Entrevista – Cícero Sandroni


19/03/2008


Duas paixões à prova do tempo

Vagner Ricardo
20/03/2008
 

O jornalismo e a literatura são duas paixões à prova do tempo para Cícero Sandroni, atual Presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL). Estagiário sem salário no início da carreira na Tribuna da Imprensa dirigida pelo polêmico Carlos Lacerda em 1955, passou para o Correio da Manhã na seqüência e retornou às redações dos dois jornais mais tarde: no primeiro, já sob a batuta de Hélio Fernandes; no segundo, como titular da coluna política “Quatro cantos”, com a qual conquistou admiradores e adversários nos anos de chumbo, com sua pena firme contra o regime militar.

A intimidade com as “pretinhas” (como se dizia nos tempos da máquina de escrever) e o curso de Ciências Sociais — além de Jornalismo na PUC, Sandroni cursou a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) — obrigaram o jornalista “refugiar-se” nas redações para discutir os grandes problemas nacionais:
— Eu tinha a certeza de que, para compreender os problemas, não havia melhor alternativa que essa. E isso de certa forma ocorreu porque eu encontrei nos jornais as pessoas que tinham uma visão muito profunda do País — explica ele.

O curioso é que transformar essa busca em carreira foi uma escolha pragmática: Sandroni abraçou a carreira porque precisava de um salário justo para poder casar. Mas isso já é outra história. Hoje, enquanto se encarrega de cuidar da administração da ABL (“mais uma vez sem salário”, brinca), ele mantém os olhos voltados para o jornalismo, atividade a que pretende voltar depois do término de sua gestão na Academia, “se houver convites”. Autor de oito livros, o ex-colunista político faz planos também de escrever novas obras.

ABI OnlineComo tudo começou?
Cícero Sandroni — Como todo foca em minha época, o início ocorreu sem salário e foi na Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda. Na época, havia lá grandes nomes, como Newton Carlos, Wilson Vianna, Hermano Alves, gente que teve papel no crescimento da imprensa brasileira. Mais tarde, trabalhei com o José Guimarães, que fez o primeiro suplemento cultural da imprensa brasileira, e com profissionais como Luiz Alberto Bahia, Antonio Callado e José Konder, na minha primeira passagem pelo Correio da Manhã. No Globo, tive o prazer de trabalhar com Alves Pinheiro, grande chefe de Reportagem. Lá fiz cobertura do Itamaraty e matérias no exterior e tornei-me repórter político até 61, quando fui para Brasília.

ABI OnlineSua temporada em Brasília foi também bem dinâmica. 
Sandroni — Lá eu trabalhei com o Prefeito Paulo de Tarso dos Santos, que tinha também a Fundação Cultura de Brasília, onde atuava o Ferreira Gullar. Depois do Governo Jânio, fui para O Cruzeiro e, em 65, voltei ao Correio de Manhã, onde estreei a coluna “Quatro cantos”, de oposição ao regime militar. Quando o jornal foi vendido, eu deixei. Depois do A-5, acabou o jornalismo político no Brasil. Então, mudei-me para a Bloch Editores, onde fui redator-chefe da revista Tendência. Mais tarde, já no Jornal do Brasil, fui editor de um suplemento de livros e cronista, antes de assumir o “Informe JB”, no lugar de Elio Gaspari. Na campanha das Diretas Já, passei para a Útima Hora, para assinar a coluna “Ponto de vista”, em prol das eleições. Também fiz o semanário O País e muito freelance. Por fim, tive duas passagens no Jornal do Commercio. Na primeira, na gestão de Nilo Dante, em 95 e 96. Depois voltei em 2001, para ser Diretor-adjunto, e sai em 2003, para escrever o livro sobre o próprio jornal.

ABI OnlineO que o fez querer ser jornalista? 

Sandroni — O salário. Fiz Jornalismo na PUC e cursei também a Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas). Mas queria casar e precisava de um salário. Meu primeiro emprego foi no Correio da Manhã. Eu era um leitor ávido de jornais, incluindo não só matutinos, mas também os vespertinos. E tinha um grande desejo de conhecer bem os problemas brasileiros. Era para isso que eu fazia o Ebape, um curso de Ciências Sociais voltado para os problemas brasileiros.

ABI OnlineE como as redações se envolvem nisso? 
Sandroni — Eu tinha a certeza de que, para compreender os problemas brasileiros, não havia melhor alternativa que as redações de jornais. E isso de certa forma ocorreu porque encontrei nas redações de jornais as pessoas que tinham uma visão muito profunda do País. Não quer dizer que hoje elas não existam, mas naquela época as chamada “enciclopédias ambulantes” eram mais numerosas, como Jayme Magrassi de Sá. O jornalismo oferece isso ao homem. Há um ditado francês que diz que o jornalismo leva a tudo, mas você tem de sair dele. Mas isso, na verdade, não funciona comigo, que me sinto jornalista mesmo como Presidente da ABL. E espero, assim que deixar essa cadeira, voltar ao jornalismo, se o jornalismo me quiser.

ABI OnlineEm pouco tempo de carreira, o senhor concorda que conviveu com extremos na carreira, de liberdade de expressão à censura?
Sandroni — Comecei no jornalismo na época de euforia de Juscelino Kubitschek. Em 1960, era repórter de fato e, naquele momento, havia uma completa e absoluta liberdade de imprensa no Brasil. Você tinha uma percepção de desenvolvimento da imprensa muito grande. Tínhamos contato com correspondentes estrangeiros. Tanto que, nessa época, ocorreu a criação do clube de correspondentes estrangeiros e um intenso intercâmbio de idéias de jornalistas brasileiros e estrangeiros, salvo aqueles do Leste Europeu. O jornalismo passava por um momento de profissionalização que não tinha nos anos anteriores. A geração que fez o Diário Carioca, o Jornal do Brasil, O Globo e o Correio da Manhã nos anos 50 e 60 era a primeira que tinha emprego público e trabalhava em jornais para ganhar um dinheiro extra. 

ABI OnlineO senhor concorda que o jornalismo dos anos 50 era gueto de partidos políticos?
Sandroni — Não concordo com a palavra “gueto”. Havia jornais com posições definidas, mas não partidárias. Eram posições políticas definidas.

ABI OnlineO jornalismo mudou?
Sandroni — Mudaram as pessoas, só isso. Quer dizer, o jornalismo, desde o começo, mudou um pouco o estilo. Como diz o Millôr Fernandez sobre sexo, desde o pecado original só mudou de original o estilo de cada um. 

ABI OnlineMas o senhor concorda que aumentou o nível da profissionalização?
Sandroni — Sim, o jornalismo tornou-se mais profissional. Hoje são raros os jornalistas que têm outra profissão, como ocorria antigamente. Os veículos precisam informar bem seu público e, para isso, precisam também da dedicação integral de seus profissionais. Dessa forma, se não for uma empresa forte, não oferecerá bom jornalismo. 

 ABI OnlineE sua chegada à Academia Brasileira de Letras? Como ocorreu?
Sandroni — Estou na Academia mais pela bondade dos acadêmicos que me elegeram. Com o tempo, fui indicado para a Tesouraria, trabalhei na Secretaria-geral e agora estou na Presidência. Mas vale lembrar que esses cargos de Diretoria na ABL são funções de trabalho voluntário. Não recebemos por isso. É um trabalho fascinante, um desafio diário, e também um grande prazer e um grande júbilo, ao terminar o dia, ver que cumpri com o meu dever. Sem contar que é uma honra que jamais imaginei, a de substituir personalidades tão brilhantes como os últimos presidentes da ABL, notadamente o Ministro Marcos Vinicios Vilaça, a quem servi como Secretário-geral. 

ABI OnlineO senhor tem dito que 2008 é um ano de efemérides.
Sandroni — Sim, e a mais importante é lembrar o centenário de morte de Machado de Assis, o primeiro Presidente da ABL e um de seus fundadores. Esse centenário será comemorado com uma série de eventos, como conferências, seminários e concertos de músicas dos tempos machadianos. Vamos repetir o Clube Beethoven, que reunia escritores e jornalistas. Além disso, estamos publicando vários livros que têm relação com o autor, como um Dicionário Machado de Assis, a cargo de Ubiratan Machado; a reunião da correspondência de Machado, sob orientação do acadêmico Sergio Paulo Rouanet; e uma obra dedicada ao léxico, o “Índice vocabular de Machado de Assis”. 

ABI OnlineE os outros eventos importantes de 2008 na ABL?
Sandroni — Lembramos os 400 anos de nascimento do Padre Antônio Vieira, um dos consolidadores do português escrito no Brasil e em Portugal; teremos quatro conferências sobre a chegada da Família Real ao País e também concertos de música da época do Padre José Maurício Nunes Garcia, grande compositor do século XIX. Temos o centenário de Guimarães Rosa. E vamos recordar os cem anos de morte de Artur Azevedo com algumas leituras dramáticas. Não esqueçamos os cem anos de nascimento de Otávio Faria e os 120 de Álvaro Moreira. A Academia é hoje um centro de produção de saber e cultura: realiza eventos, edita livros e está na internet, com transmissão dos eventos online. 

ABI Online A ABL fará uma solenidade pelo centenário da ABI também.
Sandroni — Vamos comemorar os cem anos da ABI com mesa-redonda aqui na ABL. O evento ocorrerá no Salão Nobre da Academia, às 17h30 do dia 3 de abril, e contará com a participação de jornalistas e acadêmicos. Instituição importantíssima, a ABI é e sempre será aquilo que os jornalistas fizerem dela. Ela será tão melhor quanto mais jornalistas participarem dela. A Associação cresce e se fortalece se tem o apoio dos profissionais de todo o Brasil. 

ABI OnlineO senhor tem oito livros publicados, entre romances, como “O peixe de Amarna”, um perfil de Carlos Heitor Cony e a história do Jornal do Commercio, o mais recente. Há planos de escrever outros livros sobre periódicos nacionais?
Sandroni — Trabalhei no Jornal do Commercio e comecei a estudar sua história por acaso — na época estava envolvido com um verbete para o Dicionário Histórico-Bibliográfico de 1930 aos dias atuais, solicitado pela Fundação Getúlio Vargas. Mas, ao dar início às pesquisas, apaixonei-me pela história do jornal e formei um grupo, com três auxiliares, para me aprofundar mais. O livro saiu no ano passado e, a partir dele, tenho projetos de escrever outros dois. Um é uma leitura do Jornal do Commercio sob o comando de Santiago Dantas, ou seja, entre 1957 e 1959, quando ele vendeu o jornal. O foco da pesquisa são os editoriais que ele escreveu naquela época e a idéia é relacioná-los e perfilar o pensamento do autor, que tinha uma visão muito clara sobre os problemas brasileiros e suas soluções — que não teve tempo de pôr em prática devido a um câncer devastador.

ABI Online E o segundo livro?
Sandroni — O outro projeto é uma biografia de José Carlos Rodrigues, que comprou o Jornal de Commercio em 1890, depois da Proclamação da República. O antecessor de Rodrigues era monarquista e o jornal passava por uma fase difícil, quando Rodrigues era seu colaborador, em Londres. Em 25 anos, ele transformou radicalmente a publicação. Mas eu precisaria de 24 horas a mais por dia para terminar meus projetos literários. Outro, de ficção, é uma novela chamada “Morrer em Casablanca”, que tem como subtítulo “A história do homem que nasceu no dia em que o Brasil perdeu a Copa” (a de 50). E há o livro “Batman não foi a Búzios”. Se eu tiver tempo e saúde para terminar isso, lanço no meu tempo de vida.

ABI OnlineA ABI é também sinônimo de Barbosa Lima Sobrinho, com quem o senhor teve um contato muito intenso.
Sandroni — O primeiro foi quando ele completou 80 anos. Fui encarregado pela Status para fazer um perfil do Doutor Barbosa em 1977. Já o conhecia, mas pouco. A Status era da Editora Três e tentava concorrer com as revistas masculinas que, comparadas ao que se faz hoje, seriam publicações para adolescentes. Quando um neto dele questionou-o sobre o fato de falar para uma revista em que apareciam mulheres em trajes sumários, Barbosa respondeu que a qualquer veículo que lhe fizesse um pedido de entrevista ele concedia, porque tinha uma mensagem a transmitir. A partir daí, ele me convidou para o Conselho da ABI, onde fiquei por quase 30 anos, sempre próximo dele. Depois, integrei a Diretoria, fui Secretário-geral e Presidente do Conselho da Associação, após sua morte.

Tive no Doutor Barbosa um mestre, uma pessoa com quem a conversa era sempre proveitosa. Ele tinha uma incrível capacidade de ouvir e também de convencer os que discordavam dele sem se exaltar. Sempre dizia ser nacionalista, sem ser xenófobo. Se os capitais estrangeiros vierem para ajudar a economia nacional, ajudar os brasileiros, não tenho nada contra, dizia. Mas se for capital gafalhoto, disposto apenas a pegar juros e depois ir embora… Tenho grande honra de ocupar a cadeira que um dia foi dele na ABL. Quando ele faleceu, alguns acadêmicos sugeriram que eu me candidatasse, mas eu sempre disse que não tinha a estatura intelectual para substituí-lo. Tanto que, quando o Doutor Raimundo Faoro, se candidatou, achei uma excelente solução.

E foi de lá da ABI que surgiu o documento pedindo a cassação do Presidente Collor, processo de que participei de uma forma quase irrelevante, mas até o fim.