“Acordamos? Povo na rua, STF, TSE e o Congresso”


18/06/2020


Norma Couri

O país dos bárbaros

Norma Couri é jornalista e membro do Conselho DEliberativo da ABI e da Comissão de Cultura da ABI 

Acordamos? Povo na rua, STF, TSE e o Congresso não comprado? Estamos ameaçando a bandidagem que se imaginava militância? Esta é a semana da virada, quando parecia que o Brasil estava semi-congelado aguardando impeachment ou cassação, e com golpe no ar. Queremos mais vida que morte, mais verdade que mentira.

Onde estava a Procuradoria Geral da República esse tempo todo?

A sensação é que 70% de brasileiros também foram atingidos pelos fogos de artifício lançados contra a democracia, mirando o prédio do STF no fim de semana. Segundo o Instituto da Democracia, sete entre 10 brasileiros dizem não ao golpe. A arruaceira Sara Winter, que o próprio irmão compara à Suzane Von Richthofen, e que comanda os acampamentos em frente ao Palácio do Planalto, está presa. E no momento em que o cerco se aperta contra a imprensa e os PMs interpelam a Folha de S.Paulo por charges políticas críticas à violência policial, Patrícia Campos Mello processa Eduardo Bolsonaro por danos morais.

Sara Winter vai responder a três processos, o principal refere-se a recolher recursos para o Fundo de Financiamento de Campanha que elegeu Bolsonaro. Por enquanto, ela e mais cinco do seu grupo de vândalos vão passar cinco dias se explicando e o STF colhendo provas para o processo que está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes. Este processo e o cruzamento de provas pode levar à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, convocando novas eleições ainda este ano, reconduzindo o país à civilidade e democracia. E nos libertando de grupos protofascistas resgatados por Bolsonaro, como TFP, Tradição, Família, Propriedade. E da quadrilha que conspira contra mim enquanto durmo, como Bernardo Carvalho escreveu na Folha neste domingo.

Acordamos para impedir o avanço do medo contra o Brasil. O mundo está com medo do Brasil. Eu estou com medo do Brasil. Valter Hugo Mãe, Mia Couto, José Eduardo Agualusa estão com medo do Brasil. Não são só os escritores nascidos na África colonizada por Portugal como nós. O mundo todo, aquele Primeiro Mundo que sempre invejamos, está com medo do Brasil. Pelos mortos que contabilizam mais de mil por dia e que no final do mês chegarão a 60 mil, com quase 1 milhão de infectados pelo vírus. Estamos virais por causa do menosprezo aos mortos expresso pelo presidente apoiado por 30% da população. E pelo vandalismo das Saras Winters. Viramos o país dos bárbaros, longe dos doces bárbaros, baianos, do tempo em que éramos admirados. Longe do adjetivo do tempo em que bárbaro era bom. O Brasil comete tanta barbaridade que o mundo tem medo do contágio.

E não só sanitário. Bolsonaro desmoraliza a própria direita.

Como um brinquedo de Lego, o Brasil vem sendo desmontado peça a peça. Os ministros são nomeados para desmoronar o país. Ricardo Salles contamina o meio ambiente e o desmatamento da Amazônia completa 13 meses de crescimento enquanto ele “passa a boiada”. Foi preciso afastá-lo do comitê da Amazônia para tentar reaver os fundos internacionais.

Abraham Weintraub destruiu os princípios básicos da Educação e pretendeu, em vão, controlar 63 universidades federais nomeando reitores sem consulta – 16 delas, com reitores em fim de mandatos, seriam afetadas já. Vai pagar R$2.000,00 de multa por se juntar sem máscara ao grupo de arruaceiros do Planalto este fim de semana.

O ministro do Turismo quer acabar de uma vez com a Cinemateca, a Casa de Ruy Barbosa, a lei Rouanet e o resto. A Cultura que nos dava personalidade pela música, a literatura, ganhava fôlego mas foi eclipsada.

O chanceler quebrou toda rede de contato com o mundo civilizado. O Brasil deixou de ser visto como um bom local de investimento. O diretor da Fundação Palmares tratou de derrubar datas e heróis históricos. Bolsonaro não conseguiu, mas vai continuar tentando, tornar presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (IPHAN) Larissa Peixoto, mulher de seu antigo segurança, formada em Turismo e Hotelaria.

Ao constatar que morria uma pessoa por minuto de coronavírus, Bolsonaro convocou os seguidores a invadir hospitais e fotografar leitos vazios. Ocupado por 30 militares dos 3 mil que estão no governo, o Ministério da Saúde quis camuflar os números reais da doença. Assim como Damares, ministra da Mulher e Família, excluiu a violência policial do relatório de violações de Direitos Humanos, setor vinculado à pasta. Tanto na camuflagem dos números como na exclusão da violência, ambos foram impedidos pelas regras de um detalhe que o presidente ignora: Constituição. É crime.

Bolsonaro meteu a mão no Bolsa Família que vai virar Renda Brasil, sem receita. E ninguém acredita que será pelo bem das pessoas, mas para ampliar sua base eleitoral – é no Nordeste que está a maior rejeição ao seu governo, avaliado como ruim ou péssimo por 48% de eleitores.

Como os povos bárbaros, quer usar violência para ganhar, pela força física e não pelo intelecto, a guerra contra gregos e troianos. “Quero todo mundo armado”, afirmou o presidente naquela reunião de março que coroa seu império, “ Tô levando bordoada e correndo risco… Podemos perder este país”. Incita os militares a nos assustar com um golpe e acaba de descobrir que as Forças Armadas não são um poder moderador num eventual conflito entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Conflito criado, naturalmente, por Bolsonaro.

Bolsonaro não combate o vírus. Ele combate a imprensa. No país dos bárbaros há compra fraudada de respiradores mas ele só vê fraude na imprensa. Acaba de criar um Ministério das Comunicações, que pode ser visto como o da Propaganda porque vai controlar a verba de publicidade do governo – a ver se a distribuição pelos órgãos de imprensa e TV será equivalente. Até aqui, o que se vê é a repercussão dos R$ 2 milhões pagos em anúncios pelo governo a sites aliados, e a divulgação de fake news.

A pasta vai supervisionar o leilão da internet 5G no Brasil, além de abrigar Correios, a Secretaria Especial de Comunicação Social, Telebrás, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Anatel. Fábio Faria é o novo ministro da sigla PSD, do aliado Gilberto Kassab, e aos 42 anos controla um pólo de poder.

Na nomeação, Bolsonaro explicou que Fábio não tem experiência na área mas é “ligado a Silvio Santos”. Mais que ligado ao apresentador que assistiu o 7 de Setembro na Tribuna de Honra, ao lado de Bolsonaro, Fábio é casado com a filha de S.S., Patrícia Abravanel, que é evangélica. Antes, namorou Sabrina Sato e Adriane Galisteu. O pai é dono de rádios que operam no Rio Grande do Norte e a mulher, Patrícia, é dona da TV Alphaville.

Além do afago nos evangélicos, a nomeação de Fábio aumenta o olho grande do Centrão. O Centrão já controla o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, R$ 54 bilhões, e a Fundação Nacional da Saúde, R$ 2,3 bilhões. O Ministério das Comunicações terá orçamento de RS 2,3 bilhões. Um em cada quatro deputados do Centrão é alvo da Justiça.

Com a compra do Centrão, Bolsonaro julga driblar o impeachment. Será suficiente? Essa turma sempre quer mais. O que Bolsonaro ainda não conseguiu impedir é o cruzamento de provas. As provas levantadas no inquérito das fake news, no STF, com as ações do TSE por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação por disparar fake news em 2018. Foi o que resultou na sua eleição. Tudo financiado ilegalmente pelo empresariado bolsonarista, como Luciano Hang, dono da Havan, fantasiado de verde-amarelo da cabeça aos pés, que o guru do governo, Olavo de Carvalho, chama de Zé Carioca. O esquema, sem a devida prestação de contas à Justiça Eleitoral, pode configurar crime de Caixa Dois e de financiamento privado clandestino.

Esta semana começamos a acreditar no samba de Chico Buarque e Francis Hime como acreditamos em 1984 – e no ano seguinte a ditadura foi varrida. Vai Passar. “Página infeliz da nossa história/ Passagem desbotada na memória/ Das nossas novas gerações”. Vai deixar esta mancha negra na história do país. Mas vai passar.