Mais testemunhos de amigos e jornalistas sobre Ricardo Carvalho


23/06/2021


Ricardo Carvalho: perdemos mais um bom repórter

Por Marcelo Auler, publicado em https://marceloauler.com.br/ricardo-carvalho-vai-se-mais-um-bom-reporter/

 Não foi a Covid, mas uma possível pancreatite que nos roubou Ricardo Carvalho, com seus 72 anos. Apesar dos livros publicados e dos documentários que dirigiu, ele gostava de se identificar como um “repórter”. Um excelente repórter, como está registrado no acervo da Folha de S. Paulo. Foi pelo seu faro jornalístico que se conheceu, em 26 de março de 1978, em pleno governo do general Ernesto Geisel, a primeira lista de presos assassinados no porão da ditadura militar: os hoje conhecidos desaparecidos políticos. Uma relação de 26 nomes encaminhada pelo então cardeal de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, ao então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. Entre os nomes, dois cidadãos com dupla nacionalidade – Paulo Stuart Wright e Stuart Edgart Angel Jones – brasileiros, filhos de cidadãos norte-americanos.

 

“Muitas coisas boas no jornalismo” ________________________________________________________________________________
Por Rui Xavier, jornalista
O Ricardo Carvalho fez muitas coisas boas no jornalismo. Uma delas foi a dupla com outro bom jornalista, o Ricardo Kotscho. Durante anos os dois sonharam com um programa de televisão onde misturariam notícia, bom humor e inteligência. E muita animação. O sonho só virou realidade em 2019, na ALLTV, uma webtv do jornalista Alberto Luchetti, amigo de ambos. Primeiro fizeram um piloto muito engraçado. Depois fizeram o lançamento com uma excelente e bem humorada entrevista com Juca Kfouri. Em seguida vieram outras com Xico Sá, Paulo Caruso, Eugênio Bucci. Todas de muita qualidade. O projeto, com o sugestivo título de “Ricardinho e Ricardão”, foi interrompido pelas dificuldades de captação de recursos que os projetos culturais passaram a enfrentar com a chegada do atual governo. Os programas podem ser vistos no canal da ALLTV no youtube. O “tira gosto”, apresentado aqui, foi organizado pelo próprio Ricardão que, infelizmente, nos deixou muito cedo.

Um abraço, Ricardão! Até!


Por Johnny Savalla, jornalista.

Ana, teremos que adiar nosso compromisso de hoje. Não estou bem.

Morreu um grande amigo de muitos anos… Pra você ter uma ideia eu o conheço desde 1956.

Fizemos o primário juntos e depois nos perdemos pelo caminho. A vida nos levou para outros lugares. Morávamos no mesmo bairro, estudávamos na mesma classe, da mesma escola e com a mesma professora, a dona Sônia.

Passaram-se muitos anos e vim encontrar o Ricardo Carvalho já como um consagrado jornalista da TV Globo de São Paulo, onde todos o conheciam como Ricardão.

Recém-chegado na Globo, entrei na redação do Jornal Hoje, que naquele momento estava no ar, todos prestando atenção às matérias e comentando, aquele ambiente de uma redação mesmo. Um dos jornalistas anuncia: “É agora, Ricardão”. Então, começa uma matéria sobre uma loja que era especializada em artigos para pessoas canhotas. Ao final da matéria todos aplaudem e ele ri e diz: “a pessoa certa para fazer essa matéria, pois sou canhoto e de esquerda”… Solta a famosa gargalhada, que era sua marca registrada.

Pouco tempo depois montamos um grupo de amigos para almoçar juntos, uma vez por mês. Convidamos o Ricardão e ele topou participar da “turma do almocinho”, como carinhosamente nos referíamos ao nosso grupo.

Daí em diante falávamos com alguma frequência pelo WhatsApp´. Em uma dessas conversas ele enviou uma foto sua de 1956, a foto clássica da turma do primeiro ano primário, com todos os alunos e a professora.

Quando olhei, me vi na foto.

Liguei pra ele e perguntei quem era ele na foto: “Sou o cara a esquerda (começou cedo) sentado na cadeira com as pernas dobradas e os joelhos junto ao peito”.

Ele era diferente dos outros. Tinha um jeito diferente, não seguia o padrão do “uniforme arrumadinho”

Aí vem a surpresa:

– Ricardão estou nessa foto!

– Como assim, Johnny? Quem é você na foto?

– Sou o único que está em pé, na frente da professora, a dona Sônia e ela está com a mão no meu ombro.

– Verdade! Mas como você sabe que é você?

– Ricardão, olha a perna (nessa época, meninos ainda, usávamos calças curtas) a perna direita é mais fina que a esquerda. (Gargalhadas !!!)

O incrível é que da turma toda o único que eu me lembrava era ele.

Eu era muito tímido. Vivi boa parte desse tempo em casa e só fui pra escola quando comecei a andar. Estava com 8 anos e meio. Nunca tinha convivido com tanta gente assim, no mesmo espaço – sou filho único. Eu tinha uma sensação de medo e estava me adaptando a essa nova realidade.

Dele eu lembrava bem, era realmente diferente dos outros, não aceitava as imposições de uma escola tradicional, questionava as ordens, rebelava- se a todo instante, chegando a ser agressivo – pelo menos assim parecia àquela época. Quase todos os dias ia pra diretoria e/ou ficava de castigo no Banco Amarelo (que era posicionado bem na entrada da escola, entre as salas de baixo e as escadas, ou seja, todo mundo via. Era de propósito, pra passar vergonha mesmo!)

Vale uma explicação: quando a criança ia de castigo para o Banco Amarelo?

Quando fosse insubordinada, respondesse para a professora, quando risse sem motivo, falasse alto, sem autorização ou qualquer bobagem de criança, aí era obrigada a ficar sentado nesse banco de cor amarela, exposta ao ridículo.

Eu tinha um certo medo dele, mas ele era fora da curva, muito inteligente mesmo. Era o único que argumentava com professora que não admitia isso e o chamava de insubordinado. Na verdade, elas não conseguiam saciar o apetite dele por informação e quando respondiam ele fazia outra pergunta mais profunda.

Conversamos muito nesse meu retiro pandêmico, e prometemos nos ver logo que pudéssemos para nos abraçar o tanto que nunca nos abraçamos.


UM DIA TRISTE: HOMENAGEM A RICARDO CARVALHO EM SÃO PAULO
Por Norma Couri, Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade

Uma cerimônia ao ar livre inaugurou ontem a “escadaria da liberdade” na Praça da Liberdade em São Paulo, onde Ricardo Carvalho, morto há uma semana, foi homenageado com discurso do cartunista Paulo Caruso e depoimentos de vários colegas, entre eles José Galé e Sergio Gomes.

Ludmila, filha de Milton Coelho da Graça, levou as cinzas do pai que faleceu em maio para enterrar na Praça, junto a uma árvore. Algumas faixas homenageavam Clarice Herzog que completou 80 anos.

O cartaz avisava:
“Subir esta Escada da Liberdade significa celebrar a vida de Vlado, Audálio Dantas, Martinho Lutero, Ricardão Carvalho, André Russo e dos 510 mil brasileiros que ficaram dramaticamente pelo caminho durante este Pandemônio.

São essas mortes que nos estimulam a insistir, persistir e não desistir de lutar empenhadamente pela Vida em Democracia. Pela Justiça!

D. Paulo deixou um herdeiro na pessoa do papa Francisco que diz ‘a vida não é o tempo que passa. A vida é o tempo do encontro’ ”

Isso tudo aconteceu antes de sabermos da morte de Arthur Xexéo lastimada mais tarde com Eliana e Chico Caruso num encontro pela Internet. Um dia triste para a imprensa.