Ibase comemora três décadas de fundação


11/08/2011


O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas(Ibase) está completando 30 anos. Para celebrar a data a entidade fundada pelo sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, em 1981, está promovendo o evento Ibase 30, cuja abertura foi realizada no último dia 9, no Caixa Cultural Almirante Barroso, no Centro do Rio. As atividades comemorativas incluem a exposição fotográfica “Betinho e o Ibase”, um ciclo de conferências sobre cidadania e suas vertentes, e uma mostra de filmes com temática política.
 
O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva abriu os festejos pelos 30 anos do Ibase com a conferência Cidadania e Política, na noite do dia 9, em solenidade fechada para convidados. Lula aplaudiu o Ibase pelas iniciativas direcionadas ao fortalecimento da cidadania no País e sublinhou a luta de Betinho contra a fome e a miséria:
—Eu sabia que a fome era um problema social que tinha que ser transformada num problema político. E ai foi importante o papel do Betinho, que conseguiu nacionalizar um problema dos anônimos desse País. Fizemos várias reuniões com o Ibase para organizar o Fórum Social Mundial.
 
Após a conferência, Lula visitou a exposição “Betinho e o Ibase”, que está aberta ao público até o dia 18 de setembro.
 
Presente à cerimônia, o Presidente dos Correios, Wagner Pinheiro, homenageou a trajetória do Ibase com o lançamento de um carimbo comemorativo com a imagem de Betinho.
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Segundo o Diretor-geral do Ibase, o sociólogo Cândido Grzybowski, a organização completa 30 anos de fundação com o desafio de lutar contra a exclusão social de cerca de 16 milhões de brasileiros:
—Quem são essas pessoas? Qual é a sua voz, a sua identidade, onde estão e quais são as faces da exclusão e da pobreza extrema do Brasil? Cabe a nós trazer isto para o debate público. A aposta na democracia é um processo no qual o conflito é construtivo. Há muito a se fazer pois a desigualdade é extrema, 1% do País controla a metade do território. Isso é escandaloso.
 
Desigualdade
 
A militância social de Betinho teve início na adolescência, na Ação Católica, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi um dos fundadores da Ação Popular(AP), organização formada por um grupo católico pró-socialismo. Formou-se em Sociologia em 1962, e participou do movimento pelas reformas de base no Governo João Goulart.

No período da dtadura, Betinho permaneceu exilado no Chile, Canadá e México a partir de 1971. Retornou ao Brasil em 1979, e dois anos depois fundou o Ibase, junto com os companheiros de exílio Carlos Afonso e Marcos Arruda.

Nos anos 1980, Betinho foi o articulador da Campanha Nacional pela Reforma Agrária. Em 1986, após receber o diagnóstico de portador do vírus HIV, Betinho ajudou a fundar a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).
Na década de 1990, o sociólogo tornou-se símbolo de cidadania no Brasil ao liderar a Campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Em 1992, integrou o Movimento pela Ética na Política, determinante para a concretização do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello. O movimento serviu de base para a mobilização da campanha contra a fome.

Hemofílico, Betinho morreu em decorrência da aids em 9 de agosto de 1997, deixando um legado de solidariedade e luta pela democracia.

 
O Ibase foi fundado com o propósito de lutar pela democracia e a cidadania ativa. As iniciativas são regidas pelos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, participação, diversidade e justiça socioambiental em âmbito global, como o Fórum Social Mundial, do qual o Ibase foi um dos criadores, a campanha Pacto pela Cidadania – Favela é Cidade, e o desenvolvimento do Alternex, primeiro provedor de internet no Brasil.
 
O Ibase se organiza atualmente em quatro núcleos programáticos responsáveis pela gestão direta dos seguintes projetos: Cidades e Territórios; Democratização do Estado e da Economia; Diálogo dos Povos e Alternativas Democráticas à Globalização; e Emancipação Social e Políticas Públicas. As linhas de trabalho são: Alternativas ao Desenvolvimento e Criação de Novos Paradigmas; Combate ao Racismo e ao Patriarcalismo; Direitos Humanos; Estratégias de Comunicação; Estratégias de Gestão e Sustentabilidade Política e Financeira; e Fórum Social Mundial.
 
 
Veja a programação completa do Ibase 30:
 
Dia 11/08
Tema: Cidadania e Meio Ambiente
Carlos Minc, Secretário do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro
Tião Santos, Presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho.
 
Dia 16/08
 
Tema: Cidadania e Cultura Digital
Ivana Bentes, Diretora da Escola de Comunicação da UFRJ
Pedro Markun, consultor, integrante da Transparência Hacker.
 
Dia 18/8
 
Tema: Cidadania e Desabilidades
Jurandir Freire Costa, psicanalista
Izabel Maior, ex-Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
 
Dia 22/8
 
Tema: Cidadania e história
José Murilo de Carvalho, Professor emérito do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ).
Mônica Francisco, líder comunitária do morro do Borel
 
Dia 24/08
 
Tema: Cidadania e Juventude
Regina Novaes, antropóloga
ReFem, rapper, cineasta e ativista
 
Dia 30/08
Tema: Cidadania e Questão racial
Liv Sovik, Professora da Escola de Comunicação da UFRJ
Leci Brandão, sambista e Deputada estadual em São Paulo (PCdoB)
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Dia 1º/09
 
Tema: Cidadania e Fome
Lena Lavinas, especialista em Políticas Sociais na Organização Internacional do Trabalho(OIT)
Francisco Menezes, Diretor do Ibase
 
Dia 06/09
Tema: Cidadania e Território
Maria Alice Rezende de Carvalho, Professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio
Itamar Silva, Coordenador do Ibase
 
Dia 8/9
Tema: Cidadania e Direitos
Maria do Rosário, Ministra dos Direitos Humanos
Cândido Grzybowski, Diretor-geral do Ibase
 
 
Mostra Cinema é Política
 
Sala Margot da Caixa Cultural Almirante Barroso
1ª sessão às 16h
2ª sessão às 18h
 
12/08
 
“Três irmãos de sangue”
 
13/08
”Migrantes”
“Garapa”
14/08
 
“Sonho para Rose”
“Terra para Rose”
 
19/08
 
“Vocação de Poder”
 
20/08
 
“Onde a coruja dorme”
”Panorama arte na periferia”
 
21/08
 
“Acorda, Raimundo… Acorda!”
”O Dia da Cura”
”Super Betinho”
”Três Irmãos de Sangue”
 
26/08
 
“Garapa”
 
27/08
 
“Lixo Extraordinário”, com debate com os catadores de Jardim Gramacho
“Sobreviventes”
 
28/08
”Tecido Memória”
“Cabra marcado para morrer”
 
Os eventos têm entrada franca. As senhas são distribuídas na bilheteria duas horas antes de cada conferência e de cada filme. A Caixa Cultural fica na Av. Almirante Barroso, 25, no Centro do Rio.
 
 
Em artigo especial Cândido Grzybowski fala sobre os 30 anos do Ibase e os desafios para os próximos anos.
 
“O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase, neste 2011, completa 30 anos. Curta história em termos de sociedade, mas muito para a geração que fundou o Ibase.
 
O Ibase foi imaginado no exílio por Betinho e companheiros e fundado após a Anistia. Na verdade, ele é uma entre tantas organizações de cidadania ativa que se gestaram na luta contra a ditadura e pela democratização. São, por isso, um pedacinho da história recente do Brasil.
 
O Ibase é sonho e projeto compartilhado por muitos desde o nascimento, no começo dos 80 do século passado. A fundação de tais organizações pelos anistiados, que então voltavam ao Brasil, marcou uma mudança de estratégia deles na luta pelo grande sonho de igualdade e justiça social – um dos grandes princípios éticos mobilizadores dos últimos três séculos – deixando de lado a ideia de conquista do Estado e apostando na construção de uma sociedade civil democrática entre nós. Significava, por isto, a sintonia fina dos exilados com o que se passava no interior do Brasil.
 
No final dos anos 70 e início dos anos 80 se gestou uma grande revolução democrática no Brasil – ou alguém duvida que tenha sido? – com a emergência de novos sujeitos políticos, da entranha da própria sociedade, demandando direitos, justiça e participação, além da Anistia e do fim da ditadura. A ditadura acabou e temos bases democráticas para a disputa, ainda frustrantes em muitos aspectos.
Mas quanta coisa mudou, além de nosso próprio sonho e horizonte!
 
A opção pela democracia está no DNA do Ibase, como de todas as organizações coirmãs. Não vou lembrar aqui as memoráveis jornadas democráticas, das Diretas Já até hoje, que contaram com a contribuição estratégica destas pequenas organizações. Afinal, elas não prestam serviços, não dão assistência aos desvalidos no sentido tradicional, não são organizações de consultoria, nem acadêmicas, não pertencem a partidos, não são estatais, muito menos privadas, não visam lucro, não são religiosas. São simplesmente organizações de cidadania ativa. Defendem causas de cidadania com argumentos éticos e fundamentados, sua legitimidade. São organizações onde a razão de ser não é um interesse privado ou de um grupo, mas a causa da cidadania e da democracia, do local ao mundial, inspirando-se nos grandes princípios e valores da igualdade, liberdade, diversidade, solidariedade e participação, fundantes da própria democracia como Betinho escreveu tantas vezes.
 
Vale a pena se debruçar na intrigante questão sobre o que significam organizações de cidadania ativa, como o Ibase, para a sociedade brasileira e mundial hoje. Uma tal reflexão é oportuna nos 30 anos do Ibase, pois se refere a muitas organizações, muitos gestores de políticas governamentais, legisladores, juízes, empresas.
 
Para começar, é fundamental estabelecer que a condição de existência de organizações de cidadania ativa é a total autonomia, tanto em relação ao Estado, como a empresas, a partidos e a igrejas, em relação a este ou aquele sujeito coletivo, por mais forte que seja.
 
Aliás, uma opção preferencial de tais organizações são os excluídos e os sem identidade e voz, bem como o combate ao machismo, ao racismo e à homofobia. Elas se definem e buscam ser simplesmente organizações cidadãs. Tais organizações funcionam como pequenas pulgas, quase invisíveis, pois seu papel fundamental é incomodar e fazer as coisas andarem, como a mordida de pulga, apesar de sua pequenez, incomodar e fazer até um elefante se coçar. Por não agir em benefício próprio, seja de uma facção ou igreja, seja de um grupo social, mas pelo interesse público e comum da cidadania, são organizações que em rede cumprem um fundamental papel de vigilância e radicalização da democracia. Sua referência são direitos e não privilégios, espaço e bem público e não o interesse privado individual ou de um grupo social, democratização – no sentido de gestão por todos do bem comum – e não a estatização ou a privatização.
 
No Brasil dos últimos anos, criou-se uma criminalização genérica das ONGs. São ONGs tanto entidades fantasmas de mulher de prefeito, entidades de deputados para manter cativas suas bases sociais e muitas organizações oportunistas criadas unicamente para acesso a recursos públicos (na falta de regulamentação adequada, este conjunto cresceu exponencialmente nos últimos anos), como organizações de cidadania ativa que nada tem a ver com isto, pelo contrário, estão na frente da luta contra este tipo de práticas.
 
Uma tal generalização acabou pondo em questão organizações de cidadania ativa voltadas à promoção dos direitos e da cidadania, à radicalização da democracia, de denúncia da globalização conduzida por grandes corporações e clamando por “outros mundos possíveis”, de pressão política para mudar de rumo diante da eminência da destruição ambiental, ela como nova forma de injustiça social e, mais, de destruição da natureza e da própria vida.
 
Segundo dados do IBGE, seriam mais de 350 mil organizações, considerando todos os tipos de organizações não lucrativas. Aí dentro, organizações de cidadania ativa não chegam a 1 mil (menos de 0,35% do total), onde umas 350 são formalmente membros da ABONG – Associação Brasileira de ONGs.
 
O momento é de pausa, reflexão e revisão de rumos futuros. É o que o Ibase propõe com o Mês Ibase 30 Anos. Avaliemos juntos se uma organização como o Ibase, que se constituiu em nodo de extensa rede, do local ao mundial, irradiando para fora questões de cidadania e democracia do Brasil e trazendo para dentro questões da cidadania planetária para a sociedade civil brasileira, tem um papel estratégico diante dos desafios de hoje.
 
Afinal, nascido numa onda de cidadania, 30 anos atrás, inspirado no legado do Betinho, um de seus fundadores, o Ibase ainda é estrategicamente importante?
 
Para a necessária nova onda democratizadora, que ensaia emergir entre nós, com sua demanda de democracia mais radical, mais inclusiva, ao mesmo tempo que redefinindo os termos do desenvolvimento brasileiro – sem exclusão social e sem destruição ambiental –, que Ibase é necessário?”
 
 
*Com Ibase, Agência Brasil.