O gênio que fez da fotografia uma grande arte


20/08/2008


José Reinaldo Marques
22/08/2008

“Fotografar é pôr na mesma linha de mira o olho, a mente e o coração”, dizia Henri Cartier-Bresson. A fórmula parece simples, mas até hoje poucos foram os fotojornalistas que conseguiram se aproximar do toque especial do francês. Sem dúvida, como nenhum outro, ele soube captar com arte ambientes e seres humanos e merece ser considerado o gênio da fotografia do século XX.

Cartier-Bresson nasceu em Chanteloup-en-Brie, nos arredores de Paris, em 22 de agosto de 1908. Morreu na cidade de Line, em 22 de dezembro de 2004, aos 96 anos de idade. Uma das homenagens programadas pelos franceses para lembrar seu centenário é a inauguração, no próximo dia 10, da mostra “Photographier l’ Amérique”, que ficará aberta à visitação pública na Fundação Henri Cartier-Bresson, em Paris, até 22 de dezembro.

Segundo Agnes Sire, Diretora da Fundação, trata-se de uma homenagem “adequada a um personagem que detestava as celebrações”. A exposição exibe fotos inéditas de Bresson, tiradas entre 1929 e 1947, em grandes cidades norte-americanas, como Nova York, Chicago e Washington. São 90 imagens nunca antes mostradas ao público e que dividirão espaço com trabalhos de Walker Evans (1903-1975), cuja produção fotográfica foi referencial para o francês.

Outros eventos celebrarão o centenário de nascimento de Cartier-Bresson, entre eles o lançamento do catálogo da exposição da Fundação, pela editora Steidl, e um colóquio internacional com a participação de especialistas como Peter Galassi, curador do MoMa (Museum of Modern Art), de Nova York — que prepara uma grande exposição de Bresson para 2010 —, e o fotógrafo francês Raymond Depardon.

Trajetória

No início do século XX, a fotografia começou a consolidar seu espaço na imprensa — jornais como o inglês Daily Mirror passaram a publicar páginas inteiras ilustradas com fotos. Coube à revista francesa EM>VU, em 1933, a primazia da publicação da primeira reportagem-fotográfica de Cartier-Bresson, que logo começou a aparecer em alguns dos mais importantes títulos internacionais, como Paris Match, Realités, Picture Post, Life e Harper’s Bazaar.

Também colaborou com o jornal Ce Soir, do Partido Comunista, onde conheceu Robert Capa e David “Chim” Seymour, com os quais fundou em Nova York, em 47, a Magnum Photos. A agência funcionava em sistema de cooperativa e revolucionou a linguagem do fotojornalismo mundial, com a participação, ainda, do inglês George Rodger e do norte-americano William Vandivert.

Embora não fosse filiado ao Partido Comunista, Bresson juntou-se à esquerda francesa para lutar contra o fascismo, que se expandia na Europa nos anos 30. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu o Exército francês na unidade de Filme e Foto, foi capturado pelos nazistas, passou três anos num campo de trabalhos forçados, fugiu e entrou para a Resistência. São deste período as fotos de interrogatórios promovidos pela Gestapo na França ocupada.

Em entrevista concedida ao site Dossier Bresson, o repórter-fotográfico e professor da PUC-Campinas Nelson Chinalia disse que Cartier-Bresson foi o profissional que mais teve influência sobre a produção fotojornalística no século passado. Para o brasileiro, impressiona seu uso da luz, resultado, provavelmente, das aulas de pintura que Bresson teve com o pintor cubista André Lhote:
— Ele era um fotógrafo que pintava com a luz. Por meio da perfeição e do rigor acadêmico na construção das imagens, conseguia composições belíssimas, às vezes intimistas, às vezes impactantes. Em suas fotos, sempre havia a surpresa visual de um cotidiano que as pessoas não conseguiam enxergar — comentou Chinalia.

Alexandre Belém, em artigo publicado no último dia 17, no Jornal do Commercio de Recife, afirma que Cartier-Bresson continua sendo referência para a fotografia, mesmo na era digital e fala de alguns mitos que cercam o francês:
— Um é de que ele não abria mão das Leica, acompanhadas de uma grande-angular 35mm e uma teleobjetiva 90mm. Pois ele evitava usá-las. Sua lente preferida era a 50mm, na Leica M4. Também se dizia que ele nunca havia cortado uma foto no laboratório. Mas uma de suas imagens mais famosas, tirada na Estação Saint-Lazare, em 1932, foi feita através de uma cerca que tampava o lado esquerdo do negativo. Ele teve que acertá-la no ampliador.

Olhar privilegiado

Cartier-Bresson não era modesto em relação a seus dotes profissionais. Em uma entrevista, comentou: “Não há dúvida de que vejo aquilo que outros não enxergam.” Também dizia que uma foto nunca deve ser resultado de um ato mecânico. Mesmo sendo considerado um fotógrafo humanista, não deixava a emoção se sobrepor à informação e à técnica: “Fotografar requer sensibilidade sobre o assunto, disciplina intelectual, curiosidade pela vida e rigor plástico”, explicava.

Considerava cada imagem uma questão moral, e por isso achava um pecado retocar em laboratório o enquadramento de uma foto: “Esta deve ser o reflexo fiel do momento do disparo. Para um verdadeiro fotógrafo, esse é o momento da verdade.” BR>
Henri Cartier-Bresson também retratou grandes personalidades, como Fidel Castro, Che Guevara, Henri Matisse, Pablo Picasso, Jean Paul Sartre, Annie Leibovitz, Truman Capote, Samuel Beckett e Arthur Miller. Em 54, logo após a morte de Stálin, foi o primeiro fotógrafo ocidental a ser admitido na então União Soviética.

Na década de 70, anunciou que ia abandonar as câmeras para se dedicar ao desenho e à pintura, atividades das quais nunca se dissociou. Em 2003, um ano antes de sua morte, foi homenageado pela Biblioteca Nacional Francesa com uma grande exposição de fotografias, pinturas e até objetos pessoais. No Brasil, em fevereiro deste ano, fotos de Henri Cartier-Bresson puderam ser apreciadas na Caixa Cultural, em São Paulo, em mostra organizada para celebrar os 60 anos da agência Magnum. 

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