano, ou seja, um episódio de ataque a cada dois dias e meio!

Portanto, após o advento do governo de Jair Bolsonaro a partir de janeiro de 2019 e a sua política deliberada de descredibilizar o jornalismo profissional com ataques pessoais aos jornalistas, o que se viu foi um exponencial aumento dos casos de ataques virtuais e físicos aos profissionais da imprensa por pessoas ligadas ao então governo Bolsonaro e seus influenciadores digitais e apoiadores, gerando por consequência uma avalanche de agressões, ameaças, difamações e xingamentos aos jornalistas, tanto nas ruas como nas redes sociais, praticadas por seus seguidores, o que culminou com a inédita condenação judicial de Jair Bolsonaro por assédio moral coletivo à categoria dos jornalistas em Ação Civil Pública ajuizada pelo Segundo Requerente, senão vejamos:

Feitos tais esclarecimentos introdutórios para demonstrar que a imprensa sempre foi uma persona non grata no governo Bolsonaro, não causaria espanto às Entidades Requerentes que as prerrogativas dos jornalistas como o sigilo da fonte e o direito à intimidade e privacidade possam ter sido violados por aparelhos de repressão do Estado no citado período.

Tal abuso estatal e de seus respectivos agentes é o que parece de fato ter ocorrido ao
se verificar o teor da recente decisão do Ministro Alexandre de Moraes no âmbito da Petição 12.027-DF referente às investigações da Polícia Federal na Operação Vigilância Aproximada, deflagrada para investigar uma organização criminosa que se instalou no âmbito da AGÊNCIA
BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA (ABIN) com o objetivo de monitorar ilegalmente autoridades públicas, políticos e cidadãos comuns como advogados, jornalistas e etc.

Segundo informações oficiais, as provas obtidas a partir das diligências executadas pela
Polícia Federal indicam que o grupo criminoso criou uma estrutura denominada pela imprensa de “ABIN Paralela” e utilizou a ferramenta de monitoramento inteligente First Mile para invadir clandestinamente e sem autorização judicial a rede de telefonia móvel e obter a geolocalização
de determinados aparelhos de telefone celular.

Nesse passo conforme os fatos narrados no despacho oriundo da famigerada Petição 12.027
Distrito Federal, restou demonstrado que para além da quebra ilegal do sigilo telefônico das vítimas, a utilização sem qualquer critério do sistema de monitoramento FIRST MILE, é capaz de gerar relatórios em tempo real da localização dos aparelhos, o que no caso dos profissionais de imprensa, pode sem dúvida facilitar no levantamento da identidade de potenciais fontes de
jornalistas, senão vejamos:

“Como bem salientado no parecer da PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA:
“No que tange ao uso do FirstMile, apurou-se que parcela significativa da efetivação das consultas era imposta a servidores recém-nomeados da ABIN, e não era precedida de formalidade como “ordens de busca” nem por “planos operacionais”, que estariam sujeitos à prévia aprovação pela Diretoria-Geral. Eram feitas, portanto, no mais das vezes, sem ordens formais, prevenindo-se rastro material
das atividade ilícitas. O resultado dos serviços do FirstMile monitoramento de dispositivos de telefones móveis para se acompanhar, em tempo real, a localização do alvo investigado e se registrar o histórico dos seus percursos podia ensejar a produção de dossiês com informações sigilosas, destinados a uso político e midiático e à obtenção de proveito pessoal”.

Os fatos investigados são tão graves e as provas de irregularidade são tão consistentes que a
própria ABIN, contrariando a política de discrição que sempre norteou o órgão de inteligência, veio a público emitindo Nota Oficial informando à sociedade que está colaborando com as investigações e de que teria instalado uma sindicância administrativa para apuração do uso da
ferramenta de geolocalização, senão vejamos:

Nesse passo, após os desdobramentos da Operação Vigilância Aproximada, começaram vir a público diversas notícias de que jornalistas foram alvos da “espionagem” da citada “Abin Paralela” senão vejamos:

Com efeito, é ainda inegável que a intimidade, a vida privada e a proteção de dados são direitos
fundamentais de todo cidadão, jornalistas ou não, garantidos no art. 5°, inciso X, da Constituição Federal de 1988, razão pela qual a violação ao sigilo telefônico, telemático e de dados
pessoais de uma pessoa deve ser excepcional, apenas para casos previstos em lei, com todos os requisitos legais demonstrados desde que haja indícios suficientes de atos ilícitos conforme autorização do Poder Judiciário, órgão responsável pelo controle de legalidade da violação do sigilo.

Nesse passo, em sendo demonstrado que a ABIN monitorou de forma ilegal jornalistas, acessando dados pessoais mediante violação de sigilo fora das hipóteses legais e sem conhecimento do Poder Judiciário, é direito de tais profissionais saber se suas informações pessoais foram acessadas
ilegalmente pelo Estado, em violação aos direitos fundamentais ao sigilo da fonte, à intimidade, a vida privada e a proteção de dados, uma vez que o art. 5°, inciso X, da Constituição Federal
assegura o direito a reparação pelos danos decorrentes da
respectiva violação.

V – CONCLUSÃO

Diante da apresentação das considerações acima, de que a Polícia Federal investiga um grupo criminoso que teria criado uma espécie de “ABIN Paralela” para utilizar ferramentas da agência para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de
proveitos pessoais, acessando clandestinamente dados sigilosos de inúmeros cidadãos, dentre os quais diversos jornalistas, requer-se a esse Excelso Supremo Tribunal Federal que no momento
oportuno para a eficácia das investigações, seja encaminhado às Entidades Requerentes a lista com o nome dos jornalistas monitorados ilegalmente pela ABIN, viabilizando-se a reparação coletiva aos direitos fundamentais à intimidade, a vida privada e a proteção de dados, bem como de eventual violação ao sigilo da fonte, conforme assegurado pelo ordenamento jurídico.

Termos em que,
Pedem deferimento.
São Paulo, 19 de Fevereiro de 2024.

RAPHAEL S. MAIA
OAB/SP 161.562

SAMIRA DE CASTRO
PRESIDENTA – FENAJ

THIAGO CIANGA TANJI
PRESIDENTE – SJSP

OCTAVIO FLORO BARATA COSTA
PRESIDENTE – ABI