Norma Couri fala sobre orgulho e preconceito


30/06/2020


 

ORGULHO E PRECONCEITO

Jornalista Norma Couri, Diretora da Comissão de Mulher & Diversidade da ABI

No semana em que se comemora o Orgulho Gay é importante lembrar os marcos que fizeram do domingo 28/6 um orgulho. Eles estão relatados na ótima biografia de Benjamin Moser sobre Susan Sontag (Sontag,  Cia das Letras, 2020).

Moser, que levou o Pullitzer Prize este ano pelo livro, lembra os rumores de um “câncer gay” no começo dos anos 1980 e a primeira notícia no The New York Times: “Câncer Raro Detectado em 41 Homossexuais”, chamado de sarcoma de Kaposi. Julgava-se que a doença afetava apenas atletas sexuais. Em 1983 apenas algumas centenas tinham morrido no mundo todo. Em 1989 a doença ainda era uma sentença de morte. A cifra de vítimas acabaria chegando a quase 40 milhões: uma das maiores pandemias da história.

Sontag, escritora, ativista e defensora de Direitos Humanos, autora de Doença como Metáfora e Aids e suas Metáforas, era homossexual mas não aceitava dar depoimentos sobre seus inúmeros relacionamentos com homens e mulheres e, no final, com a fotógrafa Annie Leibovitz. Susan morreu em 2004 aos 71 anos de câncer. Naquela época havia enorme preconceito na imprensa e na sociedade. Moser afirma que, se ela tivesse sido identificada publicamente como gay, teria perdido dois terços de seus leitores. E perdido o emprego nas editoras.

Foi a AIDS que obrigou a uma revolução na mudança de rótulos.  “Gays vinham morrendo de uma doença que certamente teria sido combatida de modo mais incisivo se não tivesse sido associada à homossexualidade”, escreve Moser. E isso de fato aconteceu quando ficou evidente que ela não se restringia aos gays apenas.

Ninguém queria sair do armário. A primeira personalidade pública foi Rock Hudson em 1985, amparado por Elisabeth Taylor. O galã de Hollywood dos anos 50 mantinha a homossexualidade em segredo mas sua revelação corajosa mudou a consciência da América. De lá para cá, cada um que timidamente saía do armário dava coragem a outro para fazer igual. A honestidade sobre o próprio corpo e desejo, e a solidariedade que passou a existir quando a AIDS se espalhou por crianças, mulheres, raças e gêneros, propiciou o dia do Orgulho Gay e as paradas no mundo todo e em países preconceituosos como o Brasil.

Em NY a revolta ocorrida no bar Stonewall Inn ainda em 1969 quando uma trans e uma lésbica reagiram à agressão policial foi dado com o primeiro marco do reconhecimento de gays como cidadãos iguais. Ocorreu a primeira Parada. No Brasil as coisas demoraram mais a chegar. A primeira edição da marcha ocorreu em 28 de junho de 1997 reunindo 2000 pessoas em São Paulo. Em 2002 reuniu 400 mil pessoas e a 23ª Parada ano passado movimentou R$ 403 milhões.

Não faz muito tempo, em junho de 2011, Bolsonaro declarou numa entrevista à Playboy que preferia “ um filho morto a um herdeiro gay”. Unidos em coletivos e forçando criadores a reconhecer o potencial da classe nos serviços de streaming, a população LGBT+ convive com ameaças, preconceitos, hostilidade. Transexuais e travestis pelo trabalho nas ruas (prostituição, por falta de aceitação em outras áreas) formam o grupo mais vulnerável nas epidemia da Covid 19 no Brasil, seguidos pelos pretos, pardos e indígenas.

Este domingo Daniela Mercury comemorou o dia cantando para a jornalista Malu Verçosa com quem é casada há 7 anos. Ela fez sua própria versão da música Toda Forma de Amor de Lulu Santos e no lugar de “Eu sou seu homem, você é minha mulher”, cantou “Eu sou tua esposa, você é minha mulher”. E fez uma live transformando sua sala num grande armário simbólico, com botas, roupas de shows, figurinos de Carnaval no trio elétrico e vestidos de noiva das duas. Deixou um recado:

“Sexo é saúde, foram 124 transexuais e travestis assassinados no ano passado, temos de mudar no século XXI, as pessoas ainda insistem em não falar nisso. É preciso sair do armário. A gente precisa ser feliz”.