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Movimento pela Reforma Psiquiátrica


12/09/2006


CARTA ABERTA AOS CANDIDATOS A CARGOS PARLAMENTARES E AO EXECUTIVO ESTADUAL PELO RIO DE JANEIRO

Exmos. Srs. Candidatos,

Nós, abaixo-assinados, somos representantes de várias entidades e órgãos do campo da saúde mental e dos direitos humanos do Estado do Rio de Janeiro ou que aqui também atuam. Gostaríamos de reafirmar os valores, princípios, conquistas e plataforma de luta na área de saúde mental e direitos humanos, que vêm pautando nossa luta nas últimas décadas, e que gostaríamos que fossem encampados pelos diversos postulantes a cargos parlamentares e ao executivo estadual pelo Estado do Rio de Janeiro.
Podemos lembrar que na década de 70, 97% dos recursos da área de saúde mental no país eram destinados exclusivamente a leitos psiquiátricos, provendo uma atenção marcada pela tutela, reclusão, isolamento da sociedade, cronificação, que não foi capaz de sequer garantir os direitos humanos fundamentais, como o direito à própria vida.

A Reforma Psiquiátrica, integrada ao SUS desde os primórdios, buscou:
– ser coerente com os avanços internacionais prescritos pela Organização Mundial da Saúde e pela Carta da ONU de 1991 (Proteção das Pessoas Portadoras de Transtorno Mental e Desenvolvimento da Assistência à Saúde Mental);
– ser coerente com os princípios constitucionais e da legislação do SUS de uma atenção integral à saúde, de acesso universal, de base territorial, com equidade, participação e controle social;
– produzir novas modalidades de formação e exercício profissional em saúde mental abarcando as contribuições das diferentes disciplinas, com a democratização do trabalho nas equipes multiprofissionais, visando dar conta da complexidade e das várias dimensões do sofrimento psíquico, do desenvolvimento da subjetividade e da qualidade de vida, em um movimento de autonomia e emancipação.

Esses princípios foram consensuados em três Conferências Nacionais de Saúde Mental (1987, 1992, 2001), com ampla participação em todo o território nacional; em duas conferências latino-americanas (Caracas, 1990 e Brasília, 2005); bem como na Lei Federal 10.216/2001.
Além disso, foram criados no país quase mil Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, Serviços Residenciais Terapêuticos, leitos de atenção à crise em hospitais gerais, serviços para crianças e adolescentes e para usuários de álcool e outras drogas. Por todo esse trabalho o nosso país vem ganhando reconhecimento crescente no plano internacional.
Admitimos que ainda temos muitos desafios e impasses, particularmente aqueles associados à pobreza, exclusão social, violência, e, por outro lado, desafios específicos em ciência, tecnologia, pesquisas e formação para esses novos tempos e novos dispositivos de cuidados.
Assim, nós, abaixo-assinados, manifestamos nosso total compromisso com a continuidade do processo de Reforma Psiquiátrica, entendendo-a como uma política pública e uma bandeira que é parte fundamental de uma agenda cidadã e de direitos humanos mais amplos para todos os brasileiros, bem como reafirmamos nossa plataforma de luta neste campo, visando garantir os seguintes direitos humanos aos portadores de transtorno mental:

1) As instituições de saúde mental devem garantir o exercício de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem; pelos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966; pela Carta de 1991 de Proteção das Pessoas Portadoras de Transtorno Mental e Desenvolvimento da Assistência à Saúde Mental, bem como por todas as demais convenções internacionais similares promovidas pela ONU.

2) As políticas e programas de saúde mental devem garantir os recursos necessários e a implementação efetiva do direito a acesso universal, gratuito e eqüitativo para tratamento o mais próximo da comunidade onde vivem seus usuários, em ambiente aberto, com direito de retorno à sua moradia no período mais breve possível, e onde se garanta a privacidade, sigilo de informações pessoais, acesso ao prontuário pessoal, liberdade de comunicação, liberdade de crença, atividades educacionais, recreacionais, culturais, de lazer e ocupação ativa adequada a sua cultura, a trabalho mediante escolha pessoal e remuneração, e a outros benefícios na forma de renda. Além disso, o cuidado em saúde mental deve ser integrado de forma orgânica à rede de serviços em educação, saúde, assistência social, infra-estrutura urbana e demais políticas sociais, no sentido de garantir uma atenção integral a sua clientela.

3) A política de saúde mental deve garantir o direito à plena participação dos usuários, familiares e demais representantes da sociedade civil na sua formulação, bem como assegurar o seu monitoramento e avaliação através dos dispositivos de controle social e dos órgãos de fiscalização externa aos serviços, com composição paritária.

4) O tratamento em saúde mental deve garantir o respeito às características próprias, às legislações e aos direitos particulares das crianças e adolescentes, dos idosos, das mulheres e homens, das diferentes opções eróticas, das pessoas com deficiências, dos grupos étnicos específicos, dos usuários de álcool e outras drogas, dos portadores de transtorno mental infratores, e dos diferentes tipos de transtornos mentais.

5) Os serviços de saúde mental devem garantir o direito a formas de tratamento voluntário mediante consentimento informado, em linguagem acessível ao usuário e a seu representante pessoal, mediante projeto terapêutico revisto regularmente, que vise preservar e aumentar a autonomia pessoal do usuário, garantindo-se o direito de deixar o estabelecimento a qualquer momento;

6) Em caso de necessidade imperativa de tratamento involuntário, este deve ser o menos restritivo, invasivo e realizado no menor prazo possível, sendo objeto de avaliação por parte do Ministério Público e de corpo de revisão especialmente designado para tal, devendo ser executado com dignidade, sem abuso, desconforto físico e subjetivo, ou forma de tratamento degradante, e visando a transformação o mais breve possível em tratamento voluntário, nas condições indicadas pela Lei 10.216/2001, de reforma psiquiátrica, bem como nas alíneas 2, 3, 4 e 5 acima;

7) No caso de instituições com características asilares e manicomiais, todos os esforços deverão ser realizados no período mais curto possível para a reinserção dos moradores em suas famílias de origem, com o devido suporte financeiro e assistencial a ambos, ou no caso de ausência de familiares, em serviços residenciais terapêuticos, com as características indicadas nas alíneas 2, 3, 4 e 5 acima, bem como para uma supervisão adequada e regular dos direitos humanos e da qualidade de vida dos usuários e moradores ainda em processo de transição para os novos serviços. Estratégias semelhantes devem ser adotadas em relação à substituição de leitos remanescentes em hospitais psiquiátricos especializados e manicômios judiciários.

8) No caso de usuários que perderam a capacidade legal e estejam sob regime de tutela, deverão ser garantidos os direitos à representação pessoal e advocatícia, a apelo a tribunal superior, e à revisão periódica do status de incapacidade;

9) A alegação de transtorno mental não pode gerar discriminação ou segregação, entendida aqui como qualquer forma de distinção, exclusão ou preferência que implique em anular ou dificultar o desfrute eqüitativo de direitos. Assim, todos os esforços devem ser realizados para estimular na sociedade e nas instituições o convívio com a diferença e com as múltiplas formas de condição física, existencial, origem nacional, social, étnica, religiosa, situação geracional, de gênero e de expressão da personalidade e da singularidade de cada ser humano.

Do exposto, convidamos V. Excias. para conhecerem os novos serviços e os avanços da assistência humanizada que temos produzido nos novos serviços de saúde mental já implantados, a despeito de todas as dificuldades. Apesar da reforma psiquiátrica e sua abordagem dos direitos humanos já constituir uma política de Estado já consolidada, gostaríamos finalmente de vê-la incluída explicitamente em seus programas de luta ou de governo, e de contar com o seu apoio inequívoco a esta plataforma, apoiando o processo de reforma psiquiátrica no país e no Estado do Rio de Janeiro, bem como iniciativas e projetos de defesa dos direitos humanos em serviços de saúde mental, não só durante a campanha eleitoral, mas também, se eleito, durante todo o seu mandato.

ASSINAM:
1. APACOJUM – Associação de Parentes e Amigos do Complexo Juliano Moreira
2. Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN) – seção Rio
3. Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) – Diretoria Nacional
4. Centro de Justiça Global
5. Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CRPRJ
6. Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia (CONEP)
7. Grupo de Trabalho Saúde Mental da ABRASCO
8. Espaço Artaud
9. Equipe Clínico Grupal Tortura Nunca Mais – GTNM/RJ
10. Instituto Franco Basaglia – Cultura, Informação e Pesquisa para uma Sociedade Sem Manicômios – (IFB)
11. LAPS – Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental – FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
12. Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio
13. Núcleo Estadual do Movimento da Luta Antimanicomial – Rio de Janeiro;
14. Projeto Transversões – Escola de Serviço Social da UFRJ (Projeto integrado de pesquisa “Saúde mental, desinstitucionalização e abordagens psicossociais)”
15. Rede de Movimentos e Comunidades contra a Violência
16. SOSINTRA – Sociedade de Serviços Gerais para a Integração Social pelo Trabalho