05/11/2018
Convidada pelo presidente do Conselho Deliberativo, Luiz Carlos Azedo, para uma “conversa” sobre as eleições deste ano, a socióloga fez um breve relato de sua carreira, revelando que um de seus primeiros trabalhos foi na ABI, na biblioteca Bastos Tigre, com os jornalistas Maurício Azedo e Ivan Alves, que na década de 1970 estavam criando o Centro de Memória, e contrataram estagiários para a organização dos jornais que circulavam no Rio de Janeiro nos anos de 1920. A ela coube escrever uma pequena monografia sobre O Globo, de Irineu Marinho, e recentemente, quase 40 anos depois, foi convidada pelo Memória Globo para conhecer a documentação sobre o jornal A Noite e reconstruir sua história. Disse que ficou surpresa com a qualidade do jornal, fruto do empenho de Irineu Marinho e de seus colegas jornalistas, e com a excepcionalidade daquele repórter-empresário, que tinha a compreensão do que significava o movimento dos “tenentes” em uma república oligárquica e o nascimento de uma esquerda no Brasil. Sua pesquisa resultou no livro “Irineu Marinho, Imprensa e Cidade”, publicado em 2012.A autora, então, doou exemplares à biblioteca da ABI.
A cientista social iniciou a conversa sobre as eleições no Brasil destacando que a vitória de Jair Bolsonaro é muito recente e que não há uma análise compreensiva do evento, que aborde todas as suas dimensões, embora já se conversasse sobre esse personagem e sobre o crescimento da sua aprovação pelos brasileiros. Disse que o momento político podia ser pensado a partir de três questões muito importantes. A primeira delas é a degradação do espaço da política, o seu retraimento nos corações e mentes da sociedade brasileira, que embora tenha acorrido em massa às urnas, preferiu depositar suas esperanças em um “salvador da pátria”. E o PT, que ocupou o espaço da esquerda política por tantos anos, contribuiu bastante para essa situação. Maria Alice mencionou que, em seu nascimento, o PT se dizia, mais que um partido, a própria expressão do social, avesso às formas “elitistas” da democracia representativa. E essa ideia persiste, por exemplo, quando Lula, em 2010, declarou ser capaz de “eleger um poste”, deslocando o tema da mediação das instituições políticas. Para Maria Alice, o fato é que a política como instância específica deixou de ter relevância, e em seu lugar foi surgindo uma versão muito raivosa da luta contra a corrupção e pela ordem. Para a analista, “o social” nos anos de 1980 estava associado à classe operária e às suas formas autônomas de organização – algo completamente distinto dos dias atuais, em que as mudanças estruturais no mundo do trabalho produziram, entre outras consequências, a desorganização dos trabalhadores e o arrefecimento de sua atividade política. Segundo Maria Alice, as grandes economias não se estruturam mais com base no setor industrial e sim no setor terciário, em que se incluem tanto os avanços tecnológicos, como os serviços mal remunerados e sazonais. Também no Brasil se vive o efeito politicamente desorganizador da precarização do trabalho. A manifestação no condomínio da Barra da Tijuca em que reside o novo presidente eleito revelou a nova classe de “empreendedores” brasileiros, coleção de indivíduos apetitivos, como ainda não se tinha visto no Brasil.
A segunda questão apontada por Maria Alice foi a necessidade de se “recuperar um centro político”, constituído pelas forças democráticas, que o PT em 2015/16, à época do impeachment, ao adotar o discurso do “nós contra eles”, eliminou. Maria Alice citou, entre outros, o intelectual baiano Antônio Risério, que tem escrito sobre a necessidade de construção de uma esquerda do nosso tempo, que não demonize os adversários e valorize ideias e instituições que tenham como eixo o bem comum. Assim como não se admite o “anticomunismo raivoso” no século 21, também é problemática uma esquerda que se conceba como a miragem insurrecional do ataque ao poder. Nesse sentido, a invenção de uma nova “tradição”, que atualize o tema comunitário contra o individualismo competitivo e predador, e valorize a reforma processual e democrática da vida brasileira é um primeiro passo para a restauração do centro democrático.
Para Maria Alice, a terceira questão fundamental é a participação dos intelectuais nesse processo de reinvenção da tradição. É claro que o século 21 é povoado por novos personagens, cujas identidades foram alçadas ao primeiro plano e se afirmam contra a ideia de classe social e de nação. à condição de novos porque tem uma compreensão ampla da vida com o surgimento de novos personagens. No século 20, a ideia de sociedade era mais uniforme, era “a nação brasileira” que equalizava diferentes atores mas isso é uma ideia muito redutiva porque visa um brasileiro estilizado,ou seja, que tenha características abrangentes e capazes de representar o conjunto da diversidade dos brasileiros. Mas, agora, as novas gerações vem propondo uma forma de reconhecimento que traduz características distintas ,colocando distinção e diversidade no centro da vida política brasileira, como movimento dos negros,das mulheres, dos jovens, da comunidade LGBT, mas essa segmentação só foi ruim no Brasil nesse processo eleitoral porque se “despregou” da questão democrática. As identidades diferenciadas só fazem sentido no contexto em que nós afirmamos a democracia como o lugar em que essas diferenças podem se expressar, porque sem esse contexto essa segmentação se descola da política. E para a geração 2000 que nasceu no regime democrático, a democracia é algo perene, dada e vai estar sempre presente e que vai permitir que os jovens se expressem de forma segmentada. Mas esses jovens levaram um susto porque a democracia é um movimento que depende da atenção da sociedade, do cuidado em ampliar a base de massa do Estado liberal, desenvolvendo uma ligação desses segmentos com o tema geral da vida democrática. E a ausência dessa combinação teve impacto no resultado eleitoral.
Em seguida, Conselheiros presentes fizeram perguntas relacionadas ao tema abordado pela convidada.