PUC sedia 61ª Caravana da Anistia


17/08/2012


A 61ª Caravana da Anistia da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça foi realizada nesta sexta-feira, 17, na PUC-Rio, durante a Conferência Internacional Memória América Latina em Perspectiva Internacional e Comparada, que teve início na terça-feira, 14. Centenas de pessoas lotaram o auditório RDC para o julgamento de sete processos de anistia política.
 
O evento teve início com o discurso do Padre Francisco Ivern, vice-reitor da PUC-Rio:
—Estamos recuperando a memória de épocas e de situações quando a verdade, a justiça e os direitos humanos estavam sendo violados. Hoje também estamos recuperando a memória daqueles que combateram esta situação e arriscaram suas vidas pela democracia. Vamos lembrar também as pessoas ligadas à PUC-Rio que lutaram contra a ditadura dentro e fora desta universidade, que representou uma ilha de liberdade e um refúgio frente às perseguições. Não vamos fomentar o ódio, mas trazer à luz as injustiças e refletir para que esses fatos não se repitam.
 
Também discursaram Margarida de Souza Neves, coordenadora do Projeto Memória PUC; Francisco Guimarães, diretor do Departamento de Direito da PUC; Adriano Pilatti, professor do Departamento de Direito da PUC, e Bruno Lourenço, Presidente do DCE/PUC.
 
Em seguida, foram homenageados os antigos funcionários da PUC, Joana Brandão de Aguiar, do Departamento de Engenharia Civil, lotada no Laboratório de Estruturas, e o ascensorista Moisés de Mesquita, que já morreram, pelo apoio à luta dos estudantes da universidade contra a ditadura. Os familiares de ambos receberam placas comemorativas e Margarida de Souza Neves fez a leitura de um texto organizado pelo Núcleo de Memória da PUC:
—Dona Joana comandou uma tropa de funcionários, entre os quais o Sr. Moisés, insuspeitos aos olhos dos garis do DOPS, na busca dos que chamava de “os meus meninos”, as lideranças do movimento estudantil.  Hábil, soube conduzir, por caminhos que só os funcionários antigos conheciam, aquele bando de jovens assustados, pelo meio da mata que existia onde hoje é um trecho da auto-estrada Lagoa-Barra, até a rua Visconde de Pirajá, de onde se escafederam no primeiro lotação Gávea-Leme que passou.  Da calçada do ponto de ônibus, uma Dona Joana sorridente e majestosa acenava para os estudantes que ajudara a escapar.
 
Um dos maiores pensadores brasileiros, o filósofo, escritor e militante político Leandro Konder, que lecionou na PUC, foi ovacionado pela plateia em celebração à sua trajetória de luta pelas liberdades.
 
Raul Amaro Ferreira, ex-aluno da PUC, também recebeu homenagens durante o evento. Formado em Engenharia Mecânica, em 1967, Raul foi preso pelo DOPS-RJ, na noite do dia 31 de julho de 1971, no bairro de Laranjeiras, quando dirigia seu carro em companhia de outro engenheiro, Saidin Denne.
 
Em 2 de agosto, Raul foi encaminhado ao DOI-CODI/RJ depois de ter sua residência invadida e ocupada pela repressão. Foi torturado a ponto de ser preciso que o levassem, às pressas, para o Hospital Central do Exército, onde morreu em 12 de agosto. 

Em 1979, a família iniciou processo contra a União e ganhou em 1ª instância. Em 7 de novembro de 1994, o Estado foi responsabilizado pela prisão, tortura e morte de Raul. 

 
Processos
 
Em seguida, teve início a 61ª Caravana da Anistia da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, sob a coordenação do
Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia.
 
Nesta edição, a Caravana homenageou Luiz Carlos Prestes, fundador da Coluna Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por mais de 50 anos; a estilista Zuzu Angel, mãe do militante Stuart Angel, do MR-8, torturado e morto pela repressão. Zuzu Angel também morta em um misterioso acidente de carro; o teatrólogo Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido.
 
Prestigiaram a solenidade Luiz Carlos Prestes Filho e Carlos Augusto Marighella, filho do revolucionário militante baiano, entre dezenas de militantes históricos.
 
Em clima de muita emoção, foram analisados os processos de Yuri e Alex Xavier Pereira, José Grabois, Lincoln Bicalho Roque, Maria Cristina da Costa Lyra, Mariela Venâncio Porfírio e Fernando Augusto de Santa Cruz.
 
Os irmãos Yuri e Alex Xavier Pereira, militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Ação Libertadora Nacional (ALN), foram para Cuba em 1968 e retornaram na clandestinidade. Após a morte do líder e fundador da ALN, Carlos Marighella, Yuri passou a ser membro efetivo do Comando Nacional da ALN e foi assassinado em junho de 1972 após uma emboscada. Alex foi morto em janeiro de 1972 e enterrado com outro nome.

José Grabois, professor da Secretaria de Educação do antigo estado da Guanabara, foi demitido após sua detenção em 1954, quando anunciava a realização de um comício.

 
Lincoln Bicalho Roque, militante do PCB, foi aposentado compulsoriamente em 1968 por suas atividades políticas. Foi preso diversas vezes antes de entrar na clandestinidade em 1972. Em 13 de março de 1973, o corpo de Lincoln foi encontrado com 15 tiros. A polícia afirmou, à época, que ele reagira às forças de segurança. 

Maria Cristina da Costa Lyra, militante do  Partido Revolucionário dos Trabalhadores, presa e torturada em 1970, e a militante da Ação Popular Mariela Venâncio Porfírio, presa em dezembro de 1972, condenada a seis anos de detenção  também pediram reparação moral e econômica à Comissão de Anistia.

Fernando Augusto de Santa Cruz, membro da Ação Popular Marxista-Leninista é desaparecido. Em decorrência da prisão de vários companheiros da organização, Fernando se mudou para São Paulo, em 1973. Durante o carnaval de 1974, Fernando esteve no Rio de Janeiro para visitar o irmão. Ao sair da casa, avisou que encontraria um companheiro, mas voltaria em duas horas. Fernando nunca mais foi visto.

 
José Grabois contou que foi duramente perseguido por motivos políticos:
—Minha ficha no Dops não ajudava muito e o nome da família Grabois era bastante conhecido entre os militares. Perdi os meus cargos de professor e lutei muito para sobreviver. Fui anistiado em 1979, mas recebi de volta apenas um dos meus dois cargos. Certa vez, fui pegar um documento em um órgão do Governo do Estado e o funcionário disse que era bem feito eu ter sido perseguido. Tenho um amigo que trabalhava em banco e um dia viu na mesa ao lado o seu torturador e nada pode fazer.  Nós vivenciamos situações muito dramáticas. A data de hoje representa justiça, esperança, gratidão e reflexão sobre o que enfrentamos naquela época e que, infelizmente, a nossa juventude desconhece.
 
Tatiana Roque, filha de Lincoln Bicalho Roque, ressaltou o empenho da família em busca de justiça:
—Meu pai era professor universitário da UFRJ, mas isso nunca foi reconhecido porque ele foi aposentado pelo AI-5 em 1969, e depois foi assassinado em 1973, nas dependências do DOI-CODI. Temos documentos dos Dops com as fotos dele morto e torturado.  Somente agora teremos a oportunidade de reconhecer a sua profissão e os direitos que temos em relação a isto. A família nunca teve esse reconhecimento. Entramos com o processo há alguns anos e desde então a luta é grande. Temos também outro processo responsabilizando a União pelo assassinato de meu pai. Já foi julgado, tivemos uma sentença, mas ainda não foi executada. Hoje é um dia muito importante para a família, a memória e a história dele.
Emoção

Yara Xavier, irmã de Yuri e Alex Xavier, fez um discurso emocionado sobre a trajetória dos irmãos e sublinhou o papel de sua mãe, Zilda Xavier Pereira, presente ao evento, na conquista da democracia brasileira. Yara foi muito aplaudida ao fazer a entrega da bandeira da Anistia.
 

DIV>O jornalista e escritor Altamir Tojal expressou alegria em partilhar com a família de Yuri e Alex Xavier o momento de justiça:

—Fui colega de Yuri na Escola Técnica Nacional e companheiro de militância estudantil. Ele era muito empolgado pelos ideais da revolução e aprendeu com sua família os mais nobres valores da democracia. Tenho muito orgulho de estar aqui neste dia em que está sendo feita a justiça em nome de um mundo melhor para a humanidade.
 
Darci Toshiko Miaky, antiga militante da Ação Libertadora Nacional(ALN), presa em janeiro de 1972, também discursou a respeito da família de Yuri e Alex Xavier:
—Tive o privilégio de conhecer os dois irmãos quando treinávamos guerrilheiros em Cuba. Eles tinham dedicação total à causa e compartilhamos belos momentos de luta. Zilda, gostaria de agradecer a você que sempre nos apoiou. Em nome de todos os companheiros, de Yuri, de Alex e de Yara, muito obrigada por tudo.
 
Carlos Maia, professor da Uerj, falou sobre a convivência com os irmãos Xavier e a lição de vida extraída desta relação:
—Conheci Yuri em 1964. Uma das paixões da vida dele era a imprensa. Ele fez um jornal sobre a nossa a luta, que chegou a vender sete mil exemplares. Quando a ALN jê estava sendo estraçalhada, ele cuidou para da retirada dos companheiros em Cuba para outros países, mas retornou ao Brasil, sabendo que seria morto. A memória desta luta precisa ser resgatada. Vamos transformar o Quartel da PE no centro de memória da história brasileira.
 
Ilma Noronha, que integrou a ALN, saudou o papel da família Xavier para o avanço da sociedade brasileira:
—Tive uma filha na ditadura e um filho na democracia, ao qual dei o nome de Yuri, que transformou um sonho na conquista plena da democracia. Tenho orgulho daqueles que tombaram ao longo da caminhada, e posso dizer que faria tudo novamente se preciso fosse e que valeu a pena lutar.
 
Após os depoimentos, Paulo Abrão pediu desculpas aos perseguidos políticos:
—Em nome desta comissão, do Estado e do povo, peço desculpas pelas perseguições e pela ausência de seus entes queridos, lembrando a responsabilidade do País.
 
Anistia
 
Criada em 2001, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça analisa processos de requerimento de anistia política de cidadãos perseguidos durante os períodos autoritários entre 1946 a 1988.  As caravanas são sessões itinerantes da Comissão de Anistia para o julgamento de processos de cidadãos e ou familiares atingidos pelos atos de exceção no período de 1946 a 1988.
 
Em 2012, a Comissão já realizou sete caravanas nas cidades de Camaçari (BA), São Paulo (SP), Teresina (PI), Porto Alegre (RS), Bauru (SP),  Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE). O objetivo das sessões de julgamento itinerantes é levar o tema a  diferentes regiões do país,  promover o resgate histórico e o debate na sociedade.

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