O estouro da “boiada” de Ricardo Salles


29/09/2020


O estouro da “boiada” de Ricardo Salles

Cristina Serra é jornalista e integrante da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da ABI

Tão logo tomou posse, o ministro do “menos” ambiente, Ricardo Salles, dedicou-se a desmontar o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que tinha ampla representatividade da sociedade civil, por meio de ongs, especialistas e acadêmicos. O número de assentos diminuiu e restaram uns poucos para os representantes da sociedade de forma a manter uma aparência de conselho democrático. Com asmudanças, Salles conseguiu confortável maioria para aprovar sua agenda antiambiental.

Prova disso foi a derrubada de várias resoluções com força de lei, na última segunda-feira (28/09), no que já ficou conhecido como “revogaço” ou mais um estouro da “boiada”. A anulação das resoluções atendeu ao lobby das confederações da Indústria (CNI) e da Agricultura (CNA) e fere de morte dois ecossistemas preciosos do litoral brasileiro: os manguezais e a vegetação de restinga das praias, que além de abrigar variada fauna marinha e terrestre, prestam valiosos serviços ambientais.

O Brasil tem cerca de 14 mil km2 de manguezais ao longo da costa. É o segundo país do mundo em extensão desse ecossistema, só perdendo para a Indonésia. Os manguezais são berçários para muitas espécies de peixes, crustáceos e moluscos, que procuram suas águas sossegadas para alimentação, reprodução e para protegerem-se contra predadores.

Entre os frequentadores dos manguezais estão o peixe-boi, tartarugas, cavalos-marinhos, tubarões e jacarés. Também são uma barreira natural contra a erosão causada pelas marés, correntezas e temporais; absorvem e armazenam carbono, contribuindo para amenizar o efeito-estufa.

Já a vegetação de restinga fixa a areia, ajuda a evitar a erosão das praias e é um lugar sombreado, procurado pelas tartarugas marinhas para depositarem seus ovos e, assim, garantir a reprodução da espécie. Até o fim de 2020, o Brasil chegará à marca de 40 milhões de filhotes protegidos graças ao belo trabalho de conservação do Projeto Tamar e às restingas preservadas em vários pontos do litoral brasileiro, que todos os anos acolhem milhares de tartarugas das cinco espécies que nos frequentam : cabeçuda, oliva, verde, de couro e de pente.

Com a derrubada da proteção, libera-se o vale tudo para a especulação imobiliária nas praias e para a construção de resorts de luxo, complexos turísticos e marinas. Nos mangues, o objetivo é ampliar a criação de camarão em cativeiro, atividade que parece inofensiva, mas usa produtos altamente poluentes.

Além disso, Salles também conseguiu revogar resolução que submetia empreendimentos de irrigação a processo de licenciamento ambiental. Entre as prováveis consequências da falta de análise ambiental estará o aumento do uso de um bem público, a água, por empresas privadas e pela agropecuária. Na baciada do “revogaço” foi aprovada ainda uma nova resolução que autoriza a queima de resíduos de agrotóxicos em fornos de produção de cimento.

O “revogaço” de Salles agride o meio ambiente, mas também a ciência e o conhecimento porque as decisões foram tomadas ouvindo-se apenas os interessados em ganhar dinheiro com elas. Não houve consulta a pesquisadores ou especialistas. É assim que age o governo do “correntão”, método usado pelos desmatadores na floresta. Os tratores puxam o “correntão” que derruba mesmo as árvores mais altas. Nada fica de pé.