Após quase uma década, acusados da morte do cinegrafista Santiago Andrade são julgados no Rio


12/12/2023


Com informações do G1

Após quase uma década, a Justiça do Rio de Janeiro começou, nesta terça-feira (12), o julgamento por júri popular dos acusados de participação na morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão durante a cobertura de uma manifestação em 2014.

Os réus Fabio Raposo Barbosa e Caio Silva de Souza respondem pelos crimes de homicídio doloso qualificado e explosão. Se forem condenados, eles podem receber uma pena de até 30 anos de prisão.

O julgamento estava previsto para ocorrer em 2019, mas foi suspenso após um habeas corpus ter sido concedido à defesa de Caio.

Fábio Raposo Barbosa, um dos homens que estão no júri popular dos réus acusados de matar o cinegrafista Santiago Andrade, afirmou nesta terça-feira (12) que encontrou um rojão no chão e o entregou para o outro acusado, Caio Silva de Souza. Santiago foi atingido pelo artefato durante um protesto no Centro do Rio em 2014.

Fábio e Caio são réus por homicídio doloso qualificado por emprego de explosivo. A pena prevista é de 12 a 30 anos de prisão.

Após quatro horas de júri, Fábio foi o primeiro acusado a prestar depoimento. Segundo o depoente, ele achou o artefato no chão de forma aleatória.

Pouco tempo depois, ainda segundo ele, Caio se aproximou dele e pediu insistentemente que ele lhe desse o explosivo. Na sequência, Caio teria acionado o rojão que acertou o cinegrafista, segundo a versão de Fábio.

Sobre o movimento que aderiu à tática dos Black Blocs, Fábio negou fazer parte do grupo e disse ser mentira que tivesse símbolos do movimento na casa dele. A afirmação foi feita pelo delegado Maurício Luciano, responsável pela investigação em 2014.

Diferente do depoimento dado na delegacia na época, Fábio negou que tivesse visto o exato momento que o rojão acertou Santiago Andrade. Ele relatou que chegou na Praça Duque de Caxias, no Centro do Rio, por volta das 18h30 daquele dia 6 de fevereiro.

“Na praça, eu encontrei um objeto preto no chão e veio uma outra pessoa. Ele me pediu e eu entreguei o artefato. Essa outra pessoa foi para distante. E eu não me recordo de fato de como foi ou o que aconteceu”, disse Fábio.

“Eu não vi exatamente o que ele fez com o rojão. Eu estava há poucos metros. Escutei sim (ao ser perguntado sobre a explosão). Só não sei o que de fato o Caio fez. Eu não tenho como dizer, estava com meus olhos ardidos. Eu sei que eu entreguei para outra pessoa e essa pessoa é o Caio”, pontuou.

Na chegada ao Tribunal de Justiça, a viúva de Santiago, Arlita, se emocionou.

“A emoção é muito grande, queria que o dia de hoje mudasse tudo isso porque é um sofrimento muito grande para a família toda. Nossa felicidade é que ele pôde salvar cinco pessoas através dos órgãos”, disse a viúva.”O que fizeram com ele foi uma covardia, eles queriam atingir um policial e atingiram o Santiago. Mesmo depois de cair, ele não soltou a câmera, que era companheira dele”, completa ela.

“Não dá para a gente aceitar nesses 10 anos que isso fique impune. É uma dor que a gente não consegue mensurar, que a gente consiga com a Justiça tirar esse nó da garganta. A gente quer encerrar essa página”, destaca a filha Vanessa Andrade.

“Eles são assassinos. Eles estão soltos enquanto na verdade nós é que estamos presos. Eles têm a oportunidade de refazer a vida, mas e a família? Quando vamos ter essa chance? Espero que seja amanhã”, completa Vanessa.

Para a filha, o júri, marcado após quase 10 anos de espera é fundamental para diminuir a dor da família.

“Era um homem que só estava cumprindo com seu trabalho de levar informação para a sociedade. Quem matou Santigo não pode sair impune. A minha família precisa voltar a viver, esse pesadelo precisa ter fim”, afirmou Vanessa.

A primeira testemunha do dia foi o delegado Maurício Luciano de Almeida e Silva, responsável pelas investigações na Polícia Civil.

Em seu depoimento, o delegado contou que, durante uma busca e apreensão na casa do Fábio foram encontrados desenhos e símbolos, que indicavam que o acusado seria integrante de uma suposta organização criminosa.

“Quando a gente foi fazer uma busca na casa do Fábio nós vimos escrito lá nas paredes o símbolo do Black Blocks, para corroborar a tese de que ele era integrante desse grupo. Na verdade, uma associação criminosa, porque eles estavam reunidos de forma estável e duradoura para a prática de crimes”, afirmou o delegado.

Sobre a explosão do artefato que acertou o cinegrafista Santiago, Maurício comentou que os acusados sabiam do poder de destruição daquele explosivo.

“Esse tipo de petardo já tinha sido utilizado na Central do Brasil. Um rojão de vara que tem um alto poder de explosão e inclusive é proibido (a comercialização) no Rio de Janeiro (…). Foi uma explosão de grande vulto, grande monta”, comentou.

“Quem soltou sabia do grau de destruição que poderia causar”, completou o delegado.

Em seguida, o investigador falou sobre a estratégia dos acusados para retirar a vara que acompanhava o artefato.

“Eles retiraram a vara (do artefato) para dissimulação no transporte, porque eles vinham de trem, de meio de transporte coletivo para não chamar atenção. Mesmo sem a vara, ele é projetado. Ele pode não ter uma trajetória retilínea. Sem a vara ele tem uma trajetória talvez mais curva, mas ele vai para frente com todo poder e velocidade”, acrescentou Maurício Luciano.

Ainda sobre a explosão do artefato lançado pelos acusados, o perito da Polícia Civil Eduardo Fasulo Cataldo, especialista em explosivos, afirmou que sem a vara que foi retirada o artefato não poderia ser direcionado a um alvo específico.

“Ele sem a vara assume qualquer direção. É aleatório. Na garagem (durante testes) ele fez várias piruetas porque ele encontrou um anteparo e aí assume várias direções”, explicou o especialista.

“Ele tem a queima, assume primeiro uma direção retilínea e depois cria vida própria, podemos dizer assim”, completou Eduardo.

O fotógrafo Domingos Rodrigues Peixoto, que registrou o momento em que Santiago foi atingido, afirmou em seu depoimento que a pessoa que acendeu o explosivo não prestou socorro ao jornalista ferido.

“Quando eu levantei a câmera para fazer as imagens ele já estava correndo de costas para o artefato. Quando eu faço a sequência, o rojão sai e atinge o companheiro Santiago”, disse Domingos.

“Eu fui pra cima, eu fiz mais uma foto e aí percebi que era o companheiro Santiago. (…) As pessoas estavam gritando: ‘foi a polícia, foi a polícia’. Mas eu sabia que não tinha sido”, completou.

Agradecimento à imprensa

Antes da audiência, a família de Santiago fez um agradecimento emocionado à imprensa. Com lágrimas nos olhos, Vanessa falou especialmente com os cinegrafistas presentes, alguns colegas de trabalho de Santiago Andrade.

“Tenho muito respeito pela profissão, até porque eu sei que meu pai certamente seria um de vocês aqui. Muito obrigado a todos vocês”, comentou Vanessa.