ABI encerra ciclo de debates sobre futebol e arte


16/12/2009


Vitor Hugo Agner Pereira, Marcelo Barreto e Ruy Castro

Histórias reais, mitos, piadas, excesso de livros sobre o futebol e a biografia foram os temas mais citados na última edição do ano do ciclo de debates “Futebol Arte: A Arte do Futebol”, com o tema “Futebol e Literatura”, realizado na noite desta terça-feira,15 de dezembro, na Sala Belisário de Souza, localizada no 7º andar da sede da ABI, no Centro do Rio.

Participaram da mesa de debates o pesquisador do CNPq e coordenador do Mestrado em Literatura Comparada da UERJ, Vitor Hugo Agner Pereira; o jornalista e apresentador Marcelo Barreto, que mediou o debate; e o também jornalista e escritor Ruy Castro.

A mediação foi feita por José Rezende, membro do Conselho Deliberativo da ABI e coordenador do Centro Histórico-Esportivo da Casa, que realizou o evento juntamente com Grupo de Literatura e Memória do Futebol (MemoFut), com apoio do Sport-Laboratório de História do Esporte e do Lazer, vinculado à UFRJ, do canal Sportv e das editoras Livrosdefutebol.com e Apicuri.

Rezende agradeceu os parceiros, ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pelo total apoio e ressaltou a série como a preservação da História do esporte para que fatos e personagens não sejam esquecidos.

Antes do início dos debates, o torcedor botafoguense Adilson Taipan leu os seus poemas “O neném” e “Pau pequeno”, inspirados no livro “Um brasileiro chamado Garrincha”, de Ruy Castro, sobre a vida do jogador do Botafogo e da Seleção Brasileira, que esteve por 11 anos em disputa judicial e mesmo assim foi premiado, sendo o marco inicial das biografias dos jogadores de futebol.

Ruy Castro explicou para a platéia o motivo que o levou a escrever este livro foi o desejo de produzir uma obra sobre o alcoolismo, um alcoólatra, doença que causa muitos problemas nas pessoas:
— Imediatamente o Garrincha me veio como personagem, porque ele foi um vencedor, amado por uma nação inteira, um grande mestre. Fiz um livro sobre um ser humano, que por acaso foi um jogador de futebol.

Ruy contou também que foi alertado pelo seu editor sobre os problemas que teria com a obra:
— Quando falei para o editor sobre o livro ele me disse que eu ia ter problemas, por contar com 50% a menos no mercado, que é o mercado feminino, que não lê sobre jogador de futebol. Ele me disse também que eu ia perder com a outra metade, porque homem que gosta de ler não gosta de futebol e vice-versa. O argumento foi de que o livro era sobre uma pessoa, cuja vida uns 15% foram passados no esporte.

O professor Vitor Agner contestou a versão inicial sobre o público leitor, afirmando que há um mito sobre a pouca penetração do futebol no público feminino. Segundo ele, há teses de mestrado feitas por mulheres sobre o tema, além de poetisas, como Cecília Meireles, terem usado o esporte bretão como fonte de inspiração.

Segundo Vitor Agner, hoje já há um reconhecimento de como o futebol é importante na vida do brasileiro:
— O João Cabral de Melo Neto mesmo tem um poema sobre Ademir da Guia, que mostra o molejo, a capacidade de paralisar um adversário, com seu estilo de jogar, numa relação de corpo contra corpo.

Ruy Castro defendeu que muitos autores falam do esporte como cronistas, não como contistas. Segundo ele, crônica fala a realidade, conta os lances; conto é ficção. “É difícil fazer um filme de ficção sobre o futebol. O esporte é para documentário”, disse Ruy.

Narrações

Segundo o escritor, os narradores brasileiros, tanto no rádio como na televisão, estão chegando quase à perfeição, principalmente por causa da publicidade. Hoje, segundo Ruy, o rádio descreve o jogo minuciosamente, mas quando ele é paralisado, há sempre um “oferecimento”, a transmissão não precisa ficar como simplesmente tivesse saído do ar.
— Na TV é diferente. O jogo está sendo visto. Não há a necessidade de o narrador gritar gol da maneira que grita. Ele já foi visto. Agora, o mais importante é quando acaba o jogo. Os debates na televisão duram até seis horas depois das partidas. Não sei como se arruma tanto assunto para falar sobre um peleja.

Marcelo rebateu dizendo que faz o que fazia antes, só que ganhando dinheiro.

Mitos e lendas

O professor Vitor Agner lembrou do conto de Ney Fonseca, “Abril no Rio em 1970”, que fala de um dos mitos no futebol. Na obra, o autor descreve um garoto de classe popular que vê no futebol a possibilidade de ascensão social. Num domingo ele ia jogar e um técnico de futebol ia assistir à partida. No sábado, ele está com a namorada, mas não mantém relações porque ouviu dizer que o cara que joga bem “não pode transar no dia anterior”:
— Ele não transou, perdeu a namorada, foi tenso para o jogo e acabou sendo um desastre em campo — contou Vitor.

Outro assunto também desmistificado foi o fato de o então técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola, campeão do Mundial de 1958, ter sido pressionado por Didi, Belini e Nilton Santos para botar o Garrincha para jogar. “Isso nunca existiu”, afirmou Ruy Castro, que ainda desmentiu a versão que circula até hoje de que o técnico era um dorminhoco.

Biografias

A quantidade de biografias sobre futebol também foi objeto de discussão. A conclusão dos participantes foi de que hoje há um grande número de autores que estão tentando contar a história de jogadores e clubes. Mas, segundo eles, não está havendo uma pesquisa correta para tratar do assunto e muitos livros biográficos ficam no anonimato por falta de leitores.

O mesmo acontece no cinema, quando diretores compram direitos de boas biografias e acabam por deturpá-las. “O filme não interfere na carreira de um bom livro”, resumiu Ruy Castro.

José Rezende finalizou o encontro informando que para 2010 está previsto a projeção do jogo da final da Copa do Mundo de 1958 — Brasil 5 x 2 Suécia — e que outros ciclos de debates serão organizados.