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Entrevista – Moacir Japiassu


14/02/2006


Crítica e divertimento na base do trabalho 

Solange Noronha
11/11/2005

Já são oito os livros de Moacir Japiassu, que não esconde um carinho especial pelos romances. Estes, segundo o crítico literário Rogério Pereira, do jornal especializado Rascunho, de Curitiba, desenvolvem-se em vários núcleos de tensão, com as histórias se afunilando ao final — ou seja, não dá para definir suas tramas em poucas palavras. Uma coisa, porém, é certa: não lhes falta boa dose de humor, ingrediente básico da receita de vida desse jornalista que já criou prêmios para celebrar os colegas, mas também aponta os erros que cometem na sua coluna Jornal da ImprenÇa — sempre, faz questão de frisar, com o objetivo de criticar e divertir.

ABI OnlineVocê é paraibano de João Pessoa. Saiu de lá com quantos anos?
Moacir Japiassu — Minha identificação com o Nordeste é tão grande, as raízes são tão profundas que costumo me apresentar como “sertanejo de João Pessoa”. Saí de lá em dezembro de 1956, com 14 anos de idade.

ABI OnlineConte um pouquinho da sua história pessoal, da sua família.
Japiassu — Sou filho do funcionário público Severino Lins Falcão, a quem  dediquei meu romance “Concerto para paixão e desatino”, e da dona de casa Neusa Japiassu Lins Falcão. Tenho dois irmãos, o jornalista, poeta e publicitário Celso Japiassu, três anos mais velho, e Bill Falcão, jornalista em Belo Horizonte. Alguns anos depois, a família ganhou mais três jornalistas: minha mulher, Marcia Lobo, nosso filho, Daniel Japiassu, e a nora, Larissa Purvinis. Eu era ruivíssimo e você não imagina o que era ter cabelos bem vermelhos na Paraíba dos anos 1940. A molecada não me deixava em paz e ganhei apelidos de todo tipo: Galego, Cabelo de Fogo… Certa vez, ao descer do trem numa estação sertaneja, vi uma mendiga agarrar-se a uma criança e gritar: “Ai, minha Nossa Senhora… é o cão!” Eu tinha uns 10 anos e fiquei furioso.

ABI OnlineVocê morou e trabalhou em Minas, Rio e São Paulo. A opção de viajar foi da família ou sua?
Japiassu — No meu recém-lançado “Quando alegre partiste”, que tem por cenário o Rio de Janeiro e Belo Horizonte naqueles dias do golpe de 1964, o personagem Maurício tem trajetória parecida com a minha. O pai foi transferido para trabalhar em Montes Claros, Norte de Minas (ele era funcionário do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e carregou a família. O velho, meio acomodado, nem queria a transferência, porém a mãe, esta sim, uma sertaneja de fibra, gritou: “O quê?!?!? A gente tem uma oportunidade de ouro pra mudar de vida e você fica aí bestando?!?!” Em março de 1957 eu já estava em Belo Horizonte, morando numa pensão e estudando no Colégio Marconi.

ABI OnlineA estréia em jornal aconteceu lá.
Japiassu — Foi, em 1962, no Correio de Minas. Depois estive na Última Hora de São Paulo por alguns meses, odiei a cidade e fui me aventurar no Rio, onde vivi sete dos melhores anos de minha vida. Depois, já casado, voltei a SP para trabalhar no Jornal da Tarde, IstoÉ, Veja, e em emissoras de rádio e TV. 

ABI OnlineTem alguma história marcante do período de redação?
Japiassu — Não tenho histórias muito relevantes porque nunca fui repórter por largos períodos e somente repórteres vivem grandes aventuras. Como sempre me dediquei ao texto, logo virei redator, copidesque, essas coisas. O, digamos, grande sufoco ocorreu quando fui entrevistar o professor Celso Kelly num hotel em BH. Ele era jornalista (foi Presidente da ABI), conhecia os “companheiros” e, por precaução, ficou a ditar a entrevista, mas eu apenas anotava os dados. Quando terminamos, ele pediu: “Agora, leia tudo para eu ver se está certo…” Gelei na hora, fiquei mais branco do que sou, depois meio esverdeado, e gaguejei: “O senhor… tá… desconfiando de mim?” Ele, sorridente: “Não, quero apenas saber se você fez tudo direitinho; afinal, é muito jovem.” Eu fazia cara de indignado enquanto o fotógrafo, que ignorava a situação, insistia: “Vai, Japi, lê a entrevista pro homem! Não custa nada, pô!” Então eu me levantei e encenei a primeira grande bravata da vida: “O que o senhor está pedindo é um absurdo, não posso aceitar uma coisa dessas! Além do mais, preciso ir correndo pro jornal, pra redigir a entrevista que fecha daqui a pouco! Se sair alguma coisa errada, o senhor reclame depois com Guy de Almeida, o Diretor da Redação!” E fui saindo às pressas, com o fotógrafo atrás: “Japi, essa entrevista é pra edição de domingo; lê o texto pro professor…” A correr escada abaixo, porque o mestre poderia me pegar na porta do elevador, gritei para aquela inocência: “Cala a boca, Zé Pinto! Eu não anotei porcaria nenhuma!” A matéria saiu no domingo e o professor Celso Kelly não reclamou de nada.

ABI OnlineSente falta desse período? Acha que as redações mudaram muito com a troca da máquina de escrever pelo computador?
Japiassu — Quando as máquinas de escrever deram lugar ao computador eu não estava mais nas redações. A última foi a da revista Elle, da Editora Abril, onde trabalhei de 1988 a 1992. Depois, Marcia e eu criamos uma empresinha de assessoria de imprensa, com a esperança de ganhar algum dinheiro com nossa experiência, todavia o que ganhamos mesmo foi dor de cabeça nesta que, para mim, é a mais sacrificada e injustiçada opção profissional que um jornalista pode fazer neste País. 

ABI OnlineHoje você vive num sítio no interior de São Paulo. A motivação foi algo no gênero “eu quero uma casa no campo, com meus amigos, meus livros e nada mais”?
Japiassu — No final de 1975, o Sítio Maravalha, homenagem a um engenho paraibano do mesmo nome onde vivi um pouco da infância, era apenas um pedaço de terra nua, no município de Cunha, cidadezinha que fica a meio caminho entre Guaratinguetá e Paraty, no alto da Serra do Quebra-Cangalha. Construímos uma casa de madeira, plantamos algumas árvores e aqui passávamos os fins de semana. Em 2002, já exaustos de morar em São Paulo, nos mudamos para cá por aquele motivo, somado a outro, este muito mais importante: na “roça”, como dizem, as coisas são mais baratas e a gente ainda pode cuidar de horta e galinheiro. Fica mais difícil morrer de fome… Não pense que estou a brincar. Marcia e eu ainda não nos aposentamos, porque tivemos o azar de perder a primeira carteira profissional, e hoje vivemos da intermitente renda de freelancer. Também não temos plano de saúde. Existe, todavia, um bom lugar onde se pode cair morto, pois o cemitério de Cunha, duas vezes centenário, é bem ajeitadinho…

ABI OnlineVocê me parece muito bem adaptado às conveniências (que muitos consideram inconveniências) da internet; tem até um blog.
Japiassu — Uso tanto o computador que penso até em dedicar o próximo romance à internet… Já pensou escrever um livro que exige pesquisa histórica sem o computador? Não seria possível, pelo menos para mim, que não poderia viajar continuamente a Rio e SP para consultar velhos jornais e outros tantos alfarrábios. O computador é fundamental. Em 2002, assim que nos instalamos no sítio, retomei o romance “A santa do cabaré”, cujos primeiros capítulos tinham saído de uma mais que obsoleta máquina Hermes dos anos 30. Completei, em poucos meses e com as facilidades da internet, um trabalho que levaria anos na velha Hermes.

ABI OnlineEla também facilita seu contato com a dita “civilização”?
Japiassu — Aqui no meio do mato não se pode contar com o telefone. As linhas rurais são muito frágeis, qualquer ventania forte emudece o aparelho. Por meio de uma antena, acessamos a Internet, que também permitiu o reencontro com velhos e queridos amigos. Acho que estou viciado em computador. E esclareço que detesto jogos, brincadeiras, sites pornográficos e outras “atrações”. Meu vício é a pesquisa, que, como já disse, facilita meu trabalho como jornalista e escritor. Antes, quando vínhamos para cá nos fins de semana, andávamos muito pelas redondezas, plantávamos e colhíamos; hoje, andamos num sedentarismo que pessoas normais iriam considerar preocupante.

ABI OnlineSai muito do sítio, ao menos em época de lançamento de livro?
Japiassu — Nunca fui de viajar muito. A viagem em si, arrumação de mala, espera em aeroportos etc., isso me exaspera. Marcia adora uma viagem, porém aquietou-se; afinal, já conhece meio mundo e falta-lhe um mínimo de incentivo por parte do marido. Além do mais, não há dinheiro para isso, eis a grande verdade. Lancei livro em João Pessoa, Rio e São Paulo, porém ainda não pude lançar oficialmente “Quando alegre partiste”. Andei com alguns problemas de saúde no início do ano, um médico amigo meu recomendou repouso, nada de vagabundear por aí afora… Creio que, se for possível, teremos umas sessões de autógrafos em março. Vamos ver se dá.

ABI OnlineSão oito livros até agora. Já há outro em ebulição na cabeça?
Japiassu — Atualmente, trabalho noutro romance, cujo personagem principal é um velho jornalista carioca que vive na favela em companhia de uma faxineira do Hospital Souza Aguiar. Para mim, é inconcebível a “literatura pela literatura”, essa vertente do chamado vanguardismo. Estou convencido de que o leitor gosta de uma história bem contada, bem tramada. Esse negócio de tentar imitar Joyce não me atrai. Se você tem um enredo interessante e capacidade para desenvolvê-lo numa linguagem, digamos, castiça, você estará a fazer boa literatura e isso me basta. 

ABI OnlineVocê já passeou por diversos temas e gêneros literários: novela juvenil, contos, gastronomia, romances, biografia. Tem alguma preferência? 
Japiassu — Prefiro chamar de “causos” e não contos as historietas bastante adultas de “O sapo que engolia ilusões”. “Unidos pelo vexame”, que escrevi por encomenda, é novela juvenil, mas pelos conceitos pós-modernos pode ser chamada de romance. Gosto muito do livrinho, que teve seu momento de best-seller, o único da carreira do autor: está na 15ª edição. Agora, paixão mesmo é pelos três últimos romances. Verifiquei, com imensa alegria, que me dou bem com obras de maior fôlego e a criação de personagens se dá com relativa facilidade. Tal “descoberta” foi um verdadeiro refrigério d’alma, porque passei a maior parte de minha vida a ler e me preparar para ser escritor, ou seja, romancista. Sabe que, na juventude, o jornalismo nunca passou pela minha cabeça? Eu queria viver de direitos autorais, talvez miserável como um personagem de Gorki, todavia escritor e somente escritor. Ainda bem que o jornalismo pintou em minha vida, porque se fosse viver de direitos autorais estaria morto há muito tempo! 

ABI OnlineHá temas sérios em seus livros. Mas pelo menos o de receitas, “Danado de bom!”, parece ter sido escrito com o mesmo bom humor da sua coluna.
Japiassu — Considero o bom humor a grande virtude presente em todos os meus livros. Sou uma pessoa bem-humorada, com a dose necessária de descrença e razoável cinismo. Se há uma coisa que a vida me ensinou foi que não se deve levar a vida muito a sério. Outro grande ensinamento da experiência foi este: não se deve lavar demais o arroz da canja…

ABI OnlineAté sua coluna Jornal da ImprenÇa virou livro. Há quantos anos ela existe?
Japiassu — O Jornal da ImprenÇa, que no início intitulava-se Perdão, Leitores, estreou junto com a revista Imprensa. Na época (1987), eu trabalhava na Denison Propaganda e os dois sócios de uma pequena editora, meus amigos Paulo Markun e Dante Mattiussi, visitaram-me para pedir apoio (leia-se anúncios) para um jornal que pretendiam criar. Achei o projeto interessante, envolvi todo mundo lá na agência e os anúncios transbordaram, tanto que o jornal virou revista. Aí, Markun e Dante, talvez para me agradecer, pediram que fizesse uma coluna de crítica (bem-humorada) à imprensa. E a coisa começou. Em 98, deixei a Imprensa porque a revista, na ocasião com outro dono, insistia em não me pagar.

Em 99, a coluna abrigou-se nas páginas de uma revista criada por mim, intitulada Jornal dos Jornais, título que não pertencia a ninguém e que fora utilizado pelo Alberto Dines durante muito tempo na Folha de S. Paulo. Fiz-lhe convite para participar, mas Dines já estava envolvido com a excelente idéia do Observatório da Imprensa. Ele foi meu chefe no Jornal do Brasil, entre 1964 e 67, gosto muito dele e o respeito como um dos mais completos jornalistas do Brasil. Jornal dos Jornais não durou nem dois anos, mas recebeu o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 1999. A revista faliu porque ninguém ali tinha a menor competência para vender uma página de publicidade. Mas não a recordo amortalhada em fracasso e sim como uma excelente experiência. A coluna, já agora intitulada Jornal da ImprenÇa, renasceu e, infelizmente, entrou em recesso com o passamento de Jornal dos Jornais. Então, no final de 2002 recebi convite de Anna Catharina Siqueira, do site Comunique-se, para ali agasalhar a coluna. Isso significa que, com duas interrupções, a dita cuja prepara-se para completar 20 anos em 2007. E eu, mesmo sem plano de saúde e aposentadoria, espero estar vivo para festejar o aniversário.

ABI OnlineAlgum colega já reagiu mal a seus comentários na coluna? 
Japiassu — Ah, alguns reagem muito mal, porém algo me diz que há uma boa dose de politicagem nessa história. Como o colunista é independente, apartidário, incomoda. Bons militantes não admitem que um não-correligionário escreva o que quiser, com ironia e, às vezes, algum deboche. Prefeririam, certamente, que outra pessoa assinasse a coluna e que esta mantivesse compromisso com um partido de todos, por exemplo. Outros são leitores que ainda não foram apresentados ao bom humor. Talvez seja pelas dificuldades da vida, porém eu também carreguei minha cruz e ainda hoje, aos 63 anos de idade, não perco uma boa piada. O diabo é que a proposta da coluna sempre foi criticar e divertir, mas alguns insistem em esquecer essa obviedade. Às vezes, enchem o Blogstraquis de injúrias e calúnias; a inocente e falecida mãe do colunista padece naquele espaço democrático. A verdade é que não se pode mais brincar no país do mensalão, embora o colunista, que é brasileiro, não desista nunca!

ABI OnlineComo e quando surgiu o Janistraquis, divertidíssimo personagem? Ele foi mudando com o tempo?
Japiassu — Janistraquis nasceu no Jornal da República, aquela experiência do Mino Carta em 1979. Eu trabalhava na IstoÉ e Mino me transferiu para o jornal, para que ali eu escrevesse uma coluna “de leitura”; uma coluna sobre futebol, que sempre foi uma de minhas paixões. O jornal apresentava-se muito pesado e Mino queria criar algumas “ilhas” de lazer. Então, criei a tal coluna e também o personagem. Este, chamado Janistraquis de Azevedo Varejão, era um carregador das ruas de SP, daqueles conhecidos como “burros-sem-rabo”. E apesar da existência desvalida, torcia pelo São Paulo, clube da elite. Com uma diferença: Janistraquis não torcia propriamente pelo time e sim pelo Presidente do clube, o ex-Governador Laudo Natel, cuja foto, em tamanho natural, enfeitava sua carroça. O Jornal da República estava nos estertores, mas a coluna pegou, todos gostavam das brincadeiras e do nonsense das histórias. Janistraquis (uma corruptela de janistroques, que quer dizer joão-ninguém) entrou em recesso, andou mais tarde a escrever alguns textos sobre teatro na revista Palco & Platéia, mas ressuscitou pra valer na revista Imprensa.

                                                       Jan./1969

Em Ipanema, com Silvio Pereira Lima, um dos inspiradores de “Quando alegre partiste”

ABI Online“Quando alegre partiste — Melodrama de um delirante golpe militar” acaba de sair. É ainda mais importante não esquecer os tristes tempos da ditadura quando se completam 30 anos da morte de Vladimir  Herzog? 

Japiassu — Claro que sim. Conheci Herzog em 1974, quando fazia uns frilas para algumas revistas técnicas do Grupo Visão e ele comandava uma editoria da revista Visão. Era homem reservado, sério, muito respeitado pelos pares. É necessário que, todos os anos, o reverenciemos na data de sua morte; a ditadura não pode ser esquecida por ninguém, principalmente pelos jornalistas. 

ABI OnlineVocê criou alguns prêmios de jornalismo. Acha que eles são importantes para os profissionais? Existem em número suficiente no País — quer dizer, aqui o trabalho do jornalista é valorizado?
Japiassu — Criei dois prêmios jornalísticos, o Líbero Badaró para a revista Imprensa, e o Cláudio Abramo para Jornal dos Jornais. É muito importante que um repórter se lembre de que pode ganhar troféus e dinheiro com uma boa reportagem. Assim, acaba-se a história de que o jornal de hoje só serve para embrulhar peixe na feira de amanhã. O repórter, sempre desvalorizado dentro da própria empresa, precisa de estímulos desse tipo. Hoje em dia, se você perguntar às pessoas quem são os grandes repórteres do Brasil, só aparecem as estrelas da Rede Globo. É provável que alguns nem saibam escrever, como testemunhei nos meus tempos de editor-chefe do “Fantástico”, em que se faziam grandes reportagens sob a direção do José-Itamar de Freitas. O público acha que jornalistas de verdade são os colunistas dos grandes jornais. É por essas e outras que, quando aparece um repórter e produz “aquela” matéria, merece toda distinção. 

ABI OnlineE o jornalismo online? Só agora começam a existir prêmios voltados também para essa modalidade. Acha que um dos receios dos organizadores das premiações é a facilidade de plágio no veículo?
Japiassu — O fantasma do plágio sempre esteve presente, até muito antes dos computadores nas redações. Não é uma questão tecnológica, mas de caráter. Não posso contar detalhes aqui, porém sabe-se que, ainda nos anos 70, uma reportagem de jornal foi desclassificada de um famoso prêmio jornalístico porque um dos julgadores conhecia o livro do qual o repórter copiou grande parte. Não chegou a ser um escândalo, porque acharam melhor manter a coisa em silêncio. Fiquei sabendo porque um amigo meu fazia parte da Comissão Julgadora e me contou. Eu até conhecia o repórter. Portanto, a internet apenas emprestou a gazua eletrônica que hoje facilita o assalto ao talento alheio. Porém, se o júri de qualquer prêmio desconfiar do texto, basta recorrer a um buscador e digitar as palavras que o “original” deverá aparecer, não é mesmo? Se é fácil fraudar, também não é tão difícil descobrir a fraude.

ABI OnlineComo você vê a velha polêmica da exigência ou não do diploma?
Japiassu — Eu mesmo não sou diplomado. Em nada. Em 1962, pensei em fazer cursinho, ocorreu-me ser um cientista político como Fernando Henrique, mas apareceu a oportunidade de emprego no Correio de Minas e virei repórter. Acho, todavia, que um curso de Jornalismo seja importante para os jovens candidatos a um emprego. Afinal, o estudo é vital num país de analfabetos como o nosso. Agora, daí a transformar o curso em algo obrigatório para o exercício da profissão vai uma distância enorme. As empresas não vão contratar uma pessoa despreparada só porque se formou em Jornalismo; se não puderem contar com o talento puro e simples, por que fariam concessão à incompetência diplomada?

ABI OnlineE o ensino nas faculdades de Jornalismo? Como analisa sua situação atual? Não é na faculdade que alguém vai aprender a escrever bem, mas será que é só isso?

Japiassu — Em síntese, é isso; o candidato a jornalista faz o curso, adquire noções básicas da profissão e o resto é por conta dele. Ora, como escrever bem, como desenvolver a técnica sem ter lido coisa alguma? Poucos, pouquíssimos, lêem neste País, a começar pelo Presidente da República. Nos últimos 20 anos, em minhas palestras pelo Brasil afora, tenho encontrado platéias enormes de estudantes de Jornalismo que não leram coisa alguma. Nunca abriram um livro! Não ouviram falar de Eça nem de Machado. Como alguém pode ser bom jornalista, como escrever bem com esse nível de ignorância?!?!?!

ABI OnlineVocê tem tido mais material para a sua coluna com a queda do nível do ensino em geral no País e a extinção de alguns profissionais na cadeia entre a criação e a impressão da matéria (redatores, revisores…)?
Japiassu — Os colaboradores da coluna triplicaram, em relação aos tempos da mídia impressa. Mas acontece que meu trabalho, de crítica e divertimento, acentuo e repito, não fica atento apenas ao erro de cada um; às vezes, recebo dezenas de mensagens das quais não é possível aproveitar nenhuma. Muitos colaboradores não pegaram o “espírito” da coluna, que não existe só para vigiar o texto dos outros. 

Certa vez, ainda no tempo de Imprensa, recebi carta do dono de um jornal do interior; dentro do envelope havia recortes do jornal dele, com muitas bobagens assinaladas. O cidadão, que ficou meu amigo, escreveu: “Por favor, meta o pau na gente; é para a meninada ficar esperta e parar de escrever besteira…” 

O colunista também admite que comete erros, alguns até graves, mas sempre luta para evitá-los. Lembro que o título da coluna é Jornal da ImprenÇa e refere-se, principalmente, ao analfabetismo do próprio colunista… 

ABI OnlineQual a sua relação com a ABI?
Japiassu — Sou grande admirador da entidade. Quando Maurício Azêdo assumiu, tive vontade de me associar. Nós nos conhecemos lá da tribuna da imprensa do Maracanã; nunca trabalhamos juntos, infelizmente. Azêdo é um torcedor singular, apaixonado, disposto a tudo pelo Flamengo. Às vezes, sentávamos juntos, ele, o botafoguense Cláudio Mello e Souza e este humilde vascaíno. Ali perto, ao lado de Armando Nogueira, Nélson Rodrigues recolhia material para suas colunas, pois um campo de futebol fornece inspiração não apenas às matérias esportivas, porém à própria vida como ela é. Conheço a biografia de Maurício Azêdo, sou seu admirador. E se você nunca escutou o homem num discurso inflamado, não sabe o que está perdendo. Orador brilhante!