Jornalistas em tempos de covid-19


21/04/2020


Redação da A Gazeta, de Vitória, em tempos de covid-19: distância segura entre os profissionais (Imagem: A Gazeta)

Por Claudia Sanches

Pesquisa recente do Instituto Datafolha aponta o jornalismo como fonte mais confiável nesse momento da crise do novo coronavírus. TVs e jornais lideram, com 61% e 56%, respectivamente, o índice de confiança em informações divulgadas sobre a pandemia. Programas jornalísticos de rádio e sites de notícias, com 50% e 38%, vêm na sequência.

Nesse momento em que o exercício da profissão é um serviço fundamental, os profissionais de imprensa se adaptam ao cenário atual. Com a carga de trabalho aumentada, enfrentam  ameaças de redução salarial, demissões, além do risco de contração do vírus. As Medidas Provisórias 927 e 936 permitem redução dos salários em até 70%.

No estado do Rio de Janeiro, sabe-se que vários jornalistas já contraíram a virose. Na segunda-feira (13/04), o jornalista do SBT José Augusto Nascimento, 57 anos, morreu contaminado pelo coronavírus. Estimou-se que dos 75 profissionais que trabalham na empresa, 35 estivessem infectados. A sede da emissora, no bairro de São Cristóvão, está em condições precárias e propícias à propagação do vírus. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (Sindijor)  entrou ainda com ações junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT) contra o  sistema SBT, que mantém seus trabalhadores em ambiente totalmente insalubre, a fim de  interditar o prédio e transferir a redação para outro local.

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, afirma que as empresas jornalísticas  estão se aproveitando do momento para reduzir os direitos dos trabalhadores. A Fenaj se posiciona contra as medidas promovidas pelo governo de redução salarial.

“Em países como Portugal e Argentina, por exemplo, os governos estão preservando os empregos assumindo parte de despesas dos salários dos trabalhadores. Estamos orientando os sindicatos para que os profissionais não assinem negociações individuais. O patrão chega com a proposta, na maioria das vezes, o empregado é obrigado a aceitar. Acionem o sindicato quando houver proposta de redução salarial”, diz ela.

Segundo Maria José, em Minas Gerais, no jornal O Tempo, e no Ceará, no jornal O Povo, já houve demissões em massa. No jornal cearense, os desligamentos chegam a 90 profissionais e não estão recebendo verbas rescisórias.

A presidente da Fenaj acrescenta que o ideal é que os profissionais sejam colocados em home office. Em redações de rádio e TV, parte da equipe pode fazer trabalho remoto, outra parte não. De qualquer forma, segundo ela, o jornalista está sobrecarregado, em função da pandemia. “A carga e horários de trabalho aumentaram, por isso não faz sentido se falar em redução salarial”, ressalta ela.

A entidade exige que os empregadores adotem medidas necessárias para garantir as condições de segurança para os jornalistas. As redações devem manter uma distância segura entre os profissionais; as empresas devem oferecer equipamentos, como dois microfones para as equipes de reportagem, insumos como álcool em gel, luvas e máscaras. “Esperamos que essas medidas estejam sendo cumpridas”, enfatiza.

Maria José  destacou que o trabalho do jornalista é essencial neste momento: “Ele está cumprindo a tarefa de informar e educar a população. Garantir a informação verdadeira,apurada de fonte segura, para fazer o contraponto ao que circula nas redes sociais. O jornalista surge como fundamental para que a população possa ser informada e alertada das mentiras que desinformam a população”.

A dirigente  lembra que o Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho, da Universidade de São Paulo (USP), lançou estudo para avaliar o impacto do coronavírus no trabalho da categoria. O questionário da pesquisa está no site da Escola de Comunicação e Artes, da USP, e seu resultado será divulgado para sindicatos e associações para elaboração de políticas públicas. A Fenaj  acredita que o estudo vai dar um panorama mais preciso, com dados mais seguros, sobre a realidade.

Cobertura de coletiva no Planalto (Imagem: Metrópoles)

Denúncias e orientações no Rio de Janeiro

A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Carmen Pereira,  já tem um retorno sobre a situação de profissionais que trabalham internamente, nas redações, ou externamente, na rua, e freelancers que estão solicitando orientações do sindicato. Segundo ela, após terem seus salários e outros benefícios cortados pelas empresas, vários jornalistas têm procurado o sindicato por e-mail sindicato-rio@jornalistas.org.br e pelo celular (21) 99278-2137 (whatsApp).

Carmen observa que “de maneira geral, as empresas fazem propaganda de que jornalismo é atividade essencial, mas tratam seus trabalhadores como se ainda fossem senhores escravocratas”. O jornal O Dia, por exemplo, na edição de 03 de abril divulgou que “o número total de usuários do portal mais do que dobrou em relação ao período anterior”. O jornal reconheceu que “os jornalistas estão trabalhando arduamente para manter a população bem informada nesse período tão delicado de nosso país. Mas a presidente do sindicato destaca que O Dia é uma das empresas que informou aos trabalhadores, em  30 de março,  que iria reduzir saláriosdo mês de março, depois de terem trabalhado todo o período. Além disso, cortou vale alimentação e vale transporte, sem levar em consideração que a MP 936 diz explicitamente que não pode haver corte de benefícios.

Logo que o Estado do Rio entrou em quarentena, o sindicato enviou uma lista de orientações sobre como proteger a segurança e a saúde dos profissionais frente à Covid-19, tanto para os jornalistas como para as empresas. A maioria das empresas não deu retorno. As que deram, afirmaram que estavam cumprindo as determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS), sem especificar quais delas.

As orientações transmitidas pelo sindicato são de afastar imediatamente os profissionais que integram grupos de risco, os responsáveis por crianças, e os idosos, passando a trabalhar em home office ou, simplesmente, liberá-los, mantendo a remuneração. Para os que permanecem nas redações e nas ruas, as orientações são fornecer  EPI (máscaras, luvas, álcool em gel e toalhas de papel).  Além disso, orienta-se que seja  suspenso o ponto biométrico e providenciada a higienização permanente de equipamentos, viaturas e prédios.

O sindicato enviou ofício para as empresas jornalísticas assim que começaram as denúncias sobre a grave situação do SBT. Mais recentemente enviou ofício também aos sindicatos patronais de radiodifusão e mídia impressa, cobrando a adoção imediata de medidas de proteção à saúde dos profissionais de comunicação.

Também recorreu ao MPT  contra o jornal O Dia, por reduzir salários antes mesmo da vigência da MP 936 e por não  pagar os vales de alimentação e transportes,  apesar de descontar a parte dos  trabalhadores. O Dia retrocedeu e pagou os vales, alegando queos valores foram  descontados indevidamente do salário de março, e que  serão ressarcidos posteriormente.

O sindicato ainda não tem números oficiais da quantidade de jornalistas contaminados pelo coronavírus. Especula-se, no entanto,  que sejam mais de 70 no município do Rio.  “Solicitamos aos sindicatos patronais que nos enviem uma relação dos afastados por coronavírus. O sindicato entende que jornalismo é atividade essencial. Isso significa respeitar as normas de proteção já elencadas acima e dar todo apoio (financeiro, assistencial e psicológico) aos vitimados. Ao mesmo tempo, as empresas devem custear os testes e contraprovas, já que a saúde e a segurança dos jornalistas no exercício profissional é responsabilidade das empresas”, afirma Carmen.

O sindicato está realizando enquete sobre as condições de trabalho dos profissionais de imprensa, sobre  quem está em home office e quem continua nas redações. O jornalista pode acessar o link e responder a enquete.

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1613305718818243&id=179955152153314

Em São Paulo, sindicato rejeita propostas dos sindicatos patronais

Na capital do estado de São Paulo, jornalistas de jornais e revistas rejeitaram, em reunião virtual realizada nesta quarta-feira (15), a proposta patronal de firmar um aditivo à Convenção Coletiva em vigor que permita às empresas aplicar as medidas das MPs 927 e 936. Cerca de 350 jornalistas participaram das quatro assembleias e rejeitaram o aditivo proposto pelo Sindicato Patronal. A proposta patronal ainda inclui suspensão da multa por atraso no pagamento dos salários e o valor pago a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR).

A categoria aprovou uma contraproposta para que as empresas que quiserem adotar mecanismos previstos nas MPs 927 e 936 procurem o Sindicato dos Jornalistas para abrir negociação sindical com possibilidade de Acordo Coletivo.

A contraproposta dos jornalistas prevê ainda que estas empresas devem apresentar minuta de Acordo Coletivo com todas as especificações, incluindo a lista de trabalhadores atingidos e seus contatos, com impedimento de dispensa sem justa causa durante o prazo de vigência do aditivo e prorrogação da atual Convenção Coletiva para 31 de agosto de 2020.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), Paulo Zocchi, também orienta os profissionais a entrar em contato com o sindicato imediatamente caso seu empregador apresente proposta de acordo individual.

Jornalistas em tempos de coronavírus

O jornalista Randolpho de Souza, editor da área de seguros do jornal “Monitor Mercantil”, está trabalhando em casa há um mês, assim como toda a equipe do jornal. Com 57 anos de profissão, e passagem pelos mais importantes veículos de comunicação do país, o jornalista relata que esta é uma experiência inusitada. Ele compara a forma de trabalhar remotamente com a transição da máquina de escrever para o computador, sendo que, no contexto atual, a situação tenha sido muito mais traumática. Randolfo conta que não houve, até então, proposta nem rumores de redução salarial na empresa, e lamentou profundamente a perda recente  de um companheiro do jornal, vítima fatal do coronavírus.

“O jornalismo impresso permite que façamos o trabalho online. Todos os dias temos reuniões de pauta através de uma plataforma na internet, por volta da 18 horas, e conversamos sobre as principais notícias e fatos do dia. O trabalho mais difícil tem sido a reportagem, já que as redes de comunicação estão extremamente ocupadas. Mantemos dois grupos de trabalho no whatsapp, um de edição e outro de redação, trocando experiências o tempo todo pelo celular. Esse é um horizonte totalmente novo, mas estamos conseguindo cumprir os prazos. Estamos desenvolvendo novas habilidades, como a de falar com o dedo”, relata Randolpho.

Repórter Vicente Nunes (Imagem: Reprodução)

Vicente Nunes, editor executivo do Correio Braziliense, em Brasília, está trabalhando na redação somente com os subeditores, diagramadores e equipe de arte. Os demais profissionais estão em home office. A empresa está trabalhando nesse formato desde que foi decretado isolamento social no Distrito Federal, há cerca de um mês, antes mesmo da exigência do fechamento dos estabelecimentos de comércio. Para segurança da equipe da redação do jornal, a configuração do espaço físico foi modificada, com distanciamento seguro entre os trabalhadores.  Estão todos de máscaras, utilizando álcool em gel, material fornecido pela empresa. As reuniões de pauta são realizadas por whatsapp e nenhum repórter está sendo enviado para coletivas. Vicente conta que isso limita o trabalho do repórter de obter o maior quantidade de informações, já que é mais difícil apurar sem a proximidade das fontes.

“Estamos vivendo uma experiência desafiadora. Sabemos da gravidade do momento, todos têm medo. É preciso entender as limitações das pessoas, muitas têm dificuldades para lidar com essa situação. Procuramos conciliar tudo, de forma a atender às demandas dos profissionais sem deixar de entregar um bom jornal aos leitores. Lembrando que nosso trabalho é de 24 horas por dia. Não é só o impresso. Temos site, tevê, rádio. Enfim, informação em tempo real. Temos dias menos difíceis, dias mais difíceis. Mas isso é jornalismo. O que torna o trabalho mais fácil nesses tempos de pandemia é que temos uma equipe comprometida com a boa informação, fundamental nesses tempos de fake news”, ressalta o editor executivo do Correio Braziliense.

Pandemia muda rotina do jornalista

Fábio Judice (Imagem: TV Globo)

O repórter Fábio Judice, da TV Globo, que continua indo às ruas, relata que a pandemia mudou completamente o seu trabalho. “Estamos vivendo um momento único na história da humanidade. Nós jornalistas tivemos que mudar nossa forma de trabalhar. Eu sou um comentarista de cultura e tenho feito matérias sobre tudo o que está acontecendo em relação ao covid-19. Nosso equipamento mudou, nossa abordagem mudou e até mesmo nossos cuidados. Posso dizer que é mesmo uma nova forma de trabalhar diante dessa realidade”.

Fábio conta que os profissionais receberam recomendações sobre como manusear o equipamento e como abordar as pessoas. Todo aparato é esterilizado, com álcool em gel, além de produtos de limpeza para cada entrevistado. Temos também que respeitar a distância de um metro e meio a dois metros do entrevistado. Além disso, o entrevistado tem um microfone e nós temos outro. A relação com a equipe também funciona da mesma forma, com distanciamento. “Temos álcool em gel e mascaras no carro para usarmos o tempo todo e todos os dias recebemos um kit com máscaras. O cuidado da empresa é total. Todos os colaboradores que fazem parte do grupo de risco estão trabalhando em suas casas. Os que apresentam sintomas parecidos com os da covid-19 ficam em casa até um parecer médico. É um momento único em nossas vidas. Como profissionais de imprensa, nos desafiamos diariamente para elucidar e informar sobre prevenção e cuidados. Como pessoa, acho que, mesmo com toda a tristeza e sacrifício, é um momento muito possível de a gente melhorar o nosso planeta”.

Entrevistada pelo site da ABI, a médica infectologista Tânia Vergara, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, informa como os profissionais de imprensa devem fazer seu trabalho da maneira mais segura:

“Todos os profissionais devem evitar, ao máximo, contatos pessoais. Os jornalistas, que trabalham com equipamentos de proteção mínimos, devem fazer o máximo possível de apuração e entrevistas por ferramentas como skype, whatsApp, Facebook, entre outras redes sociais. Quando não tem jeito e tem que estar no estúdio, manter um afastamento de um metro e meio até um metro e 80. Nesse afastamento não precisa usar máscara. Se ficarem mais próximos, recomendamos o uso da máscara. Os estúdios, sempre que possível, devem ficar com janelas abertas, pelo menos entre os intervalos das gravações, para entrar ar. Microfone e tudo o que tiver que ser compartilhado, devem ser esterilizados com álcool 70%”.