Marcelo Monteiro – Uma arte aprimorada em 54 anos


03/04/2006


Carlos Rodrigues
07/04/2006 

Marcelo Monteiro nasceu em casa, num apartamento da Rua Mayrink Veiga, Centro do Rio, na semana do carnaval de 1935. Já a vocação para o desenho nasceu ao pé da prancheta do pai, o pintor, cenógrafo, arquiteto, carnavalesco e ilustrador Monteiro Filho. Aos 17 anos — sua idade atual vista pelo espelho, como diz — Marcelo fez seu primeiro trabalho profissional a convite do autor teatral Oduvaldo Vianna, amigo da família: “Ele dirigia o jornal do PCB, Imprensa Popular, e um dia me perguntou se queria fazer um retrato da poetisa Gabriela Mistral. Topei na hora.” 


ABI Online
Você não se considera um chargista e diz que cria paralelamente ao texto. Explique melhor seu trabalho.
Marcelo Monteiro — Sempre fui ilustrador, isto é, meu trabalho está sempre cingido a um texto. É uma criação paralela, nunca independente, por mais tênue que seja o liame entre trabalho gráfico e texto. 

ABI OnlineComo foram as duas décadas em que ilustrou os textos de Nelson Rodrigues no Globo e no Jornal dos Sports?
Marcelo — Criei em desenho vários de seus inesquecíveis personagens, como Sobrenatural de Almeida, Gravatinha e A Grã-fina das Narinas de Cadáver. Tenho muita saudade de Nelson e de nossas conversas. Lembro do dia, no Globo, em que eu estava ao seu lado, esperando ele acabar de escrever a crônica, quando ele me perguntou: “Ó, ridículo (maneira carinhosa que usava para brincar com os mais íntimos). O que é que acha disso?” Debrucei-me sobre o texto e li: “Não se dá um passo em Álvaro Chaves sem tropeçar numa glória.” Respondi: “Genial. É a definição lapidar de um tricolor.” Quantos anos já se passaram depois disso, meu Deus!

ABI OnlineComo foi sua ida para O Globo?
Marcelo — Fiz de tudo — cartazes, cenografia, publicidade, histórias em quadrinhos e desenho de produção para o cinema — até 1962, quando, trabalhando na Editora Ozon e fazendo o curso de Arquitetura, conheci Paulo Rodrigues, irmão do Nelson. Ele ia lançar um livro pela editora e me chamou para fazer a capa. Paulo também mantinha uma coluna diária no Globo e um dia me disse que o Dr. Roberto Marinho estava procurando um ilustrador para ela. No ato, me propôs ilustrar umas das historinhas que sairiam no dia seguinte. Fiz, ele levou para o jornal e uma hora depois me ligou, mandando eu ir pra lá também. Quando cheguei, o Dr. Roberto me perguntou: “Você pode começar hoje?”

Como naquela época era possível trabalhar em dois jornais simultaneamente, desde que não fossem concorrentes, em 63 aceitei também o convite para colaborar no Jornal dos Sports, feito por Mário Júlio Rodrigues — seu pai, Mário Filho, ainda era vivo na época — e que acabou se tornando um grande amigo. 

ABI OnlineQual a diferença entre a charge e a arte que você faz?
Marcelo — Embora possa ter um aspecto caricatural, a ilustração difere da charge, pois esta raramente está ligada a um texto, é uma obra independente. Como a ilustração trata da interpretação de um texto — que pode ser literal, simbólica ou conceitual — e como as interpretações variam com os indivíduos, é comum editores fazerem sugestões que algumas vezes demandam negociações e, em outras, matam a charada. No meu trabalho não funciona — nem poderia — a “lei” da obra de arte irretocável.

ABI OnlineOs autores também interferem?
Marcelo — Ilustrei muitos cronistas ao longo da carreira e nenhum interferiu no meu trabalho. Minto. Uma vez o bom João Saldanha me alertou que a posição de um boneco que ia chutar a bola estava errada. Corrigi na hora. Hoje, velhote, ilustro no Globo e na Revista Globo uma verdadeira seleção de craques: João Ubaldo Ribeiro, Luiz Garcia, Verissimo, Zuenir Ventura, Martha Medeiros, Paulo Coelho, Alberto Goldin e B. Piropo. 

ABI OnlineQual o lado mais gratificante do seu trabalho?
Marcelo — Apesar de todas as limitações inevitáveis, decorrentes da própria natureza do trabalho em imprensa, minhas tarefas incluem uma boa dose de criação. E que atividade pode ser mais prazerosa para o ser humano do que aquela que exige um esforço, por mínimo que seja, de criatividade?