Hoje é Dia de Livro


Por Maria Luiza Busse, diretora de Cultura da ABI

O mundo do avesso – Verdade e política na era digital

“Tal enunciado é fato ou ficção, original ou cópia? Quem é agente e quem é paciente, ação e reação? Tal comportamento é espontâneo ou manipulado, público ou privado? A intenção dessa pessoa é autêntica ou espúria? Em quem posso confiar?”. No mundo em que a internet é a principal arena da comunicação de massa, as perguntas são fundamentais para uma nova leitura desse sistema que funciona por dinâmicas de estabilização, crises, inversões, polarizações e novas reorganizações, demonstrando a complexidade por trás da recente digitalização da política e da verdade. Editora Ubu.

A revolução cultural nazista

Para os nazistas, a “cultura” era tradução da natureza. O sangue e a terra deveriam ser reverenciados e os seres humanos precisariam lutar, como todos os outros animais, para defender a própria sobrevivência e a do grupo. Influenciados por antigas tradições pagãs do norte da Europa e mirando a volta a uma origem idílica que seus antepassados teriam vivido, os nazistas eram assombrados pelo desaparecimento cultural e biológico desde o momento que em que os semitas se estabeleceram na Grécia e em Roma e pela expansão do judaísmo no Ocidente. A Revolução Francesa, com ideias de igualdade, fraternidade e compaixão, estranhas ao mundo da natureza, completa o retrocesso histórico. Para salvar a raça nórdico-germânica, seria necessário realizar uma completa “revolução cultural”, redescobrir o modo de ser dos antigos e fazer coincidir novamente cultura e natureza. O autor, Johann Chapoutot apresenta estudo sobre as ideias necessárias para transformação tão radical a ponto de naturalizar o extermínio de milhões de pessoas; ideias que pavimentaram os crimes nazistas e que, ainda hoje, servem a projetos de revolução conservadora e reacionária. A obra é a primeira publicação da nova editora ‘da Vinci’.

Hitler e seus comediantes na tragicomédia –  O despertar da Alemanha

Hoje, às 17h, debate sobre o livro do embaixador José Jobim, escrito e lançado nos anos 1930 e organizado pelo programa ‘Saindo do prelo’ do Instituto dos Advogados do Brasil com apoio da ABI. Será de modo virtual pelo canal TVIAB. A apresentação é de Paulo Fernando Pinheiro Machado, da Comissão de Direito Internacional. Participam da conversa sobre o nazismo Frei Beto, assessor de movimentos populares, Ricardo Lessa, jornalista, e Carmela Grüne, editora do jornal Estado de Direito, com mediação de Marcia Dinis, diretora da biblioteca IAB. A abertura está a cargo de Sydney Sanches, presidente nacional do Instituto e de Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa.

A segunda espada: uma história de maio 

Produção do austríaco Peter Handke, prêmio Nobel de Literatura de 2019, o livro é uma história de vingança contra a imprensa praticante do jornalismo sensacionalista. Narrada na primeira pessoa, o protagonista está determinado a vingar a mãe acusada em um artigo de simpatizante do nazismo. Reconhecido como um dos mais importantes escritores da língua alemã, Handke também assinou o roteiro dos filmes ‘Asas do desejo’ e ‘O medo do goleiro ante o pênalti’ do não menos famoso diretor Wim Wenders. Editora Estação Liberdade.

Uma utopia militante – três ensaios sobre o socialismo

Em comemoração aos 90 anos de nascimento do economista Paul Singer, lançamento do livro que reúne ensaios sobre a economia solidária na perspectiva do socialismo como utopia militante e como colocar em prática a concepção que deu fundamento à mobilização de milhares de cooperativas rurais e urbanas, fábricas recuperadas e iniciativas de economia popular nas últimas décadas. Singer foi homem de partido e militante histórico. Da militância no PSB histórico nos anos 40 e 50 às décadas que dedicou à construção do PT, Singer sempre defendeu que os passos dados nas lutas devem convergir para um objetivo último determinado, ou seja, a construção do socialismo. Editora UNESP.

Mães em Luta

Mulheres organizadas no Movimento Mães em Luto da Zona Leste, criado em 2016, escrevem sobre a execução de jovens por policiais na periferia de São Paulo. Os textos empreendem busca inconformada por justiça em meio a histórias, poemas e cartas que dão a dimensão testemunhal do genocídio praticado sobre os corpos negros. Na orelha, o ex-secretário de direitos humanos e membro da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro diz que o livro “reúne diversos depoimentos de mães que perderam seus filhos e deve servir para romper o silêncio e a inação dos governos diante desses crimes. São testemunhos candentes, plenos de lembrança das vidas de seus filhos, que todos os defensores da vida e da dignidade da pessoa humana nesse país têm a obrigação de ler e divulgar.” Editora Fábrica de Cânones.

Nos 25 anos da CPLP – Estudos em homenagem a José Aparecido de Oliveira e Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza

Fundada em 1996, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa formada por Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe , Timor Leste e Guiné Equatorial, foi  idealizada pelo político e intelectual mineiro José Aparecido de Oliveira .Para homenagear a iniciativa, foi lançado o livro  organizado  por Rogério Faria,  jornalista e presidente da Academia Mineira de Letras,  junto com o Embaixador Lauro Moreira, atual presidente do Observatório da Língua Portuguesa e  primeiro diplomata a exercer a função de Embaixador do Brasil na Comunidade, em Lisboa.  O objetivo principal da criação da CPLP é o fortalecimento dos vínculos entre os países que têm o Português como Língua oficial, por meio do incremento das relações políticas ou pela ampliação de programas de cooperação nos campos da educação, da cultura, da saúde, da ciência e da tecnologia. Editora Del Rey.                                                  

Faz o L

Pertinho da eleição mais importante de nossa história recente, a coluna se une à campanha Faz o L com seu livro. Tudo pela reconstrução de um país democrático e igualitário.                             

Para ler junto

Manifesto da literatura contra a mentira, o ódio e a insensibilidade

Julián Fuks

Nós, escritores e escritoras, prosadores e poetas, prolíferos e inéditos, vociferantes e mudos, vivos e mortos, nos reunimos nesta crônica para manifestar nosso repúdio ao uso indecoroso da mentira, do ódio e do obscurantismo para fins políticos devastadores. É pelo momento tão agudo na história de um país que decidimos nos unir, apesar das nossas diferenças, da vastidão que nos caracteriza. Somos infinitos e diversos, existimos em todas as épocas, escrevemos em todos os estilos, e ainda assim chegamos ao consenso de que está em andamento um processo destrutivo, disruptivo até o limite, e que toda palavra que possa detê-lo deve ser empregada com urgência.

Somos afeitos a invenções, fantasias, fabulações, acreditamos na potência da imaginação e em sua cuidadosa conversão em obra concreta, concebida nas mentes e forjada pelas mãos. Mas não podemos tolerar a escandalosa manipulação, não podemos aceitar que a mentira se faça instrumento de um programa retrógrado, intolerante, violento, em tudo contrário à sensibilidade e à sensatez.

A mentira é inimiga da literatura, é inimiga da cultura e do pensamento. Vai corroendo toda percepção legítima e todo discernimento, vai abatendo a razão até que só restem ideias confusas e equívocas. Cabe à literatura, nesses momentos, contrariar seu gosto pela fantasia e se aferrar a uma noção mais imediata de verdade, marcando posição contra a falácia, o engodo, as falsidades míticas.

Ecoamos aqui a voz do companheiro Julio Cortázar: “os acontecimentos desta realidade que nos assola (será realidade este pesadelo irreal, esta dança de idiotas à beira do abismo?) obrigam a suspender os jogos, e sobretudo os jogos de palavras.” Diante desse pesadelo irreal que se disfarçou de realidade, cabe à literatura contrariar a corrosão de sentidos e nomear com precisão máxima, voltar a afirmar o que se turva entre mentiras ruidosas. Dizer ainda uma vez, e suplicar para que enfim se ouça, que estamos no limiar entre a barbárie e a civilidade, entre a inclemência e a sensibilidade social, entre o arbítrio e a liberdade, entre a brutalidade e um mínimo de paz.

Estamos entre o horror e qualquer possibilidade de lirismo, e também por isso nos manifestamos. Porque estamos fartos desse assédio constante do presente calamitoso, estamos fartos da gravidade do real que não nos permite afastar o olhar nem por um átimo. E porque não há ficção possível a criar quando nos chega a notícia de um menino que ligou para a polícia por estar sofrendo um ataque virulento da fome. E não há metáfora possível a idear quando circula por ruas periféricas um caminhão carregado de ossos, sob os olhos ávidos daqueles a quem tudo falta. É indigente a literatura diante dessa realidade desastrosa e miserável, e não a aceitamos. E sobretudo não aceitamos, não podemos mais aceitar, essa realidade em si mesma, a sobrevida da fome, da indigência, da miséria, do desastre.

Sabemos que “para o impasse da poesia e do homem não há soluções definitivas”, como bem observa Ferreira Gullar aqui ao nosso lado.

E, no entanto, se escrevemos este manifesto a mãos infinitas é porque acreditamos na possibilidade de um diálogo, de um entendimento entre vozes díspares, do estabelecimento de alguns princípios elementares, indubitáveis — justamente os que agora estão sob ameaça. Acreditamos na possibilidade de um coletivo vasto e inclusivo, aberto a novas mãos e novas vozes, contrário à segregação persecutória que tem se visto em tantos lugares. Acreditamos na possibilidade de um nós, mesmo que fictício, mesmo que utópico, este nós que convoca a todos na esperança de se fazer real e majoritário num futuro muito próximo.

Para cantar junto

 

Composição nova para o Brasil Feliz de Novo, de Robinho Dantas.