Na Semana Mundial da Água, Mara Régia adere à campanha da ABI e entrevista o professor Léo Heller


18/03/2024


Abrindo a Semana Mundial da Água, o programa Viva Maria, da Rádio Nacional da Amazônia, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), entrevistou no domingo (17/03) o professor Léo Heller sobre o direito humano à água. Pesquisador da Fiocruz-Minas e coordenador de Cooperação Internacional do ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento, Heller é o “embaixador científico” da Campanha pela Aprovação da PEC da Água Potável, uma iniciativa da Comissão de Meio Ambiente da ABI.

O programa Viva Maria é apresentado pela radialista Mara Régia, uma das jornalistas mais premiadas do país e uma das vozes mais reconhecidas da região Norte do Brasil. Sexta-feira, 22 de março, é o Dia Mundial da Água, comemorado anualmente pelas Nações Unidas, que definiu para este ano o seguinte tema: “Água para a paz”. O objetivo é fazer da água um catalisador para um mundo mais pacífico.

A jornalista, radialista e publicitária Mara Régia abraçou a Campanha pela Aprovação da PEC da Água Potável, uma iniciativa da Comissão de Meio Ambiente da ABI. Uma das jornalistas mais premiadas do país e uma das vozes mais reconhecidas da região Norte do país, Mara Régia apresenta há 43 anos o programa Viva Maria, transmitido pela Rádio Nacional da Amazônia, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Leia a íntegra da entrevista:

MARA RÉGIA – Para muito além do tema “Água para a paz”, definido pelas Nações Unidas para o Dia Mundial da Água deste ano, nós queremos abraçar a campanha da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pela aprovação da PEC da Água Potável. A PEC 6/2021, que propõe a inclusão do acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. E ninguém melhor para traduzir a complexidade dessa proposta e os caminhos abertos ou fechados para que a gente consiga esse direito é o Dr. Léo Heller, ele que é pesquisador da Fiocruz-Minas. Seja muito bem-vindo ao nosso Viva Maria!

LÉO HELLER – Muito obrigado, Mara, pela disposição, por esse diálogo.

MARA RÉGIA – Como coordenador de Cooperação Internacional do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) e como Relator Especial dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário, no contexto das Nações Unidas [de 2014 a 2020], eu gostaria de saber em que medida a gente vai conseguir sensibilizar o Congresso Nacional a votar a PEC da Água Potável.

MARA RÉGIA – Em primeiro lugar, é importante assinalar que é fundamental reconhecer água e esgotamento sanitário como direitos humanos. Isso já foi reconhecido pela Assembleia Geral [das Organização das Nações Unidas] desde 2010. O Brasil naquela época teve um papel muito ativo na aprovação dessa Resolução na ONU. Então, nós estamos 13 anos, 14 anos quase, atrasados em traduzir essa Resolução internacional na nossa legislação doméstica, na nossa legislação interna. Então, essa PEC, da mesma forma que existe uma outra tramitando, nada mais faz do que colocar a obrigação do Brasil em relação a esses direitos. Então, primeiro há uma necessidade de o Brasil transformar sua postura no nível internacional e consignar esse direito na legislação doméstica.

MARA RÉGIA – Na sua opinião, qual é o grande entrave para isso? O que está por trás dessa decisão?

LÉO HELLER – Também é um pouco especulativo isso, mas eu diria que são motivos semelhantes àqueles que levaram em 2010 a alguns países, foram 41 países de se absterem da votação em relação aos direitos humanos. Então, por exemplo, houve alguns países, acho que isso se reflete no Brasil também, que acham que reconhecer água como direitos humanos pode imediatamente transformar alguns governantes – governadores, prefeitos – em violadores de direitos humanos, porque eles não cumprem com a universalização da água e do saneamento, o que é um equívoco. Não é isso que a legislação dos direitos humanos fala. Ela fala que o que é necessário é um alcance progressivo desse direito e não da noite para o dia. Então, essa pode ser uma das visões. A outra visão é uma visão mais na linha neoliberal, que acha que água deve ser um objeto de consumo, uma mercadoria, a ser operada pelo mercado e não pelo Estado. Então, no contexto de privatização do serviço de água e esgoto, que é um contexto que está crescendo no Brasil, falar em água como direitos humanos significa que as empresas terão que fornecer água para populações pobres, para indígenas, para vilas e favelas, que são assentamentos informais. Na verdade, em geral, são populações com menor capacidade de pagamento das tarifas. Então, eu diria que existe uma oculta tensão entre aqueles que aceitam que a água é um direito humano e aqueles que têm uma visão de mercado, que acham que uma transformação da Constituição como essa pode ser um empecilho a uma propagação maior da iniciativa privada na prestação dos serviços.

MARA RÉGIA – Enquanto isso, 35 milhões de brasileiras e brasileiros ficam sem acesso à essa rede geral de distribuição de água, como diz a campanha que a ABI está desenvolvendo pela aprovação dessa PEC 6/2021. Vamos ver se esse março, que costuma nos mobilizar ainda mais em torno desse direito, consegue uma adesão, não só da população em geral, mas também uma sensibilização de nossos parlamentares para a garantia desse direito, não é, Dr. Léo?

LÉO HELLER – É, exatamente. Também é o meu desejo e é importante sempre qualificar essas estatísticas. Esses 30 milhões de pessoas não são aquelas que vivem nas áreas urbanizadas de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo ou de Belo Horizonte. Estamos falando de populações que já acumulam várias camadas de vulnerabilidade. População rural, população indígena, pessoas que vivem nas vilas e favelas. Então, esse direito é garantir a cidadania para as populações.

MARA RÉGIA – E no que tange a cada um de nós, por favor, uma última palavra à população, que tem o privilégio de ter água na torneira. Não deixa de ser um privilégio, quando a gente pensa nesses 35 milhões de brasileiras e brasileiros que não têm esse acesso.

LÉO HELLER – É, fundamentalmente, penso que é necessário uma postura de solidariedade, de reconhecimento da situação inaceitável que é ter brasileiras e brasileiros com condições muito inferiores a nós, que temos acesso a esse serviço. Então, é de fato muito importante que haja uma mobilização política para garantir esses direitos. Infelizmente, eu tenho visto que o discurso tem sido muito um discurso de valorizar o mercado, valorizar as companhias, de acreditar que é através das empresas privadas que o financiamento para o saneamento virá. Não é, a postura precisa ser outra. Então, é necessário que cada um de nós, inclusive, pressione os políticos que nós votamos para que altere esse quadro.

MARA RÉGIA – Sim, Dr. Léo, a cidadania brasileira espera que cada um de nós cumpra o seu dever e é com essa certeza que eu me despeço, agradecendo muitíssimo a sua participação nesse nosso programa, que abre a Semana da Água no nosso Viva Maria.

LÉO HELLER – Eu que agradeço.

Ouça a entrevista aqui.