Hoje é Dia de Livro


11/07/2023


Por Maria Luiza Busse, diretora de Cultura da ABI

Há muitas coisas eternas, entre elas livros e seres humanos. Estão nessa linhagem ‘A queda do céu’, autobiografia do xamã David Kopenawa, e as criações dramatúrgicas do diretor e ator Zé Celso Martinez, que adaptava o livro para o palco. Impresso ou em movimento, uma visão de grande beleza da mãe natureza.

A queda do céu

O xamã Yanomami David Kopenawa narra as riquezas e as lutas dos povos da floresta contra a destruição da Amazonia, habitat natural dos povos originários do tempo que o Brasil era chamado por eles de Pindorama até a chegada dos exploradores portugueses. ‘A queda do céu é um manifesto autobiográfico, publicado pela primeira vez em francês, em 2010, pela coleção Terre Humaine, em que Kopenawa relata suas meditações xamânicas a respeito do contato predador com o homem branco, ameaça constante para seu povo desde os anos 1960. ‘A queda do céu’ foi escrito pelo etnólogo Bruce Albert a partir das histórias que ouviu do amigo com quem mantem contato por mais 40 anos.
O livro se fundamenta em três pilares: a vocação de xamã desde a primeira infância, fruto de saber cosmológico adquirido graças ao uso de potentes alucinógenos; o avanço dos brancos pela floresta e seu cortejo de epidemias, violência e destruição; e a luta do líder indígena para denunciar a destruição de seu povo. A história é recheada de visões xamânicas e meditações etnográficas sobre os brancos. A obra de Kopenawa/ Albert é considerada importante ferramenta crítica para questionar a noção de progresso e desenvolvimento defendida por aqueles que os Yanomami chamam de “povo da mercadoria”. No prefácio do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro fica o alerta de que “Chegou a hora, em suma; temos a obrigação de levar absolutamente a sério o que dizem os índios pela voz de Davi Kopenawa — os índios e todos os demais povos ‘menores’ do planeta, as minorias extranacionais que ainda resistem à total dissolução pelo liquidificador modernizante do Ocidente.”

Zé Celso buscava revolucionar o Brasil pela força do teatro
Por Mario Vitor Santos*

Contra os limites da fictícia individualidade pequeno-burguesa, a vontade do encenador submetia selvagemente o público arrebatando-o com espetáculos fascinantes.
Zé Celso Martinez Corrêa trabalhava na criação do espetáculo baseado no livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, para transcriar a mitologia yanomami no espaço do teatro Oficina. Aos 86 anos, o diretor estava absorvido pelo trabalho no apartamento no bairro do Paraíso, onde morava, quando tudo pegou fogo.

O mais universal dos artistas brasileiros montou seu terreiro teatral como um foco guerrilheiro amoroso entranhado no bairro do Bixiga, de cujo solo árido e devastado pela floresta de concreto o artista teimava em haurir sua fé cênica.

Ali onde o massacre urbano desfigurava toda referência humana, Zé Celso implantou a mais visceral usina de teatro. Um experimento de mais de seis décadas cuja forma e sentido foram mudando sempre até assumir uma feição política particular.

Como Oswald de Andrade, uma de suas referências, morador do Bixiga no final da vida, Zé Celso abriu-se para devorar todas as influências, consolidando a sua maior convicção, a de que o teatro era a maior de todas as coisas que existem, a origem e o fim de tudo, capaz de vencer as barreiras do medo, da moral, da religião, da identidade individual e do conservadorismo.

A demolição da ilusão teatral da quarta parede, a da separação entre palco e plateia, que foi o caminho do Oficina nos anos 60, virou a orientação seguida primeiro por Flavio Império e depois por Lina Bo Bardi para conceber o revolucionário teatro-passarela da rua Jaceguai.

O fim da quarta parede era apenas a expressão de uma ambição muito estética e ética maior.

Segundo esse princípio fundador, Zé Celso queria que o teatro fosse quebrando todos os limites para encarnar uma força real capaz de se fundir com tudo e se tornar ele mesmo o fundamenta da própria vida como ela é.

Queria que suas peças se transformassem em movimento, passeata, manifesto para mover uma força em que arte e vida fossem uma coisa só, para exterminar a ordem burguesa, a mentalidade passiva e conservadora.

Esse teatro ousaria sair às ruas para tomar concretamente o poder político e comandar o próprio Estado segundo novos valores, que ele denominou a tragicomédiaorgia, associando significados carnavalizados bem brasileiros à selvageria do teatro grego ancestral.

Ele invocava o poder do sacrifício presente também num cristianismo primitivo que trouxe de Araraquara onde nasceu.

Assim, Zé Celso viveu para satisfazer a ânsia de levar o coro deste seu teatro, gestado no “sertão” do Bixiga, nutrido pelo espírito do vizinho Teatro Brasileiro de Comédia e por Cacilda Becker, ao poder político real, em São Paulo, Brasília, Moscou ou Berlim.

Sua convicção era de, num transe teatral tão poderoso e idêntico aos transes e reviravoltas políticas e dramáticas que presenciamos todos os dias na história, quebrar todas as barreiras artísticas e físicas. Nesse mundo, em que tudo se funde, talvez o próprio céu em queda se fundiria à terra.

Haveria uma ciclópica recriação do universo, como a descrita pelo próprio Hesíodo na Teogonia grega. Zé Celso habitava essas dimensões e as encenava lindamente, na expressão de uma infinita vontade de poder, para a qual encontrou abrigo na obra do filósofo Friedrich Nietzsche.

Deste extraiu a ambição de destruir e fundir tudo, teatro, coro, filosofia, música, tragédia ancestral, ritual de estraçalhamento purificador convertendo fiéis e infiéis para um local além do bem e do mal, onde o poder e o capitalismo são a ascensão dos bandidos ao comando do estado.

Contra os limites da fictícia individualidade pequeno-burguesa, a vontade do encenador submetia selvagemente o público arrebatando-o com espetáculos fascinantes, excessivos, pungentes, evocativos onde tudo podia aparecer com crueza e poesia: o sacrifício, o falo, a masturbação, a tortura, a malandragem e o renascer desdobrando-se em peças que de, uma intenção inicial, se transformam em trilogias, tetralogias e sagas sempre muito brasileiras, mesmo quando baseadas em clássicos de outros tempos e culturas. Uma cornucópia.

Houve quem detestasse por julgá-las anárquicas demais, excessivas, escrachadas e irreverentes aos clássicos. Gerações, porém, se renderam à força avassaladora do xamanismo ao mesmo tempo sublime e baixo do Oficina e seu diretor. Alguns simplesmente assistiram pela primeira vez e jamais conseguiram se recuperar, arrebatados pelo gozo e mistérios tão racionais que envolvia tudo em música, consciência cênica, política e beleza.

(*) Jornalista, associado da ABI. Artigo publicado no site Brasil 247.

Lançamento -SP

Próximo sábado, dia 15 de julho, lançamento de ‘A história de Filipa de Lencastre e seu papel como agente político-cultural e membro de uma dinastia feminina’, livro da jornalista e conselheira da ABI, Leda Beck. A aristocrata inglesa Philippa of Lencastre, conhecida como Dona Filipa de Lencastre quando se tornou rainha de Portugal em 1387, foi patrona das artes e marcou as relações luso-britânicas pelas reconhecidas virtudes intelectuais citadas até mesmo por Camões e Fernando Pessoa. Às 18h, na Livraria Ponta de Lança, Vila Buarque, capital paulista, com direito a presença performática da soberana.

Inauguração-RJ

Com a receita de saúde “Mais livros, menos farmácias”, a ser seguida todos os dias, um grupo de amigas médicas, médicos, e profissionais da saúde, inauguram dia 15, próximo sábado, no bairro de Laranjeiras, a livraria Casa 11.O novo sebo concebido por 74 sócios apaixonados e conscientes da importância da leitura e do conhecimento numa sociedade que reconhecem como ‘adoecida”, já conta com cerca de 3.000 livros e continua recebendo doações. A Casa 11 fica na Rua das Laranjeiras, 371, loja 11.