A SAGA DA Petrobrás, DA REVOLUÇÃO DE 30 AOS DIAS DO PRÉ-SAL – Capítulo 6


19/11/2019


Cap. 6 / 1939

JORRA PETRÓLEO EM LOBATO

 

Ainda em 1938, o General Horta Barbosa visitou a Argentina e o Uruguai, para observar os progressos da indústria petrolífera nos dois países, cuja prioridade continuava a ser um conjunto de refinarias. De volta ao Brasil, Horta Barbosa idealizou um plano para a indústria da refinação, a partir da construção, no Rio, de uma refinaria para 10 mil barris diários. Essa refinaria utilizaria petróleo importado e seu lucro líquido seria empregado na intensificação da pesquisa de áreas potencialmente petrolíferas.

Em janeiro de 1939, a história do Brasil mudaria de curso em consequência daquilo que na hora poderia ter parecido um acontecimento secundário.  Um pequeno acontecimento, no lugar chamado Lobato, no Recôncavo Baiano, perto de Salvador. Essa história seria reconstituída pelo depoimento de um dos pioneiros da pesquisa de petróleo no Brasil, Oscar Cordeiro, a outro pioneiro, o mais discutido deles, o escritor Monteiro Lobato.

– Em dezembro [de 1938] – diria Oscar Cordeiro, citado por Lourival Coutinho e Joel Silveira no livro O Petróleo Brasileiro, Traição e Vitória – os testemunhos já começavam a dar sinais de impregnação de petróleo, segundo as análises do dr. Fróes de Abreu, um homem de bem naquela quadrilha. Aqueles sinais de petróleo próximo agitaram o Departamento. Mandaram para Lobato o engenheiro Custodio Braga e logo depois … Moacir da Rocha… Desconfiei de alguma ursada – e foi o que não tardou. Certos, no Departamento Mineral, de que o petróleo do Lobato saía mesmo, o pirotécnico do Departamento, Luciano Jacques de Morais, oficiou ao Conselho Nacional do Petróleo, sugerindo a conveniência da paralisação da perfuração do Lobato…  Gritei, berrei, esperneei e continuei nos trabalhos da perfuração, mas parece que vieram ordens para me afastar… Resisti a tudo e fiquei, mais atento que nunca.

– No dia 20 de janeiro entramos numa camada de arenito bastante impregnada de petróleo. Custódio, Moacir e Miranda (José Miranda, outro técnico) costumavam ficar na cidade; quem dirigia o serviço era o perfurador Ernesto, apenas. Arquitetei um plano. Dei jeito de um velho operário amigo de Ernesto convidá-lo a passar o domingo fora. No dia 21, sábado, ele fechou o serviço ao meio dia e foi para casa. Fiquei sozinho no campo, alegre, ansioso, satisfeito, torcendo por dentro para que não me aparecesse nenhum sabotador. O último testemunho retirado do poço mostrava-se impregnadíssimo, mas Ernesto, que nunca vira petróleo, não dera atenção. No dia 22, domingo, fui cedíssimo para Lobato e tive a mais formidável sensação de minha vida.

– O petróleo manava da boca do poço e corria pelo chão, rumo ao leito da estrada de ferro. Voltei correndo para casa. Mandei telegramas para Getúlio, Horta Barbosa, Fróes e outros, menos a Fernando Costa, que era ministro novo [da Agricultura] e cujas ideias sobre petróleo eu desconhecia. Segunda feira o Interventor [Artur Neiva] foi com uma comitiva visitar o Lobato. Fui com eles e encontrei o Braga e seus companheiros desapontadíssimos com o desastre de um petróleo que eles tinham ordens para sabotar e que saíra na ausência deles, de noite… Encontramos a boca do poço obstruída e o petróleo que havia escorrido rumo ao leito da estrada de ferro fora oculto por uma camada de areia. “Então, o que há?” foi a pergunta de todos. E eles, com caras criminosas: “Não há nada.”

– Mas os presentes insistiram na retirada dos tampos que obstruíam o poço. Braga alegou que era trabalho demorado, de horas. O Interventor disse que esperaria – e o sabotador não teve mais remédio, foi obrigado a dar ordens aos operários. Removidos de pronto os embaraços, a sensação dos presentes foi prodigiosa, ao verem o petróleo do Brasil borbotar daquele poço. Estava acabada a lenda do não há petróleo no Brasil. O prêmio que tive foi o decreto do sr. Getúlio Vargas nacionalizando as minas de Lobato, sem a menor indenização. Fui corrido de Lobato, fui expulso do meu campo. E como não encontrasse fundamento para me submeter ao Tribunal de Segurança, o governo demitiu-me da presidência da Bolsa de Mercadorias, instituição por mim fundada e da qual fui presidente por 12 anos.

Oscar Cordeiro acreditava-se vítima de uma conspiração de funcionários corruptos, pagos pelas multinacionais para impedir, de qualquer maneira, que se descobrisse petróleo no Brasil. Essa conspiração certamente existira e ainda existia, mas nesse momento havia um fato novo ou um conjunto de fatos novos, resultantes dos decretos de 1938 sobre petróleo.

Se o noticiário dos jornais não fosse suficiente, o governo disporia pouco depois do testemunho do engenheiro Fróes de Abreu, um de seus técnicos mais respeitados, citado por Mário Vitor, em seu livro A Batalha do Petróleo:

– O engenheiro Fróes de Abreu também estivera em Lobato e voltara de lá convicto: era petróleo, sim. Ia dizer isso em seu discurso de posse na Academia de Ciências, no Rio, diante dos então donos da geologia brasileira. Mas os doutores da academia, à afirmação de Fróes de Abreu de que o petróleo era uma realidade no Recôncavo Baiano, franziram a cara e sorriram irônicos, como se o novo acadêmico estivesse dizendo uma heresia. Fróes insistiu na leitura de seu discurso e foi o tumulto. Um dos doutores, mais inflamado, chegou a gritar que só um doido ou um ignorante poderia acreditar na balela do petróleo baiano. Fróes dobrou as laudas, deixou a tribuna, indignado e derrotado.

A notícia do jorro de petróleo, negro e forte, no primeiro poço de Lobato, foi publicada nos jornais de 21 de janeiro – acrescida de um detalhe significativo: o lençol petrolífero fora encontrado a apenas 210 metros de profundidade.

O governo não só não ignorou a notícia como providenciou a continuidade do trabalho em Lobato. Já a 8 de fevereiro, um decreto de Getúlio, , atendendo a ponderações dos órgãos de segurança nacional, declarou reserva petrolífera a área do Recôncavo, na Bahia, tendo como centro o poço nº. 163, situado em Lobato, nos arredores de Salvador, dentro da qual não seriam outorgadas autorizações de pesquisa nem concessões de lavra de jazidas de petróleo e gases naturais.

Oscar Cordeiro protestou, mas sua luta nesse momento não era mais com multinacionais corruptoras e funcionários brasileiros corruptos. Pelos decretos sobre petróleo de 1938, o governo tinha de tomar conta do poço de Lobato, especialmente depois de seus resultados positivos. Da mesma forma que a autorização a Oscar Cordeiro, foram canceladas as de Edson de Carvalho em Riacho Doce (onde afinal não se encontrou petróleo), as de Monteiro Lobato em São Paulo e Mato Grosso (igualmente frustradas) e também as do industrial Guilherme Guinle, no Recôncavo.

Os decretos de 1938 não estatizavam, apenas nacionalizavam a indústria do petróleo no Brasil.

– Mas o governo, claramente – escreve Mário Victor –  não queria correr o menor risco, mesmo com pioneiros como Oscar Cordeiro, de permitir a entrada clandestina dos grandes consórcios internacionais na pesquisa, extração ou refinação de petróleo: eles ficariam confinados às etapas, altamente lucrativas e sem qualquer risco, da distribuição e do varejo de derivados de petróleo.

Além do mais, seria inútil correr com a perfuração de poços de petróleo em Lobato antes de construir refinarias. O petróleo bruto extraído no Brasil teria de ser entregue às multinacionais, para refiná-lo fora do Brasil. Se voltasse, pagaríamos por ele em dólar, aos preços impostos pelas multinacionais.