Alexandre de Moraes critica vazamento de informações


30/10/2017


O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, afirmou em entrevista ao jornal “O Globo” neste sábado (28), que jornalista que divulga material sigiloso comete crime. O magistrado criticou os vazamentos de delações premiadas e defendeu a punição das autoridades envolvidas no ato.

Na entrevista à repórter Carolina Brígido, Moraes afirmou que, em outros países, a divulgação indevida de material secreto implicaria a anulação de todo o processo.
“Se um investigador entrega à imprensa uma investigação sigilosa…”, questionou a repórter. “Ele está praticando um crime”, afirmou Moraes. “Mas a imprensa não está praticando um crime”, rebateu Carolina. “Claro que está. Se você recebe um material sigiloso e divulga…”, defendeu o ministro.
A repórter então questionou: “mas o dever de sigilo era da fonte, não da imprensa”, ao que Moraes respondeu: “se acontece isso nos Estados Unidos, na Itália, a consequência imediata é o juiz anular tudo. Onde já se viu um procurador da República, uma autoridade, pegar algo sigiloso e passar para a imprensa?”.

Confira entrevista na íntegra

Sete meses depois de ser empossado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes reclama de vazamentos de investigações sigilosas por parte de autoridades e da falta de punição por essas práticas. Ele lembra que, em outros países, a divulgação indevida de material secreto implicaria a anulação de todo o processo.

O ministro também diz que parte da demora nas investigações da Lava-Jato não pode ser creditada ao STF, mas à falta de estrutura do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal (PF), que não estavam preparados para conduzir tantas investigações ao mesmo tempo. E defende pena de prisão para o crime organizado – sejam traficantes, sejam políticos corruptos.

O senhor defende que as delações premiadas fiquem secretas por mais tempo do que acontece hoje. O senhor acha que há divulgação excessiva desses depoimentos?

Nas delações que recebi com o pedido de cláusula de liberação, eu neguei todas. Tem que se respeitar a lei. A lei diz que é com o recebimento da denúncia (que pode divulgar). Agora, também tem que ter uma resposta dura se houver vazamento. Em nenhum lugar do mundo pode haver vazamento de delação.

A partir do momento em que o ministro relator (Edson Fachin) libera, se pode ser divulgado no site no Globo, pode ser divulgado (na Câmara). Eu inverto a pergunta também: você acha razoável que a imprensa fique divulgando delações sigilosas? Você sabe o que acontece no resto do mundo se isso acontecer? A delação é nula, o juiz anula imediatamente a delação.

Se um investigador entrega à imprensa uma investigação sigilosa…

Ele está praticando um crime.

Mas a imprensa não está praticando um crime.

Claro que está. Se você recebe um material sigiloso e divulga…

Mas o dever de sigilo era da fonte, não da imprensa.

Se acontece isso nos Estados Unidos, na Itália, a consequência imediata é o juiz anular tudo. Onde já se viu um procurador da República, uma autoridade, pegar algo sigiloso e passar para a imprensa?

O senhor acha que as investigações vazadas no Brasil também deveriam ser anuladas?

Deveria ser coibido (o vazamento). É possível descobrir quem vazou. Só não se descobre porque não se vai atrás de quem vazou. Eu diria que é fácil até.

As pessoas que vazam deveriam ser punidas?

É crime funcional, deveriam ser processadas criminalmente.

E os jornalistas?

O jornalista não vou comentar.

Nesse material da Câmara, foi divulgado inclusive o número do telefone celular do senhor. Alguém ligou para o senhor?

Não, não. Gozado. Eu estou sem moral.

Como o senhor avalia a condução da Lava-Jato pela Procuradoria-Geral da República?

Tem uma injustiça que se faz com o Supremo. Não é o Supremo quem investiga e denuncia. O procurador-geral da República fez uma série de delações, principalmente a maior, que foi com a Odebrecht: 77 delatores. E ofereceu quantas denúncias até agora? Nenhuma. O Supremo não pode atuar antes que haja denúncia. Aí se diz que o atraso é do Supremo.

O senhor acha que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República não têm elementos suficientes para conduzir algumas investigações?

Não dá para afirmar isso. A Polícia Federal tem, na cúpula, um pessoal muito bem preparado. A PGR também tem um pessoal muito bom. Mas nenhuma das duas instituições estava preparada para esse volume de casos de foro privilegiado. De repente, chega um volume muito grande, eles precisaram se reestruturar. E ainda vão precisar se reestruturar, colocar mais gente. Uma coisa é você ter 20 inquéritos correndo, outra coisa é de repente passar para 120. Isso acabou prejudicando. Só que essa demora acabou sendo repassada, principalmente pela imprensa, para o Supremo.

O senhor concorda com os métodos de investigação do Ministério Público na Lava-Jato?

Eu acho que a Lava-Jato é uma bela operação. Tanto que fui o único ministro (da Justiça) que fez questão de ir até Curitiba cumprimentar a Polícia Federal, o juiz (Sérgio) Moro, o pessoal do Ministério Público. Como toda a instituição, tem erros e acertos. Esses erros e acertos vão ser reanalisados. Da mesma forma que eles têm total autonomia e independência para atuar, o Supremo também tem total autonomia e independência para atuar e vai decidir, em última instância, se os mecanismos e fórmulas utilizadas foram corretas ou não. Isso faz parte da hierarquia judicial.

A delação da JBS foi um erro?

Nós vamos analisar brevemente. Acho que foi um acerto do Supremo em junho condicionar tanto legalidade, quanto licitude das provas ao plenário e à turma, e não só ao relator. O Supremo antecipou, de forma inteligente, teve a visão dessa necessidade.

Uma delação que foi eivada de suspeitas pela própria PGR pode ter as provas aproveitadas para fins de condenação?

Existe prova lícita e prova ilícita. Uma coisa é a delação. Delação não é prova, é um procedimento, uma forma de aquisição de prova. Outra coisa são as provas que ela vai produzir. O Supremo vai ter que analisar se é rescisão ou anulação da delação. A rescisão é por descumprimento de alguma cláusula. A anulação é por algum vício insanável na produção do negócio jurídico. A partir daí, você vai analisar as provas que sobraram. Se a prova é independente, se é lícita ou ilícita. O ministro Marco Aurélio resumiu bem isso: delação nada mais é do que um testemunho, um depoimento que depois se analisa a prova.

Existe glamurização das delações no Brasil?

Esse é outro grande problema. Hoje a pessoa faz uma delação. Eu falo que a pessoa fez isso e aquilo, sai em todos os meios de comunicação. Para todo mundo, essa pessoa é culpada, mesmo que o delator tenha mentido. Por isso, a delação só pode ser pública depois da denúncia, para evitar que o delator queira prejudicar alguém, fala um monte de coisa e não comprova nada. No Brasil, as pessoas querem mudar o nome. O delator não é colaborador. O delator é bandido, o delator é criminoso. Colaborador é testemunha. Ele só vira delator porque é criminoso e quer escapar da pena que a lei prevê. O delator não tem só que delatar, ele tem que apontar como provar aquilo. Se ele não faz isso, desmoraliza o instituto da delação e a Justiça como um todo.

O senhor conduz uma comissão na Câmara dos Deputados para pensar em novas formas de enfrentar o crime organizado. É necessário mudar a lei atual?

A lei do crime organizado é boa, mas é para combater o crime organizado de corrupção. Quantas delações premiadas prenderam chefe de tráfico de droga e de arma? Nenhuma. A lei é boa para prender a corrupção organizada na política.

Existe um vazio na legislação?

A nossa legislação é péssima para combate ao crime organizado violento. A gente utiliza os mesmos métodos de investigação, de processo e penitenciário para um furto e para um chefe de tráfico. Nós nunca aplicamos o critério que é o mais usado no mundo todo, que é a proporcionalidade: crime leve, pena leve; crime grave, pena grave e cumprimento grave. Chefe de tráfico de drogas, chefe de tráfico de armas, criminoso violento só tem um local para cumprir pena: regime diferenciado, prisão de segurança máxima. Isso é no mundo todo, não existe essa discussão, só no Brasil.

Chefes de crime organizado não deveriam ter direito a visita íntima?

Em presídio de segurança máxima? Claro que não. Ele matou, sequestrou, praticou os piores crimes e continua tendo ligação e liderança com o mundo exterior. Só quem não entende absolutamente nada de segurança acha que visita íntima é para ressocializar o chefão do crime organizado. Visita íntima é para ele continuar com contato com o mundo exterior, ficar mandando mensagem e tendo liderança. No Brasil, se glamorizou o tráfico de drogas e o chefe de organização criminosa.

O senhor disse isso recentemente em relação à novela…

 

A novela glamorizou, essa é a verdade. Colocar que é bacana o pessoal subir o morro para passar a noite inteira nos bailes funks, que os bailes são muito bacanas, as pessoas com fuzil na mão, droga à vontade, como você vai explicar? As mães perguntam: “como que nós vamos convencer o nosso filho a acordar todo dia cedo, ir para a escola, falar para ele que ele tem que estudar, trabalhar, se ele fala que o amigo passa o dia inteiro traficando, tem colar de ouro, tem tênis bacana e à noite vai no baile com as meninas?” É uma questão cultural. Ou a gente mostra que a criminalidade não é certa e a gente larga a hipocrisia, ou então a gente para de querer combater. Traficante de droga não é a pessoa boazinha da comunidade. Quem não faz o que ele quer ele manda matar. Ele é o tirano do local, ele não é a pessoa que substituiu o Estado, que dá cesta básica. Isso é glamorização do tráfico de drogas.

Para o senhor, o chefe do tráfico pode ter visita da família?

Sim, desde que seja no parlatório, como em qualquer lugar do mundo, gravado, monitorado. Lógico. Ele cometeu crimes gravíssimos contra a sociedade. Se não quiser ser gravado, se não quiser ter visita no parlatório, é muito fácil: não comete o crime.

O senhor considera que o Brasil prende muita gente?

O Brasil prende muito, mas prende mal. O Brasil prende quantitativamente, não qualitativamente. O Brasil prende desde quem pula o muro no interior e subtrai um botijão de gás, até o chefe do tráfico que manda matar gente. E, depois com um sexto (da pena cumprida), solta todo mundo. Isso é absurdo. Crime sem violência ou grave ameaça não tem que ter pena privativa de liberdade. Tem que ter pena alternativa.

Isso vale para crime de corrupção?

Não. Corrupção é crime organizado. O crime organizado, se você não prende, ele vai continuar. Não adianta, para corrupção, dar uma pena restritiva de direito. Ele vai continuar praticando a corrupção.

Há uma corrente jurídica que defende que o corrupto seja punido apenas com o confisco do dinheiro do crime e a impossibilidade de movimentação financeira, em vez de prisão. O senhor concorda com essa tese?

Esse é o melhor instrumento de combate, seja ao crime organizado violento, de tráfico de drogas, de armas e pessoas; seja para o crime organizado não violento, que é a corrupção. Você sufoca o dinheiro para acabar com a criminalidade organizada. Mas tem que prender, lógico.

Quais outros mecanismos são importantes no combate ao crime organizado violento?

Tem que ter todo um procedimento diferente, desde a investigação até a instrução processual, que tem que ser mais rápida, até a execução da pena.

Como tornar a investigação mais rápida?

Mudando prazos da lei, aproveitando a tecnologia para digitalizar provas dos crimes e fazer videoconferências, sem precisar transportar chefe de crime organizado de um lado para o outro. É preciso utilizar mecanismos, que a comissão já começou a estudar, hoje usados nos Estados Unidos e Europa não só contra o crime organizado violento, como para o terrorismo. Existem hoje métodos especiais de investigação do terrorismo. E todo o terrorismo na Europa no ano passado não matou um quarto do que o crime organizado matou no Brasil.

Hoje é uma divisão entre a Primeira e a Segunda Turma do STF, especialmente sobre temas criminais. O senhor vê problema nisso?

Na questão das prisões de condenados em segunda instância, não é justo que o instrumento mais importante do Supremo seja o computador. Se cai com um ministro, dá liminar e a pessoa é solta. Se cai para outro, não dá liminar e a pessoa fica presa. Está na hora do Supremo decidir definitivamente. O que a maioria decidir, todos seguem. Aí é justiça: casos iguais são julgados iguais. É esse o entendimento que eu acho mais correto.

Um dos processos que o senhor herdou do ministro Teori Zavascki foi o pedido de vista no processo sobre descriminalização das drogas. O senhor já tem voto preparado sobre o assunto?

Não, estou analisando ainda.

Tem previsão de quando vai liberar o voto?

Não.

O senhor tem sido cobrado por isso?

As pessoas acham que, quando você pede vista, você só tem aquilo para fazer. E outra coisa: tem momentos adequados para você devolver a vista.

O senhor acha que ainda não é o momento de se discutir a liberação de drogas no Brasil?

Acho que não é o momento, porque até agora não se discute direito. O Brasil ficou no meio do caminho. Hoje, o usuário não pode ser preso. Ele é solto imediatamente. O juiz pode obrigar que ele assista palestras e, se ele concordar, a fazer um tratamento. Se ele não fizer nada disso, não pode ser preso. Então, na verdade, para o usuário não existe mais crime. Agora, não só no Brasil, como no mundo, a droga é banhada em sangue. As pessoas se matam para vender a droga. Como você vai equacionar a discussão? Libera totalmente a compra e proíbe totalmente a venda? Como se equaliza isso? Ou se discute seriamente tudo, ou nós não vamos chegar a lugar nenhum. Daí você diz: libera, tudo bem, pode comprar o que quiser. Mas vai comprar de quem, se ninguém pode vender? A lei do mercado é da oferta e procura.

A descriminalização total das drogas seria um caminho possível no Brasil?

Isso é o objeto do voto, não posso comentar.

Nos países que já liberaram, o senhor considera a experiência válida?

Ainda é muito cedo para analisar.

Recentemente, muitas negociações políticas iniciadas no Congresso são empurradas para o STF. Isso é saudável?

Isso que a gente chama de judicialização da política não tem paralelo no mundo. Não existe porque, no mundo, o Parlamento quer resolver as suas questões eles mesmos. É até depreciativo para eles enviar suas questões para o Judiciário. Aqui, qualquer partido que perca qualquer votação, ou no meio da votação, traz para o Supremo. E depois reclama que o Supremo se mete na questão legislativa. De uns 15, 20 anos para cá, foram crescendo os temas do Supremo. Quanto maior a crise, mais coisa chega. E, com o enfraquecimento, infelizmente, do Legislativo, chegou ainda mais coisa aqui.

Por que isso acontece?

Pelo fracionamento partidário. Houve no Brasil o ápice do Legislativo, que foi com a redemocratização. O poder mais importante para a redemocratização foi o Legislativo. Daí veio a Constituinte e todas as ideias que ficaram reprimidas, o Legislativo queria fazer. Todo mundo que queria podia criar um partido, sem regra nenhuma no Congresso. Nós temos 33 partidos com representação no Congresso. Cada deputado é o seu próprio líder. Então, um deputado não concorda com o encaminhamento de uma votação, chega mandado de segurança no Supremo.

Aconteceu isso recentemente com a votação da denúncia do presidente Michel Temer…

Toda votação, não é só votação de lei. Segunda-feira entraram com mandado de segurança para pedir para o Supremo decidir se tem que fracionar ou não a denúncia. Isso enfraquece não o Supremo, mas o Congresso. Porque as grandes questões acabam sendo decididas aqui.

Antes de vir para o STF, o senhor era ministro do governo de Michel Temer. O senhor vê algum incômodo em julgar essas questões da JBS, que é uma delação que atingiu o presidente?

Nenhum.

O senhor tem contato frequente com o presidente?

Não. Já faz um bom tempo que eu não encontro o presidente. A última vez que o encontrei, foi em uma cerimônia da Aeronáutica.

O senhor disse recentemente que ministro do STF apanha mais que jogador de futebol.

Na verdade, eu não falei isso. Para variar um pouco, a imprensa deturpou. Eu fui dar uma palestra na Procuradoria-Geral do Estado do Rio e o procurador-geral lembrou uma brincadeira que o (ministro Luiz) Fux fez, que hoje os onze ministros do Supremo todo mundo sabia pelo nome; os onze jogadores de futebol, não. Aí eu falei: “E a marcação é mais cerrada, apanha mais na marcação”.

Desde que o senhor chegou ao STF, qual foi a marcação mais cerrada contra o senhor?

Perto do que eu estava acostumado, isso daqui é uma tranquilidade. Eu fui secretário de segurança, fui ministro da Justiça, fui secretário de Justiça, acumulando a presidência da Febem. Há uma tendência da imprensa de acompanhar e criticar muito mais o Executivo do que o Judiciário. Muito mais. Dos Três Poderes, o que menos é criticado, certo ou errado, é o Judiciário.

Quando o senhor sai na rua, é mais xingado ou aplaudido?

Eu nunca fui xingado na rua. Tiro selfie, as pessoas cumprimentam. Até porque, aqui em Brasília, quase não tem rua para sair. Em São Paulo, desde o tempo da Secretaria de Segurança, isso aí eu tenho uma tranquilidade total, eu não tenho o mínimo problema.

O senhor entrou recentemente no Twitter. Isso o deixou mais popular?

Eu tenho Facebook já há muito tempo. Eu tenho quase 60 mil seguidores. As pessoas reclamam que não têm contato com as autoridades. Quando as autoridades que exercem cargo público têm contato, daí as pessoas reclamam. As pessoas querem reclamar, esse é o problema.