Cena cultural do Brasil perde a veterana Barbara Heliodora


Por Cláudia Souza*

12/04/2015


Barbara Heliodora (Foto: Gustavo Miranda Agência O Globo)

Barbara Heliodora (Foto: Gustavo Miranda/Agência O Globo)

 

O corpo da crítica teatral foi cremado na tarde deste sábado, 11, no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, Zona Norte do Rio de Janeiro. Barbara estava internada desde o dia 23 de março, no Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio.

Considerada a maior autoridade no Brasil na obra do poeta, dramaturgo e ator inglês William Shakespeare, Barbara Heliodora morreu aos 91 anos, às 5h da manhã do último dia 10. Ela deixa três filhas, de dois casamentos.

Nascida no Rio de Janeiro em 29 de agosto de 1923, Heliodora Carneiro de Mendonça ganhou o primeiro nome pelo qual ficou conhecida após ser batizada. Filha de Marcos Carneiro de Mendonça, historiador e goleiro-galã do primeiro time do Fluminense e da seleção brasileira, e da poeta Anna Amélia de Queiroz, herdou do pai a paixão pelo futebol e pelo time das Laranjeiras, e da mãe o amor por Shakespeare — foi ela que, lhe deu, quando tinha 12 anos, uma edição completas das obras do bardo, em inglês.

Em 1948, Barbara  interpretou o papel da Rainha Gertrudes, em “Hamlet”, mas foi substituída por Cacilda Becker, ao saber que estava grávida da filha Patrícia. Dez anos mais tarde, Barbara voltou a atuar em peças do Teatro Tablado, dirigido por Maria Clara Machado

Aplaudida como uma das mais respeitadas pesquisadoras do teatro brasileiro, Barbara  iniciou a carreira profissional como crítica de teatro em 1958, no jornal “Tribuna da Imprensa”. No ano seguinte já assinava uma coluna especializada em artes cênicas no “Jornal do Brasil”, onde análises passaram a  influenciar na cena teatral carioca e a modernizar a crítica especializada.

Integrante e uma das líderes do Círculo Independente de Críticos Teatrais, Barbara atuou como crítica até 1964, quando se afastou do “Jornal do Brasil” para assumir a direção do Serviço Nacional de Teatro (SNT), cargo que exerceu até 1967.

Entre os anos 1960 e 1985, lecionou  no Conservatório Nacional de Teatro, e no Centro de Letras e Artes da UniRio, a cadeira de História do Teatro, entre outras disciplinas. Nos anos 1970, teve seus primeiros livros publicados entre os quais “Algumas reflexões sobre o teatro brasileiro” (1972). Em 1975, como acadêmica da USP, defendeu a tese de doutorado “A expressão dramática do homem político em Shakespeare.”

Reconhecimento

Ao aprofundar seus estudos sobre Shakespeare, Barbara se tornou referência internacional sobre o mais importante autor da dramaturgia universal, tendo representado o país em eventos internacionais e publicado ensaios em publicações conceituadas, como o Shakespeare Survey, na Inglaterra. O repertório intelectual acumulado sobre o autor a transformou, pouco a pouco, numa das principais tradutoras da obra de Shakespeare, tendo assinado a versão brasileira para clássicos como “A comédia dos erros”, “Sonho de uma noite de verão”, “O mercador de Veneza”, “Noite de Reis”, “Romeu e Julieta”, “César e Cleópatra” e “Rei Lear”.

As conferências sobre o assunto foram reunidas no livro “Falando de Shakespeare”(1997). Em 2000, a convite da Academia Brasileira de Letras(ABL), Barbara escreveu “Martins Pena, uma introdução”, sobre um dos pais da dramaturgia brasileira. Em 2004, publicou a coletânea de ensaios “Reflexões Shakespearianas”. Traduziu obras teóricas sobre a história do teatro, como “O teatro do absurdo”, “A anatomia do drama” e “Brecht: dos males omenor”, todos de Martin Esslin, além de “Shakespeare”, de Germaine Greer.

Barbara voltou a escrever crítica teatral em 1986, na revista“Visão”, e logo depois no jornal “O Globo”, para o qual trabalhou até janeiro de 2014,quando anunciou a sua aposentadoria e foi substituída pelo colega de profissão Macksen Luiz.

Continuou a receber em casa alunos de seu grupo de estudo sobre Shakespeare e a escrever e a publicar livros. Em 2013, lançou “A história do teatro no Rio de Janeiro” e “Caminhos do teatro ocidental”; em 2014, publicou “Shakespeare: o que as peças contam — Tudo o que você precisa saber para descobrir e amar a obra do maior dramaturgo de todos os tempos”.

Como diretora teatral, Barbara assinou montagens como “Comédia de todo mundo”, de Eudnyr Fraga. Em 1999, assinou o texto e a direção do espetáculo “Um homem chamado Shakespeare”, e  dirigiu “A Rússia de Tchekov”.

*Com EBC e O Globo