Alexandros Evremidis – Dos editoriais para a crítica de arte


27/07/2007


Rodrigo Caixeta
27/07/07 

Alexandros Papadopoulos Evremidis. O nome, por si só, atrai a curiosidade alheia. Mas — muito mais do que isso — chama a atenção também a forma como este jornalista, de origem grega, conseguiu destaque na mídia nacional. Hoje, ele dirige o portal RioArteCultura.Com, que tem cerca de 40 mil acessos mensais, está no ar há oito anos e tem um mailing com mais de 15 mil destinatários. Além disso, acaba de lançar “Claudinha no ano da loucura”, que narra “o despertar do amor e do sexo e a tomada de consciência do mal e das dores do crescimento de uma lolita no limiar da adolescência”.

Não é a primeira vez que Alexandros mostra seu lado escritor: antes, publicou “Melissa”, em 1974, e “Adeus, Grécia”, em 1975. A crítica, segundo Carlos Heitor Cony, já o acusou de ter fixação no sexo. O grego explica por que o gênero tem destaque em suas obras:
— Basicamente, por duas razões. Uma geral, por ser o sexo uma função fundamental humana, tanto quanto animal, inclusive vegetal, que permeia e justifica nossa existência; e outra pessoal, devido ao meu histórico infanto-juvenil transcorrido em ambiente de extrema hipocrisia, radical puritanismo e violenta censura, o que, por um lado, deixou em mim profundas marcas traumáticas, e por outro, em conseqüência, me estimulou a um dia, tornado escritor, denunciar essa absurda disparidade entre a visão naturalista do sexo, como algo puro e inerente aos viventes, e a convencional, como pecado e, eventualmente, crime.

Segundo Alexandros, o longo período de gestação que marca o lançamento de “Adeus, Grécia” e de seu novo livro tem justificativa: “Claudinha no ano da loucura” gira em torno de um tema “polêmico e discutível”:
— Como a personagem central é uma pré-adolescente, o que poderia facilmente levar incautos a confundi-lo com pornografia e, in extremis, até pedofilia, houve certa resistência por parte da minha editora na época e também de outras que sondei. Seria uma empreitada arriscada, tanto por causa da censura imposta pela ditadura militar reinante, como do público leitor médio, ainda com uma visão moralista e retrógrada dos negócios humanos. Até que um editor jovem, de mentalidade já mais arejada, se animou e decidiu bancar o risco.

Alexandros concorda com a afirmação do crítico Paulo Hecker, do Zero Hora, que reconhece sua obra como um retrato sem retoques da vida e imune ao tempo.
— Escrevi e escrevo sem “pisar em ovos” ou recorrer a pudendas metáforas e alegorias. Fiz a escolha realista do teor e da linguagem do cotidiano, da rua, não importa se inculta, chula, “indecente” ou recheada de palavrões. Dou nome aos bois e chamo o pão de pão e o queijo de queijo — se está na vida, estará na literatura. Já a cronologia que seqüencia minha escrita, ao mesmo tempo em que a situa — caracterizando-a como documento histórico, depoimento de testemunha viva, de quem sentiu na carne e na alma os eventos —, também a torna imune a esse tempo.

Descoberta

O jornalista afirma que sua vida começou com a descoberta da leitura — “que é o que torna o humano humano”. Ele faz questão de destacar, “como paradigma e superação”, que, sendo de família de parcos recursos, não podia se dar ao luxo de comprar jornais. Assim, aprendeu a lê-los nos banheiros providos de pedaços deles para uso higiênico e também nas ruas, onde os catava e lia avidamente.
— Como sempre faltavam partes dos textos, eu me punha a imaginar o “faltante” para completar a matéria. Foi esse exercício diário que forjou em mim o jornalista e — depois do acesso, franqueado por um colega, aos livros e à (compulsiva) leitura de literatura — o escritor. Sendo a minha história, a da minha família, a da escola e a do ambiente em que vivi, um palco repleto de intensos dramas e paixões, foi natural que eu deles me servisse para construir a minha literatura e dizer da minha visão do mundo.

Aos 17 anos, Alexandros abandonou pátria, família e universidade para ir “em busca do mundo dos livros e da liberdade”, idéia que funcionou como sinalizador, sabedor que era ele de que “mais importava a caminhada do que a chegada”:
— A toda hora há, no dizer do poeta, uma pedra no meio do caminho — e, se a gente a chuta, machuca o pé, complemento eu. É o preço que há que se pagar. Tanto assim que, nessa minha compulsiva busca, confrontado com o que chamávamos de “sistema”, com seu conservadorismo, seus dogmas e suas convenções, sua moral hipócrita e seus preconceitos, quebrei a cara inúmeras vezes. Mas aprendi que faz parte do aprendizado cair e levantar, se fortalecer na adversidade e seguir sempre adiante.

      Alexandros e Elke

Morando e estudando em Zurique, na Suíça, Alexandros complementou na universidade a prática da leitura de jornais com a teoria e chegou a fazer um breve estágio num jornal do país. Profissionalmente, a carreira teve início no Brasil: começou como freelancer na Veja e logo depois se viu contratado pela Bloch Editores, trabalhando nas revistas Manchete, Desfile, Ele & Ela, Pais & Filhos, Fatos & Fotos e outras. A razão de sua vinda ao Brasil? O amor.
— O que o amor não faz a gente fazer! Sem a Elke Maravilha, certamente aqui eu não estaria para contar a história. Tivemos um avassalador envolvimento amoroso e, como eu vivia mais uma fase triste e infeliz, ela me convenceu que, vindo com ela para o Brasil, aqui eu seria feliz, com a alegria, a descontração, a espontaneidade, a informalidade do povo e com a ensolarada exuberância cromática destes trópicos. Não deu outra. Tudo somado e subtraído, tenho sido feliz. Devo isso a ela, melhor, ao amor.

Censura

Segundo Alexandros, a censura foi responsável por seu mergulho na arte e na literatura. Embora gostasse do trabalho campal de repórter, sentia-se mais à vontade na pele — “e mente” — de editorialista, escrevendo artigos opinativos, fosse sobre política, feminismo, revolução sexual e de costumes, contracultura, aborto, drogas e tudo o mais abominado pelos militares. E foi, de fato, o que fez por alguns anos:
— Até que começaram a aparecer na imprensa cooptada, colaboracionista da ditadura, artigos pedindo minha cabeça. Como isso não arrefecia meu ânimo, em dado momento, por um triz, quase fui levado a responder a um inquérito policial-militar. O “triz” ficou por conta de um dos diretores da editora, que apelou ao próprio Bloch, que, por sua vez, apelou aos generais. Moral: não fui preso, mas fui obrigado a domar minha inclinação contestatória. Não me dando por vencido, desisti dos artigos e parti para a literatura, que, em vista das pequenas tiragens e do pouco público leitor, era tolerada.

O amor pela arte levou o jornalista a criar o RioArteCultura.Com:
— Colorário da literatura, ela sempre pairou sobre a construção da minha existência. De orientação conceitual, nos anos 70/80, cheguei mesmo a fazer alguns happenings, performances, instalações e exposições de arte e nu artístico. Mas as várias e longas viagens de aventura e pesquisa que empreendi na seqüência, de par com meu temperamento mais teórico do que prático, levaram à solução de continuidade e naturalmente “descambei” para o jornal virtual, que acabou virando o Portal RioArteCultura.Com. Comecei escrevendo uma brevíssima coluninha sobre arte e artistas e, diante da universal receptividade, quando vi, já eram duas, três, dezenas de colunas com comentários, crônicas, críticas. Hoje, juntamente com a literatura, que nunca abandonei de todo, essa é a minha principal atividade.

Tudo que tem a ver com o Rio, a arte e a cultura — e não tem acolhida na grande imprensa — está no site de Alexandros. Sem falsa modéstia, ele atribui o sucesso de seu portal a persistência, paixão, verdade, credibilidade, competência, muito trabalho e conhecimento de causa.
— Recebo diariamente manifestações de estímulo e reconhecimento. Meus textos, além de muitíssimo elogiados, são a toda hora solicitados para serem incluídos em livros de artistas, catálogos, folders. Devo dizer também que, rigorosa e indistintamente, não deixo de dar a necessária e devida atenção a quem quer que seja — do erudito ao popular, do consagrado ao estudante (o anônimo de hoje, com uma palavra de incentivo poderá se tornar o artista completo de amanhã).

Com uma rotina de trabalho “árdua, mas confortadora e prazerosa”, ele descreve suas atividades diárias:
— Pela manhã, praia — sim, faz parte do meu trabalho; é lá que faço minha higiene mental e estudo as águas, as areias, o vôo dos pombos e da gaivotas, e reflito e escrevo mentalmente o que escreverei depois no computador. À tarde, respondo os mais de 120 e-mails diários, faço as inserções dos eventos artísticos e culturais e redijo as críticas, os comentários, as crônicas, o editorial. À noite, saio em campo, vou aos vernissages ver/avaliar de perto e ao vivo e a cores as criações dos artistas. Claro que conto com a colaboração de alguns colegas e de dois dos meus três filhos: um como webmaster, outro como correspondente em Paris.