Ascensão da extrema-direita aumenta ataques à imprensa


30/11/2020


Clarissa Oliveira, da TV BandNews, foi agredida por uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (Correio Braziliense)

Ascensão da extrema-direita aumenta agressões a jornalistas

Por Moêma Coelho, membro da Comissão Inclusão Social, Mulher & Diversidade

Agressões a jornalistas sempre aconteceram, mas o crescimento dos movimentos e partidos de extrema-direita como atores políticos importantes neste século 21 gerou um aumento nos ataques a jornalistas em todo o mundo, especialmente em coberturas de pautas políticas. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), nos últimos seis anos foram 215 situações registradas em 65 países, em que repórteres foram atacados ao cobrir manifestações. Apenas no 1º trimestre de 2020, foram 21, o que representa mais da metade do total registrado em 2019 e “claramente indicam uma tendência crescente nos ataques contra jornalistas enquanto cobrem protestos”.

“Centenas de jornalistas pelo mundo tentando cobrir protestos têm sido assediados, espancados, intimidados, presos, sequestrados, colocados sob vigilância e tiveram seus equipamentos danificados. Outros foram mantidos sem possibilidade de se comunicar, foram humilhados, sufocados e atingidos com munição (letal e não letal)”, diz documento divulgado em setembro pela Unesco, que lembra que desde 2015 pelo menos 15 jornalistas ficaram gravemente feridos ao reportar manifestações e 10 foram mortos.

As agressões mais severas partem de agentes de segurança, mas manifestantes também atacam jornalistas –em parte incitados por discursos políticos que apresentam a imprensa como “inimiga da sociedade”.

De acordo com a Unesco, entre 2018 e 2019, 156 profissionais foram mortos em todo o mundo e que na última década, em média, um jornalista foi assassinado a cada quatro dias. Em 2019 foram 57 assassinatos, sendo que o maior número de mortes aconteceu na região da América Latina e Caribe, que registrou 40% do total de assassinatos de jornalistas em todo o mundo, seguido de Ásia e Pacífico, com 26% das mortes.

A situação é tão grave que as Nações Unidas decidiram marcar a data de 2 de novembro como o Dia Internacional sobre o Fim da Impunidade para Crimes contra Jornalistas, já que dos 1,2 mil jornalistas assassinados entre 2006 e 2019, em 88% dos casos os crimes ficaram impunes.

Além de mortes, os jornalistas sofreram outras violações, como ataques físicos, sequestros, desaparecimento forçado, prisão e tortura. Na internet, o assédio e outros atos prejudiciais são cada vez mais prevalentes e particularmente graves para as jornalistas. Pelas estatísticas da Unesco, a Síria é o país mais perigoso para jornalistas, seguida pelo México e Afeganistão. As regiões dos Estados Árabes, América Latina e Caribe e Ásia e Pacífico respondem por mais de 75% dos assassinatos.

O Brasil

Com a ascensão da extrema-direita ao poder no Brasil a partir da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, os ataques a jornalistas cresceram, já que ele elegeu os profissionais de imprensa, especialmente as jornalistas, como um de seus alvos preferenciais, estimulando os seus partidários a adotarem a mesma postura beligerante.

“O principal agressor de jornalistas no país é próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, que agride verbalmente os jornalistas e a imprensa, incentivando seus apoiadores a fazerem o mesmo”, afirma a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga.

Levantamento da Fenaj mostra que de janeiro a setembro Bolsonaro fez 299 declarações ofensivas ao jornalismo, incluindo postagens em redes sociais, lives, entrevistas e declarações oficiais, o que corresponde a média de 33 ataques mensais. Do total de 299 declarações ofensivas, 259 foram classificadas como descredibilização da imprensa, quando o presidente investe contra o jornalismo em geral ou contra um veículo específico; 38 foram “ataque a jornalista”, quando Bolsonaro se dirige diretamente a algum profissional da mídia; e dois casos como “ataque a organização sindical”, quando o presidente investiu contra a Fenaj.

“Bolsonaro ataca jornalistas e a imprensa e incentiva seus apoiadores a fazerem o mesmo como tática de desinformação. Cada vez que há uma notícia apontando problemas do governo ou trazendo à tona irregularidades cometidas por seus familiares, ele lança mão da máquina da mentira e do ódio”, afirmou Maria José Braga, em postagem no site da Fenaj.

Bolsonaro também aproveitou o tradicional discurso do governo brasileiro na abertura anual da Assembleia das Nações Unidas para atacar o jornalismo com mentiras, ao responsabilizar os jornalistas do Brasil e do mundo pelas consequências da pandemia da Covid-19. “Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema ‘fique em casa’ e ‘a economia a gente vê depois’, quase trouxeram o caos social ao país”, disse.

Em julho deste ano, o presidente brasileiro foi denunciado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por seus ataques contra mulheres jornalistas. No total, foram relatados 54 casos de ofensivas do governo contra as profissionais.

O comportamento agressivo do presidente da República contra os jornalistas é replicado por seus seguidores, como é o caso recente da jornalista Maria Teresa Cruz, colaboradora e ex-editora da Ponte Jornalismo, por uma publicação em apoio à revolta contra a rede de supermercados Carrefour. A primeira a instigar seus seguidores a perseguir a repórter é uma pessoa de nome Cláudia que usa o perfil @draclaudiabr. Ela chamou Teresa e outra pessoa que também apoiou os protestos de “lixos humanos”. A partir de Cláudia, a publicação ganhou espaço na rede de bolsonaristas, como Otávio Fakhouri, Leandro Ruschel e Rodrigo Constantino, sendo que os dois primeiros são investigados no Supremo Tribunal Federal por suposta ligação com financiamento de fake news.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), outra integrante da rede de defensores do bolsonarismo, publicou em suas redes sociais que protocolou na Procuradoria-Geral da República uma representação contra a publicação da jornalista. Ela instigou seus seguidores a comentarem na publicação caso concordassem com sua atitude.

Um perfil, de nome Fascisto Cloroquino, ameaçou Teresa usando como referência a morte do jornalista Tim Lopes, sequestrado e assassinado no Rio de Janeiro em 2002. Tim foi torturado e queimado vivo. “Pessoas como você são as que morrem no morro do baiano, dentro de um pneu de caminhão, jornalistinha de Leblon [bairro na zona sul do Rio]”, escreveu o perfil @william95410506.

Preocupada em deter a escalada de violência contra jornalistas e às ameaças à liberdade de imprensa e de expressão, a diretoria da ABI está analisando os seis projetos em tramitação no Congresso Nacional que defendem o enfrentamento a agressões contra a imprensa. Em 20 de novembro último, o presidente Paulo Jeronimo e os diretores Cid Benjamin e Marcus Miranda reuniram-se virtualmente com o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT/PE) para conhecer melhor o projeto de lei de sua autoria, que propõe alterar o Código Penal para tipificar crimes cometidos contra profissionais da imprensa no exercício da profissão. O PL 2896/20 também inclui constrangimento e pede aumento de pena nos casos de lesão corporal e homicídio. A ABI entende que a proposta do deputado Gadêlha se aproxima bastante das necessidades de segurança jurídica dos jornalistas no exercício da profissão e da defesa da democracia, pois o constrangimento do profissional de imprensa cerceia o direito da sociedade à informação.