ABI acompanha visita de familiares de desaparecido político ao antigo DOI-CODI


Na quinta-feira (27), às 15h00, María Teresa Sopeña, viúva, e Maria Willumsen, ex-sócia de Edgar Aquino Duarte numa corretora de valores, que moram em Havana e em Miami, respectivamente, irão visitar o antigo DOI-CODI, na Rua Tutóia, 921, em São Paulo, para conhecer o local onde ficava a cela em que ele esteve preso, entre 1971 e 1972. Na visita, elas serão acompanhadas pelos jornalistas Ivan Seixas, da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e do Direitos Humanos da ABI, e Moacyr Oliveira Filho, diretor de jornalismo da ABI, ex-presos políticos, que conviveram com Edgar, durante sua passagem pelas celas do DOI-CODI, em 1972.

Ao terminar o segundo grau, Edgar Aquino Duarte entrou para a Marinha, onde se tornou cabo do Corpo de Fuzileiros Navais. Foi da Associação de Fuzileiros Navais do Brasil, participando da Revolta dos Marinheiros. Após a revolta, em junho de 1964, exilou-se no México e depois seguiu para Cuba. Retornou ao Brasil em outubro de 1968 e viveu na clandestinidade, passando a trabalhar numa corretora de valores mobiliários em São Paulo.

Foto de Edgar de Aquino Duarte quando da sua prisão

Edgar de Aquino Duarte foi preso na madrugada do dia 3 de junho de 1971 em seu apartamento, na Rua Martins Fontes, 268, apto. 807, em São Paulo, por agentes do DOPS/SP em operação conjunta com o DOI-CODI/SP. Na sua ficha no DOI-CODI, no entanto, a prisão foi registrada como tendo ocorrido no dia 13 de junho. Quando foi preso, trabalhava numa corretora, como vendedor de ações.

Esteve preso por mais de dois anos, incomunicável para a família ou o advogado, tendo sido continuamente torturado.

Ficha do DOI-CODI em nome de Ivan Marques Lemos

Inicialmente esteve preso no DOPS-SP, em cela solitária do “fundão”; em seguida foi para o DOI-CODI/ SP; em agosto de 71 esteve no DOI-CODI/ RJ; esteve também no 7° Regimento de Cavalaria, no Setor Militar Urbano em Brasília; retornou para o DOI-CODI/SP, em 1972, e do final de 72 até junho de 73, retornou ao DOPS-SP, sempre isolado dos presos, colocado numa cela solitária.

Diversos militantes presos conviveram com Edgar, tanto no DOI-CODI/SP quanto no DOPS/SP. No DOI-CODI de São Paulo ele ficou 8 meses, convivendo com outros presos na cela conhecida como X-3. Durante o período em que esteve preso, Edgar indagava diretamente aos carcereiros e agentes da repressão sobre sua situação, ao que era respondido que seu caso estava à disposição do Centro de Informações do Exército (CIE).

Nos últimos dias, antes de desaparecer em junho de 1973, Edgar era liberado com mais frequência da solitária para tomar banho de sol. Desconfiado, confessou a alguns presos que tinha medo, pois achava que iriam matá-lo e dizer que ele foi liberado e assassinado fora da prisão.

Meses antes de ser preso, em 1971, Edgar encontrou-se com o Cabo Anselmo e, atendendo ao pedido de Anselmo, que havia atuado com Edgar na Revolta dos Marinheiros, acolheu-o em seu apartamento, sustentando-o com o salário de corretor da Bolsa de Valores. Anselmo morou 8 meses com Edgar, até ser preso, no final de maio de 1971. É a partir de Edgar que ocorre a confirmação da atuação de Anselmo como agente infiltrado.

A primeira denúncia pública do desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte foi feita em 1975 no documento conhecido como “Bagulhão”, ou “Carta à OAB”, que aponta o nome de 233 torturadores.

A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos reconheceu o caso de Edgar a partir da lista de desaparecidos políticos anexa à Lei nº 9.140/95 no processo 029/96 em 04/12/1995.

O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra Carlos Alberto Brilhante Ustra; Alcides Singilo e Carlos Alberto Augusto, protocolada no dia 17 de outubro de 2012 e aceita em 23 de outubro de 2012 pela Justiça Federal, pelo desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte.

No dia 18 de junho de 2021, o juiz federal Silvio César Arouck Gemaque, da 9ª Vara Federal Criminal, condenou o delegado Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha, a 2 anos e 11 meses de reclusão pelo crime de sequestro e cárcere privado de Edgar Aquino Duarte, previstos nos artigos 148, § 2º e 29 do Código Penal.

O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI-CODI) em São Paulo, e o ex-delegado do DOPS, Alcides Singillo, também respondiam pelo sequestro de Duarte. Porém, eles deixaram de figurar como réus, pois morreram em 2015 e 2019, respectivamente.

Em sua decisão, o juiz Silvio César Arouck Gemaque pontuou que a responsabilidade criminal de Carlos Alberto Augusto foi comprovada ao longo do processo e que em crimes de graves violações a direitos humanos — como é o caso do sequestro de Edgar de Aquino Duarte — aplica-se o mesmo arcabouço jurídico dos crimes contra a humanidade. O juiz destacou que sua decisão não se baseou somente em prova testemunhal, um “ouvi dizer”, mas sim em um amplo mosaico probatório que aponta para a responsabilidade de “Carlinhos Metralha”. Na sentença, Gemaque também ressaltou que a detenção de pelo menos dois anos do ex-fuzileiro Edgar de Aquino Duarte sem qualquer acusação formal, e que resultou em seu desaparecimento, ocorreu no contexto de um “sistema de terror” implantado pelo Estado, que “prendia sem mandado, sequestrava, torturava, desaparecia e matava pessoas por suas posições políticas”.

A Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa de São Paulo, concluiu que Edgar de Aquino Duarte foi sequestrado por agentes do DOPS-SP, em operação conjunta com o DOI-CODI-SP, tendo passado pelo DOI-CODI-RJ e pelo Regimento de Cavalaria localizado no Setor Militar Urbano de Brasília até voltar para São Paulo, para o DOI-CODI e depois para o DOPS, onde foi visto pela última vez em junho de 1973.

Edgar de Aquino Duarte é considerado desaparecido político porque seus restos mortais não foram entregues aos seus familiares, não permitindo o seu sepultamento até os dias de hoje.

Memorial

O conselheiro da ABI, Ivan Seixas, e o diretor de Jornalismo, Moacyr Oliveira Filho, integram o Comitê Pró-Memorial no Antigo DOI-CODI, que luta pela transformação do complexo arquitetônico onde funcionou o DOI-CODI, entre as ruas Tutóia e Tomás Carvalhal, no bairro do Paraíso, em São Paulo, num Memorial contra a Tortura. O complexo já foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico de São Paulo e uma ação judicial, em tramitação na 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo,  pede que aqueles prédios sejam transferidos para a Secretaria de Cultura e transformados num Memorial.

Ali, entre 1969 e 1976, 76 presos políticos foram mortos ou desaparecidos por ação direta dos agentes daquele órgão clandestino de repressão política, a maior parte deles (47) durante o período em que foi comandado pelo então Major Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos ídolos do atual Presidente da República, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974.