Missa de 7º dia de Audálio Dantas foi celebrada em SP


31/05/2018


 

Jornalista Audálio Dantas (Crédito: Jair Magri)

A missa de sétimo dia será celebrada por Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, e concelebrada pelo padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua. Mais do que uma cerimônia religiosa, é um convite à resistência.

Alagoano da cidade de Tanque D’Arca, Audálio começou sua carreira em 1954 como repórter do jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo). Ele foi chefe de reportagem de O Cruzeiro e também trabalhou em publicações como Quatro Rodas, Veja, Realidade, Manchete e Nova. Foi diretor-executivo da revista Negócios da Comunicação, da Editora Segmento MC, de junho de 2008 a dezembro de 2014, quando passou a dedicar-se à produção de eventos culturais.

Em 1981 recebeu o Prêmio de Defesa dos Direitos Humanos da ONU por sua atuação em prol da defesa dos direitos humanos.

Lançou diversos livros, entre eles “As duas guerras de Vlado Herzog”, em que conta como o jornalista foi vítima dos nazistas na Iugoslávia, nos anos 1940, e das forças de repressão da ditadura militar brasileira.

Audálio Dantas foi o primeiro presidente eleito por voto direto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Entre 1975 e 1978, Dantas foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo.

Olhar generoso

Antes de ingressar no jornalismo, Audálio revelava fotos do italiano Luigi Maprini, que anos depois seria seu companheiro de redação em diversas publicações da Editora Abril.

O seu olhar generoso, sempre voltado para as questões sociais, o levaria a descobrir um fenômeno literário, uma mulher negra e  favelada chamada Carolina de Jesus. A vida dos dois nunca mais seria a mesma. A mineira Carolina vivia na favela do Canindé, nos arredores do recém –construído Estádio da Portuguesa em São Paulo. Áudálio fazia uma reportagem sobre a expansão da favela para a Folha da Noite quando os dois se conheceram.

Carolina mostrou-lhe uma pilha de cadernos com anotações à mão sobre a rotina dos moradores da comunidade. Era uma espécie de diário onde também comentava a vida pessoal e sua relação com os vizinhos. Audálio publicou parte das anotações na edição de 9 de maio de 1945 da Folha da Noite. Carolina de Jesus transformou-se em uma celebridade no mundo literário. Os seus rascunhos foram reunidos no livro Quarto de Despejo, cujas primeiras edições alcançaram cerca de 30 mil exemplares. Traduzido  em 14 línguas,  vendido em cerca de 20 países, virou um best-seller. Com o dinheiro dos direitos autorais, Carolina  deixou a favela, mudou-se para um sobrado de três andares, no bairro de Santana. Logo entraria em conflito com a vizinhança e publicaria mais três livros, que não alcançaram o mesmo sucesso.

Mudou-se para um sítio, longe da cidade, começava o seu ocaso. Morreria pobre e doente, apesar de contar sempre com o carinho e assistência do seu padrinho literário.

Foi na presidência do Sindicato que Audálio cresceu politicamente ao denunciar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog , torturado e morto nos porões do Doi/Codi de São Paulo. Audálio empenhou-se em demonstrar que não fora um caso de suicídio, versão sustentada pelos militares, ao afirmarem que se havia enforcado com o cinto da calça. Ao lado do Cardeal Arcebispo Dom Evaristo Arns, do Rabino Henri Sobel e do pastor americano James Wright, Audálio liderou um movimento nacional que mobilizou a sociedade civil na luta pelo restabelecimento do estado de direito. No Rio, Audálio encontrou o respaldo político do então presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Prudente de Morais Neto, com quem e reuniu várias para discutir a crise desencadeada pela morte de Wlado.

O então repórter Moura Reis, correspondente de O GLOBO na época, conselheiro da ABI e atual representante da entidade em São Paulo, acompanhou de perto os desdobramentos do assassinato de Vladimir Herzog. Moura Reis ressalta a importância da posição assumida por Audálio naqueles dias imprevisíveis:

“A democracia que respiramos no Brasil deste 2018 deve muito a muitos, masem especial a um homem extraordinário:  Audálio Dantas. A coragem e firmeza de Audálio, então presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo,  impediu que o assassinato do jornalista Wladimir Herzog, no dia   25 de outubro de 1975, em  dependência do II Exército,  entrasse para a História com o registro oficial de suicídio. De sua sala no Sindicato dos Jornalistas, na rua Rego Freitas, Audálio Dantas rebateu a informação  oficial e passou a enfatizar as evidências de assassinato. Destacou a incongruência da foto divulgada pelo regime, que mostra que Vlado teria se enforcado sentado. O apoio público à postura corajosa de Audálio se fortaleceu a partir da realização, na Catedral da Sé, no domingo seguinte, de Ato Ecumênico em memória de  Vlado, no sétimo dia após a morte. Oficiado pelo Cardeal Arcebispo  dom  Paulo Evaristo Arns, pelo Rabino Henri Sobel, presidente do Rabinato, e pelo pastor americano James Wright, o ato ecumênico reuniu cerca de dez mil pessoas e deixou clara a recusa dos religiosos à versão oficial do suicídio. Essa recusa, iniciada por Audálio , “começou a mudar  o Brasil”, afirmou o rabino Henri  Sobel”.

O Mestre  Audálio

Depoimento do jornalista Domingos Meirelles, presidente da ABI, que trabalhou com Audálio das revistas Quatro Rodas e Realidade.

“Audálio tinha uma paixão lúdica pelo texto. Era um estilista exigente e refinado.

As palavras precisavam estar sempre no lugar certo, não costumava desperdiçá-las, tinham que possuir a expressão, dimensão e o peso corretos.

Elas precisavam encaixar-se umas nas outras como nas paredes de pedra de uma pirâmide. Fazia poesia em prosa, o que escrevia precisava alinhar-se em  comunhão com o tema
desenvolvido. Era acima de tudo um perfeccionista, tinha um cuidado especial com a linguagem, que precisava ser elegante e concisa, despida de ornamentos ou penduricalhos verbais. O que ele escrevia precisava ter elegância, equilíbrio gramatical, e extraordinária concisão vocabular. Estava sempre à procura da palavra certa.

Juntos, escrevemos uma reportagem de 28 paginas sobre Aborto para a revista Realidade, numa época em que o tema era considerado tabu pela imprensa e pela sociedade brasileira.

A seu convite participei do livro Reportagem com outros onze companheiros que tiveram a honra de serem escolhidos a dedo por ele. Juntos, participamos também de dezenas de salões literários no Rio, São Paulo, Minas, Paraná,Goiás, Santa Catarina e Alagoas. Estabeleceu-se entre nós uma longa e fraterna amizade.

Em 2006, indiquei o seu nome  para a vice-presidência da ABI , na primeira gestão do presidente Maurício Azêdo, cargo que acumulou com o de representante da entidade em São Paulo.

O escritor José Samaramago dizia que quando nos deixasse não estaria sozinho. Levaria pela mão o menino que sempre existiu dentro dele. Audálio partiu em companhia de muitos dos seus personagens como a negra Carolina, que se eternizara através do seu generoso e  aguçado olhar de repórter”.