A fala do General no ABI Online


21/09/2010


Consideradas as mais importantes feitas após a democratização por chefes militares da época da ditadura, as declarações do General Leônidas Pires Gonçalves ao jornalista Geneton Moraes Neto integram agora o acervo do ABI Online e estão à disposição de militantes políticos, pesquisadores e profissionais de Ciências Sociais.
 
Exibido em abril passado pela Globo News, precedendo outra entrevista rumorosa, esta do General Newton Cruz, o pronunciamento do General Leônidas encontrou forte contestação, sobretudo nos trechos em que afirma que não houve torturas no Doi-Codi do Rio nos anos 70, quando ele comandou essa unidade de repressão aos adversários do regime militar. Entre essas contestações destacou-se a publicada pelo Jornal da ABI, Edição nº 353, de abril seguinte, a qual mereceu uma das manchetes na primeira página, sob o título “O General sofismou”.
 
O acesso ao texto integral da entrevista foi proporcionado à ABI pelo jornalista Luís Erlanger, Diretor da Central Globo de Comunicação, que mandou decupar a longa gravação feita por Geneton e seus companheiros da Globo News.
 
ENTREVISTA COM O GENERAL LEONIDAS PIRES GONÇALVES
 REP GENETON MORAES NETO
 
 
GLOBONEWS DOSSIÊ –  03/04/2010
 
Você vai ver agora cenas que não poderiam acontecer durante o regime militar.Um general do Exército aceita ser entrevistado sobre temas polêmicos
– Está feito o desafio de novo!
– É duro de ouvir, é?
– Você tem a dúvida, vamos ver se eu tiro…
– Você me forçou a te dizer isso…
– Olha aqui, hoje todo mundo diz que foi torturado para receber a bolsa-ditadura.
– É essa a resposta que você quer?
– O Senhor chamou o Presidente Fernando Henrique Cardoso de fugitivo…
-Ele não,todos eles, inclusive ele…são bandidos nós somos soldados de luta,ninguém foi preso impunemente, vocês não dão repercussão nisso…essa é a nossa mágoa, o soldado é um cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência, no mudo inteiro, historicamente, quer guardar a frase?
 
A GUERRA DAS PALAVRAS
Leônidas Pires Gonçalves ocupou o posto de Chefe do Estado-Maior do I Exercito do Rio de Janeiro.Nesta função, cabia a ele dirigir o Doi-Codi, o temido Destacamento de Informações Operações e do Centro de Operações de Defesa Interna.Passou dois anos e dez meses na função a partir de março de 1974.Quando o regime militar acabou, ele virou Ministro do Exercito.Ao gravar esta entrevista sobre os 25 anos do fim do regime militar, o General Leônidas fez uma ressalva:
– Leônidas – Jornalista Geneton de Moraes Neto, é com prazer que faço esta entrevista. Quero deixar um aspecto apenas que gostaria que ficasse esclarecido: eu não sou historiador mas tenho a tendência de ser memorialista. Portanto só vou falar de coisas que eu participei diretamente ou muito próximo, porque acho que um dos grandes erros da Historia, seja de qualquer país, e não apenas do Brasil,são as versões serem mais verdadeiras de que a verdade.
 
Em seguida, pediu que suas idéias não fossem suprimidas na edição.
Leônidas – Por que é que também a gente não fala?Você sabe muito bem que estou falando com você com confiança, porque se você fizer um corte aí, você me deixa mal, em qualquer corte errado que você faça.
 
As palavras do General são um documento, o que um militar de alta patente tem a dizer sobre uma fase conturbada da Historia recente do Brasil.Aos 88 anos de idade,o General diz que não teme controvérsias.
AS PUNIÇÕES
Geneton – o Senhor. Já chamou a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos de medidas altamente civilizadas. Baseado em quê o Sr. chama de civilizadas medidas que são obviamente uma violência política?
Leônidas – Porque elas são históricas. A cassação é uma denominação nossa do ostracismo na Grécia e do banimento em Roma.Ela é civilizada porque tem dois mil anos de atuação, e nós a fizemos de uma maneira mais doce do que faziam os romanos, porque nós não afastamos as pessoas dos lugares onde moravam e eles afastavam…
Geneton – mas os exilados foram obrigados a sair do Brasil.
Leônidas – O que acontece é o seguinte: nós não tivemos exilados, tivemos fugitivos. Podem ser duras as minhas palavras, mas não houve um decreto de exilar ninguém. Depois fizeram algumas coisas, quiseram ir embora. Então eles continuaram banidos, eles quiseram ir embora para aqui, pra lá, pra acolá, pegaram um avião e saíram por aí.
Geneton – O Senhor chamou de fugitivos os exilados, alguns célebres, como Miguel Arraes, Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes. O Senhor não acha que é uma injustiça?
Leônidas – Não acho injustiça. Não acho que a palavra exilado também não serve para eles, porque está escrito que exilado é alguém que recebe um documento do Governo ,exigindo seu afastamento. Este documento nunca houve. Como é que você quer tachar eles, então? Dá uma sugestão. A minha sugestão é “fugitivo”.
Geneton – Mas historicamente eram exilados.
Leônidas – Que historicamente?
Geneton – O Governador Miguel Arraes, por exemplo, foi deposto, confinado na ilha de Fernando de Noronha….
Leônidas – Sim, mas foi embora porque quis, ele poderia ter voltado para Pernambuco e ficar na casa dele.
Geneton – Deposto?
Leônidas -Qual é o problema?Ele então enfrentasse, como deposto,legalmente, as coisas, fazia seu proselitismo a respeito do que quisesse, mas não  sair correndo para o Mundo. Assim foram também os outros, todos correndo para o Mundo, ninguém quis ficar aqui. E mais: alguns foram se preparar militarmente para fazer a confrontação em Cuba, na Albânia, na Rússia, etc. No caso especifico que você cita aí, do Miguel Arraes, ele não foi fazer isso não, ele foi lá para o Governo e foi aonde se deu muito bem fazendo seus negócios. Ele foi um homem de sucessos e negócios, você sabe disso, não é? Você insiste nisso mas esquece que para ser  exilado precisa ter um documento que provoque o exílio dele…
Geneton – Mas na prática não havia condições de exercício da política, naquela época.
Leônidas – Que fique aguardando, então, no Pais. Não precisa ir embora fugitivo. Por que ele fugiu do Brasil? Pra mim ele fugiu do Brasil..
 
Miguel Arraes era Governador de Pernambuco quando foi deposto por militares que cercaram o Palácio do Governo no dia 1 de abril de 1964. Preso, partiu para o exílio em 1965, voltou ao Brasil na Anistia, em 1979.
 
Geneton – O Senhor considera que o ex-Governador era um fugitivo ou um perseguido pelo regime militar?
Leônidas –  Primeiro ele merecia as punições que recebeu, pelas atitudes que tomou.
Geneton – Não num regime democrático…
Leônidas – Mas a gente Também se antecipa aos critérios perguntando o que é que ele queria fazer no Brasil? Nós temos um grande orgulho do nosso faro, porque depois, olha, o que aconteceu na Rússia, em todos os países de origem comunista, aquela mortandade… Vocês nos acusam, os da esquerda, viu…
Geneton – Eu não sou representante da esquerda…
Leônidas – Você teve um engajozinho, não teve?  Olha o jeito dele….. Você se esquece quantos milhões matou o Stálin, quantos milhões matou o Khmer Vermelho, quantos mil matou o Fidel Castro nesta ilha dele, dezessete mil.. E outra coisa, geralmente o exilado é um homem que sofre restrições, não sei o quê, os homens que foram para o Chile, até eu queria tirar um curso que eles tiraram lá. O Senhor Fernando Henrique era professor universitário, com a vida muito bem organizada, vivia sem nenhuma restrição financeira..Só para dar um exemplo… Exilado é uma coisa; quem vai voluntariamente, que eu gosto de chamar de fugitivo, é outra. Não faça confusão, essa tua convicção de exilado, precisa acabar com isso…
Geneton – Não é convicção minha, é um fato histórico…
Leônidas – Um fato histórico, não senhor. O fato histórico é se tivesse uma lei fazendo o exílio. Este fato histórico foi forçado pela mídia por bater no mesmo tambor..bam bam bam bam bam bam….
Geneton – Mas se não eram exilados, por que o Governo militar promulgou uma lei da Anistia, permitindo que eles voltassem? Se não existia exilado, pra que a lei da Anistia?
Leônidas – Porque eles estavam assustados e nós dissemos pra eles: podem vir que não tem perigo nenhum. Ainda tem isso; mais do que fugitivos eram assustados ainda.Eu sempre pergunto uma coisa: alguma tinham feito para ir embora…
Geneton – O Senhor chamou o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso de fugitivo..
Leônidas – Ele não, todos eles, inclusive ele. Todos que foram embora do Brasil sem ser expulsos, considero fugitivos, sem exceção.Se eles tinham uma idéia, e esta idéia estava sendo confrontada e eles fizeram alguma coisa que merecessem, que enfrentassem a Justiça, seriam respeitados
Geneton – Mas num regime de exceção a Justiça não é confiável.
Leônidas – O que acontece é o seguinte:esse problema de tortura é muitíssimo aumentado.
Geneton – O Senhor foi chefe do temido Doi-Codi, do I Exercito durante dois anos e dez meses. O Senhor sabia da existência de tortura a presos políticos?
Leônidas – Na minha área nunca houve tortura a presos políticos e desafio alguém que venha a dizer que foi torturado durante este período. Está feito o desafio de novo. Foi de 74 a 77. Você vai me perguntar se existiu? Bom, aí eu costumo dizer que a miserável condição humana leva a isso. Com medo de falar de tortura, eles eram grandes delatores.. Foi um do Comitê Central que delatou toda a turma para o meu esquema de segurança do Rio de Janeiro.
Geneton – O que o Senhor está dizendo é uma acusação grave, que pagou a um integrante do Comitê Central do Partido Comunista para delatar seus companheiros. Quem pagou? O Senhor?
Leônidas – Não, a organização. Nunca me contatei com nenhum subversivo, pessoalmente, nunca. Essa não era minha missão. Minha missão era dirigir o órgão que fazia isso.
Geneton – De quem foi a idéia de pagar?
Leônidas – Foi minha, porque eu fui adido militar na Colômbia e aprendi que lá eles compravam todos os subversivos com dinheiro. Quando propus isso ao Dói-Codi disseram: Não, mas general, não é assim… Ele então foi preso e mostrou o dia em que ia ser a reunião, aquela de São Paulo, que vocês sabem muito bem, da casa da Lapa. Foi ele que deu o dia e a hora e tudo, por cento e cinqüenta mil, entregues para a filha dele em Porto Alegre.
Geneton – Houve outros casos em que o Dói-Codi pagou a prisioneiros em troca de informação?
Leônidas – Não, o único. Ma estou falando do meu Dói-Codi do Rio de Janeiro.
Geneton – O único caso foi esse, então?
Leônidas – No meu, foi.
Geneton – O Senhor faz uma acusação que é de extrema gravidade, Um integrante do Comitê Central do Partido Comunista teria recebido dinheiro para informações ao Exêrcito…
Leônidas – Vendeu por cento e cinqüenta mil, mandei entregar…Quando eu digo eu, a gente fala funcionalmente, como eu te disse, eu nunca falei com subversivo
Geneton – O dinheiro que foi entregue a este integrante do Comitê Central do Partido Comunista em troca de informações saía como, do I Exercito? Existia uma caixinha?
Leônidas – Que caixinha nada. O serviço de informações tem verba oficial para cumprir as missões.
Geneton – Mas as informações que ele passou, segundo o Senhor diz, resultaram em mortes.
Leônidas – Claro que resultaram, porque ninguém se entregou quando chegamos lá. Nós, não. Aí foi entregue a São Paulo,porque temos áreas delimitadas de operações.
 
Agentes invadiram a casa onde estava reunido o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, no bairro da Lapa, em São Paulo, no dia 16 de dezembro de 1976.Três dirigentes do Partido foram mortos na operação.
 
Leônidas – São Paulo chegou lá e deu ordem de prisão, já recebeu balas de lá.Foram recebidos à bala. E mortos.Quem começa a guerra não pode lamentar a morte.É duro ouvir? Quem começa a guerra não pode lamentar a morte. É duro de ouvir? Nós não começamos guerra nenhuma. Até o momento da bomba de Guararapes não tinha corrido sangue no Brasil. A bomba de Guararapes foi  o primeiro sangue no Brasil, realmente ficou confirmado que a bomba foi feita pelo pessoal da AP.
 
Uma bomba explodiu no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, no dia 25 de julho de 1066. Um Almirante e um Jornalista morreram na hora. O atentado foi cometido por dois militantes da AP, a Ação Popular.

Leônidas – E Você tem noção de quantas pessoas mataria a bomba se o Aeroporto estivesse cheio? Nós calculamos: mais de cinqüenta, inclusive era um terrorismo não pontual, que é mais criticável ainda, que matava gente que estava por lá até por curiosidade

Geneton – O que é que o Senhor ouvia sobre tortura? Chegava ao conhecimento do senhor?
Leônidas – Na minha área, não.Numa madrugada, lá nos confins,dois antagonistas se encontram, pode esperar tudo, pode esperar tudo.Você não se esqueça que esta gente que fala muito de tortura, como se nunca tivesse torturado ninguém..Você acha que pegar um embaixador, acostumado a ser reverenciado,botar dentro de um carro, matar o seu segurança e depois ficar num quartinho de 2×2, ameaçado, isso não é tortura? Tortura, psicológica e forte.Vamos acabar com esta historia de tortura só de um lado, viu?

OS CHEFES
Geneton – Uma discussão que vai durar anos: a tortura era feita com ou sem o conhecimento dos chefes militares?
Leônidas – Nunca foi ordem, nunca foi norma de ação, nunca foi política dos chefes militares para torturar ninguém. O meu Dói-Codi, por exemplo, era muito vigiado por mim, porque era feito de Exército, Marinha, Aeronáutica, política, bombeiros, civis, desenhistas, eu sei da formação do pessoal da Aman, mas não sei de outros lugares, não. Então a gente tinha que policiar, e repito sempre, a miserável condição humana leva a fazer as coisas mais criticáveis, e tem gente que gosta de torturar os outros..
Geneton – Havia militares que gostavam de torturar…
Leônidas – E civis também, e subversivos também..
Geneton – Uma dúvida que fica: como é que uma pratica tão grave como a tortura ocorria em quartéis sem o conhecimento dos superiores? Há relatos de prisioneiros.
Leônidas – Na minha área não havia tortura em quartel nenhum. Todo mundo fala na Oban, fala não sei o quê,muito bem…
A Oban era a sigla da Operação Bandeirante, uma organização criada pelo Exército em São Paulo, em 1969, para centralizar operações contra  adversários do regime militar.
Leônidas – Eu digo o seguinte: há coisas pontuais. Falam no Herzog, eu não tenho a menor duvida que o Herzog é um suicida. Sabe por quê? Matar o Herzog pra quê? Ele não tinha significado nenhum.
Geneton – Vladimir Herzog foi torturado nas dependências do Exercito, em São Paulo, isso é inegável.
Leônidas – Pra mim, não posso afirmar sim ou não, porque não vivi lá, nunca fui da Oban, não sei nada da Oban. Agora, estas coisas acontecem intramuros, você sabe disso, não é? 

O jornalista Vladimir Herzog apresentou-se para depor no dia 25 de outubro de 1975, no II Exercito, em São Paulo, porque era suspeito de ligações com o Partido Comunista, que na época era ilegal. Cerca de oito horas depois estava morto.

Leônidas – Não tenho dúvidas de que se o fato ficasse no ar, mas houve um inquérito feito por um general do maior gabarito, homem de uma moral impecável, que fez o estudo tintim por tintim, e o resultado do inquérito foi que ele foi suicida. Por que acho também que ele é suicida? Você não sabe o que é um subversivo preparado. É um soldado guerrilheiro, que a gente respeitava, íamos enfrentar gente dura.Aquele senhor, aquele rapaz, ele era moço, não? Ele não tinha preparo nenhum, era jornalista ou professor, não é? Quando prenderam ele, tenho certeza de que estava assustado. Eu vi muitos assustados, vi que aquilo que diziam não era verdade e eu mandava embora. Ele, assustado, pensando que ia ser supliciado, não sei o quê. Então a minha pergunta é: matar o Herzog enforcado pra quê? Ele não tinha significação maior, estava ali para dar informações. Na minha concepção ele se apavorou das circunstancias em que estava, e um homem quando fica nesse tipo de pressão faz qualquer coisa..
Geneton – Mas há relatos de outros prisioneiros que ouviram inclusive gritos do Herzog na prisão, ou seja,violência física contra ele.
Leônidas – Pode até ter havido , mas não houve morte para ele. Medicamente, sem duvida, ele morreu enforcado, e foi ele que se enforcou.
 
Em 1978 a Justiça Federal responsabilizou a União pela prisão, tortura e morte de Vladimir Herzog.
 
Leônidas – Você sabe que eu sempre conto este episodio que aconteceu no meu Dói-Codi. É um corredorzinho 4×4 e na cabeceira lá ficava um oficial sentado numa cadeira, noite e dia. De repente o oficial que estava lá ouviu um som estranho, foi e olhou e não viu nada demais.Isto é verdadeiro, o que estou dizendo. De repente ele ouviu um som maior, passou de novo e viu uma mulher em posição estranha, ela estava se estrangulando com uma tira que tinha tirado do lençol e feito uma trança, e estava se estrangulando. Já pensou se ela morre, o problema que eu ia ter? Essa senhora, por exemplo, era uma senhora moça, uns quarenta anos, foi salva pelo nosso sistema, porque tínhamos o exemplo do menino lá, o Herzog.
Três meses depois da morte de Vladimir Herzog, o operário Manoel Fiel Filho apareceu morto nas dependências do II Exercito. O Presidente Ernesto Geisel demitiu o Comandante do II Exército, General Ednardo d’Avila.
 
Geneton – O Presidente Geisel demitiu o Comandante do II Exercito porque havia torturas em São Paulo.
Leônidas – Fez muito bem, mas o principio do General Geisel era o principio que os chefes eram orientados, não admitíamos torturas.
Geneton – A morte de Herzog e Manoel Fiel Filho provocou uma reação do próprio Presidente da República. Isso não é um indicio de violência?
Leônidas – Mas também a morte do Major Martinez, morto miseravelmente, a morte de um major alemão que era meu aluno na Escola do Estado-Maior, que recebeu um tiro na nuca, a morte do Major Chandler, nos deixou muito chocados.. Olhe, tome lá da cá, sabe o que costumo dizer de guerra? Guerra não tem nada de bonito, a não ser a vitória. 
Os militares a que o General se refere são o Major alemão Ernest Von Westerhagen, morto por engano no bairro do Jardim Botânico, no Rio, em julho de 1969, por guerrilheiros que pensavam que ele era o general boliviano que tinha comandado a caça a Che Guevara na Bolívia.O capitão do Exercito Americano Charles Chandler foi morto em São Paulo em 12 de outubro de 1968 por guerrilheiros que suspeitavam que ele era agente da CIA.O Major José Júlio Martinez Filho foi morto em abril de 1971,ao participar de uma tocaia contra guerrilheiros, no bairro de Campo Grande, no Rio de Janeiro.
Leônidas – Você pensa que não esquecemos disso?Só que a mídia não fala destas coisas, só fala nestes outros casos.. O problema é o seguinte:guerra não tem nada de bonito, aquilo era guerra, começada por eles.
Geneton – Os militares, como o Senhor reclama,de que os chamados esquerdistas não esquecem da tortura, por exemplo, e o Senhor acaba de dizer também que não esquece das mortes entre militares.
Leônidas – Você me forçou a dizer isso, porque Você também estava naquela posição de não esquecer.
Geneton – Eu estou fazendo uma pergunta. Não sou militante.
Leônidas – Pelo fato de você não ter esquecido e não saber das outras coisas, estou te alertando que de outro lado também havia isso.
Geneton – Eu sei que houve mortes dos dois lados.
Leônidas – Ah, você sabe? Por que não perguntou sobre estas mortes? Imagina nossa situação, trazer um oficial da Alemanha para fazer um curso aqui e ser morto miseravelmente na rua? A gente gosta de lembrar isso quando Vocês falam, eu entro na mesma chave geral: guerra é guerra, não tem nada bonito, só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa porque neste país ficaria uma democracia que nós queríamos.Os homens que estão no poder deveriam nos agradecer de joelhos por ter feito a Revolução de 64 porque se nós tivéssemos um sistema de regime de governo comunista, concepção comunista é uma coisa, agora regime de governo comunista é outra, todos eles já teriam morrido, porque a autofagia lá é reconhecida.Com muita dor, para ambos os lados, conseguimos chegar à democracia de hoje no Brasil, um pouco autoritária, mas é.
 
 
O SINDICALISTA LULA
Geneton – O Senhor diz que os atuais ocupantes do poder deveriam se ajoelhar diante dos militares para agradecer o restabelecimento da democracia. O senhor se refere ao Presidente Lula?
Leônidas – Não. Repare só, eu sou muito justo. O que é um subversivo para nós? É um homem anti-sistêmico, mas o Presidente Lula sempre foi intra-sistêmico. Ele fazia parte de um segmento democrático que se chama sindicato. No meu ponto de vista ele nunca foi subversivo. Não é porque ele está no Governo, não. É uma analise de um cientista político razoavelmente conhecedor que é o General Leônidas, viu? Porque ele fazia as ações dele dentro do sindicato.
Geneton – O Senhor chegou a chefiar o Dói-Codi no Rio durante o regime militar. Foi o primeiro Ministro do Exército depois da redemocratização o Senhor admite que a tortura é uma mancha na Historia recente das Forças Armadas no Brasil?
Leônidas – Eu acho que ela lamentavelmente ocorreu, mas para ser uma mancha ela foi muito aumentada por aqueles que são nossos antagonistas, pra justificar algumas coisas que eles fizeram e que acham que tinham o direito de fazer. Essa tortura – hoje todo mundo diz que foi torturado para receber a bolsa-ditadura. Isto não tem cabimento. Nós já gastamos dois bilhões e oitocentos milhões nisso.É essa resposta que você quer? Ou Você quer alguma coisa a mais?
Geneton – O Senhor é que sabe. A pergunta era se o Senhor concorda que a tortura é uma mancha lastimável na Historia recente das Forças Armadas.
Leônidas – Que dimensão você dá a esta mancha? Porque se for uma dimensão histórica foi um trabalho feito na mídia pela esquerda, que é toda infiltrada. Você sabe disso melhor do que eu, e foi num passado muito mais, agora estão se liberando.
Geneton – Ainda hoje o Senhor acha que há infiltração esquerdista na mídia?
Leônidas – Eu penso assim: pegaram uma mancha do tamanho de uma formiga e botaram num microscópio, e ficou do tamanho de um elefante. O aumento dos torturados em função da ambição financeira.
Geneton – O Senhor afirma que há infiltração esquerdista na imprensa, na mídia. Isso não é uma expressão dos anos 60 e 70, superada?
Leônidas – Mundial, até hoje. Não sou de nenhuma restrição à liberdade, mas acho que tem que colocar a responsabilidade junto.
 
PALAVRA DE ORDEM
Geneton – Que orientação o Senhor dava aos seus comandados no I Exercito?
Leônidas – A informação é para exercer com nobreza. Estamos aqui para defender os interesses do Brasil, de ninguém, nem pessoalmente. Não somos bandidos; somos soldados de luta. Por isso a orientação que dava era: se você entrar num aparelho , lutando,e alguém levantar o braço, se você atirar num homem com o braço aberto, você vai se ver comigo, porque não somos bandidos. Agora, se você está na luta e acha que o individuo deve morrer, atire para matar. Depois dava algumas instruções de comportamento individual na hora da confrontação: não cometam arbitrariedade; na hora de dar chocolate não se dá tiro.
Geneton – E algum dos seus comandados atirou para matar? O Sr. tomou conhecimento?
Leônidas -Tenho absoluta certeza de que na luta muitos morreram também, e muitos mataram, na atitude de soldados.O soldado é um cidadão de uniforme no exercício cívico da violência, historicamente, no mundo inteiro. Quer guardar a frase? É do General Leônidas. Se vai me perguntar se soldado mata vou até achar graça.
 
CARA-A-CARA
Geneton – Nem faz tanto tempo, durante o regime militar jornalistas fazerem perguntas a um general, sobre torturas,era uma situação inimaginável. O Senhor acha que o Brasil corre algum risco de voltar ao tempo em que jornalistas não podiam abordar generais, como o Senhor?
Leônidas – Isso é verdade, porque toda a vida me abordaram e eu respondi.
Geneton – Mas no regime militar, não.
Leônidas – Completamente, em qualquer oportunidade.
Geneton – A gente não tinha chance de se aproximar dos generais…
Leônidas – Um oficial do Exército da ativa não discute política com jornalistas. Essa orientação é institucional, hoje. Pra você me fazer esta pergunta ,e eu te responder, você tem que fazer uma abordagem política. É por isso que não te respondem. Tá bem explicado?
Geneton – Mas não era bem só por este motivo. Na época do Governo militar os generais, alem de não responderem às perguntas, eventualmente perseguiam os jornalistas. Houve casos notórios de prisão durante o regime militar
Leônidas – Teu pai foi preso? E o teu pai? Foi preso? Alguma coisa ele fez. Eu sempre digo isso: ninguém foi preso impunemente, não. Alguma coisa grave fez, porque temos medidas da gravidade também.
Geneton – O Senhor acaba de dizer que o Herzog não tinha grande importância. Por que ele foi preso? Qual foi a gravidade do crime?
Leônidas – Ele estava sendo avaliado. Ninguém pode julgar de ouvir dizer. Eu prendi muitas pessoas exatamente dentro da lei, nas horas em que deveriam ser presas. Perguntas típicas eram feitas; se não caracterizava nada, podia ir embora
Geneton – O Senhor acha razoável prender para perguntar?
Leônidas – Acho razoável na época em que estávamos vivendo, na época em que ações anti-sistêmicas eram vultosas, e todos os dias, onde se assassinava, onde se assaltava banco, onde se raptava embaixador. Você está vendo co é que é? Está vendo como era o outro lado?Agora, vocês não dão repercussão nisso, essa é a nossa mágoa. Vocês, jornalistas não dão repercussão…
 
TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA
Geneton – Que tipo de informação o Senhor passou ao então Ministro do Exército do General Figueiredo, Walter Pires,sobre Tancredo Neves?
Leônidas – Eu sou soldado, e soldado leal.Falei com Walter pessoalmente, e disse que meu candidato era Tancredo Neves, porque achava que ele era capaz de pacificar o Brasil, e pelos mesmos argumentos que disse aqui, e ele não teve nenhuma reação contrária.Também não foi favorável. Só disse assim: “Aquele velhinho, Leônidas?”
Geneton – Um assunto que incomoda os militares até hoje é o chamado revanchismo sobre o regime militar.O que é que o Senhor disse ao General Figueiredo ou ao então Ministro do Exército Walter Pires sobre este assunto?
Leônidas – Revanchismo de quem e contra quem?
Geneton – Dos civis contra os militares.
Leônidas – A verdade é a seguinte:uma das coisas que sempre nos deixou muito incomodados foi o revanchismo, quer na palavra quer em atos, porque não posso esquecer que a sociedade veio aos berros nas ruas pedindo que as Forças Armadas realizassem a Revolução de 64. O Exército Brasileiro nunca foi intruso na Historia do Brasil, sem instrumento da vontade nacional.E quando fizemos a Revolução de 64 nós estávamos cumprindo a vontade nacional. Eu tinha preocupações depois da Revolução, que houvesse o revanchismo, por motivos óbvios. Nenhum vencido fica parado depois de vencido e a realidade disso foi o que historicamente ocorreu depois. Especificamente com os dois, nunca tratei deste assunto.
Geneton – O Senhor teve algum contato pessoal com o General Figueiredo para tratar da eleição de Tancredo para a Presidência da Republica?
Leônidas – Conheço bem o Figueiredo porque ele foi meu aluno na Escola de Estado-Maior por três anos. E diga-se de passagem, repito sempre, aluno brilhante , mas a personalidade do Figueiredo, já Presidente, já não era a mesma que eu conheci. Deve ter tido algum derrame cerebral, porque era diferente do que eu conhecia. Aliás, a minha opinião é a mesma do Geisel. A lucidez dele continua, mas aqueles rompantes dele não eram muito normais,
 
UMA NOITE DRAMÁTICA
Geneton – O Senhor pode narrar, com todos os detalhes, o que aconteceu com o Senhor na noite em que o Presidente eleito Tancredo Neves foi internado no Hospital de Base de Brasília?
Leônidas – Vou fazer a narrativa, porque acho que é verdadeira, porquê? Porque eu estava em cena.
Quem deu a noticia sobre a doença do Presidente foi o General Ivan de Souza Mendes, que ocuparia o posto de Chefe do Serviço Nacional de Informações.
 
Leônidas – Toca o telefone, vem um amigo meu e diz: “- General, o Ivan está no telefone e quer falar com o senhor. Eu atendi, e disse: o que é que aconteceu, não estou gostando de sua voz. Imagina você que nosso Presidente eleito está no hospital, numa situação grave, não tem condições de assumir, e eu não estou gostando do que está acontecendo aqui”, palavras textuais dele…E onde ele está? No Hospital de Base, Então eu fui e procurei onde estava o Presidente Tancredo, e me dei conta que não poderia entrar lá porque estava em crise, e numa sala ao lado quando entrei vi toda aquela plêiade dos grandes lideres, começando pelos dois grandes nomes do Congresso, o Fragelli e Dr.Ulisses, o Sarney, o Antônio Carlos Magalhaes, Dorneles, Marco Maciel; enfim; toda essa gente conhecida que eu não vou me estender porque não quero esquecer ninguém.Estávamos todos reunidos no centro da sala como se fôssemos jogadores de rúgbi e eu aí me dei conta de que o assunto era quem ia assumir no outro dia. Fiquei escutando mais um pouco e cheguei à seguinte conclusão:eles estavam num impasse. Curiosamente, eu digo hoje, eu não senti ambição nem do Dr Ulisses nem do Sarney. Você sabe o que é esta entourage de cada lado, não?
Aí eu disse: “Com licença, não sei qual a duvida dos senhores. De acordo com os artigos 76 e 77 da Constituição, quem assume é o Vice-Presidente da República”. É como diz o Ronaldo Costa Couto, imagina um general dando aula para os constitucionalistas políticos sobre um tema do momento.Sabe qual foi a reação?Nenhuma. Então cheguei à conclusão de que eles estavam esperando alguém com conhecimento e firmeza que dissesse o que tinha que fazer.E a partir daí, de uma maneira ou outra eu passei a comandar o espetáculo. A frase que me atribuem (“Eu não sou juiz”), é verdade, mas eu tinha conhecimento e alem disso tinha poder porque sabia que todo o Exército Brasileiro estava atrás de mim; Eles estavam preparados para isso;E outra coisa: nós queríamos que este Pais desse uma demonstração para o mundo de que era um país que estava se organizando. Quem estava no jogo, na arena, naquela hora, é quem tinha que resolver É como quem tem que fazer o gol; não adianta a arquibancada berrar “Passa para o fulano”. Quem estava na arena era eu. O resto tudo é fantasia.
O TELEFONEMA
Geneton – É verdade que o Senhor praticamente obrigou o Vice-Presidente Sarney a assumir a Presidência no lugar de Tancredo Neves, que estava doente?
Leônidas – A palavra “que eu obriguei” não cabe no termo. Eu apenas, nos episódios que antecederam esta conversa pessoal com o Presidente, eu disse a ele que era uma obrigação constitucional que ele tinha de assumir, é completamente diferente. Ele assistiu ao episódio no Hospital e sabia que minha argumentação tinha sido jurídica. Alguém pode ficar surpreso que eu tinha conhecimento jurídico, e sempre gosto de alertar uma coisa:pode ser inusitado mas foi real; quando fiz o curso da Escola Superior de Guerra, diferentemente do que todos os militares preferem, não fiz tema militar. Eu escolhi o modelo político para o Brasil. Eu não era nenhum jurista, mas era conhecedor do assunto; todas as Constituições brasileiras desde 91 até 69, porque até propus mudanças nela no meu trabalho.
Geneton – O Senhor poderia reconstituir exatamente que dialogo teve com o Vice José Sarney na noite da doença do Presidente Tancredo Neves?
Leônidas – Telefonei para ele de madrugada e ele me disse assim “Leônidas, estou muito constrangido amanhã de assumir sem o Presidente Tancredo Neves”. E eu disse: “Sarney, deu muito trabalho organizar todo este evento para amanhã e está previsto de acordo com a Constituição que você assuma e portanto seu argumento acho que não vale. Boa noite,Presidente”. Meu propósito foi atingir que naquele momento ele se deu conta de que era o Presidente da República. Eu já tive funções de destaque, e não é brincadeira você receber uma responsabilidade de Ministro de Exercito ou da Justiça, e de Presidente da Republica? É um choque, principalmente quando não estava previsto, como era o caso dele. Agora,a minha palavra, “Boa noite, Presidente” Psicologicamente condicionou o cérebro dele  para ele dizer: Eu sou o Presidente.
Geneton – Logo no inicio da Nova República, quando o Senhor era o Ministro do Exército,o General Newton Cruz foi preterido numa lista de promoções.Quem tomou exatamente esta decisão, que tinha um óbvio componente político?
Leônidas – Todo mundo sabe que a promoção ao generalato é feita no Alto Comando.
Ex-Chefe da Agencia Central do Serviço Nacional de Informações, o SNI, e ex-Comandante Militar do Planalto, o General Newton Cruz deixou de ser promovido na primeira reunião realizada pelo Alto Comando do Exercito, depois do fim do regime militar, em março de 1985,
 
Leônidas – E eu sempre digo uma coisa que pouca gente sabe: a única oportunidade que o Alto Comando não é submetido ao comando do Ministro é nesta oportunidade; ele é um colegiado.
Geneton – Mas o Senhor teve alguma participação no fato do General ter sido preterido?
Leônidas – Nenhuma.
Geneton – Mas ele atribui ao Senhor…
Leônidas – Você acha que eu não conversava com um e com outro, em almoços… “Esse Newton é um maluco, isso é coisa que o Newton faça”, e tinha plena certeza de que o conceito dele estava muito abalado.Ele não teve voto nenhum. Zero voto, ele não sabe disso e eu nunca contei para ele. Dos treze generais, ele teve zero voto. Ninguém votou nele, agora ele atribui isso a mim. Deixa ele atribuir a mim se lhe faz bem, mas é uma injustiça.O que acontece é o seguinte: todos os generais têm uma característica; agora, o quatro estrelas tem que ter algo mais, indefinível, mas um algo mais de equilíbrio, de grandeza, de visão.Quando nós fomos fazer um quatro estrelas, estas coisas entram em baila…Se o Presidente Tancredo pediu para  não promover, começa que eu não admitiria um pedido destes: “presidente, esse problema é meu. Depois, se o Senhor quiser não o promove quando ver a lista, mas eu mexer a priori, não mexo, não”. Sabe qual foi a troca de opiniões entre o Presidente Tancredo na antevéspera da posse teve comigo? Eu perguntei para ele assim: “presidente, alguma diretriz para o Exército?” E ele disse: “Ministro, o Exército Brasileiro está em suas mãos”. Pode botar, que são palavras textuais; o Exercito Brasileiro está em suas mãos.Um homem que diz isso vai pedir para não promover alguém?
Geneton – O regime militar acabou há 25 anos. Historicamente, o que vai ficar da imagem das Forças Armadas daquele tempo?
Leônidas – Sempre se diz que a Historia chega à verdade. Então ela vai chegar à seguinte conclusão: o regime militar salvou o Brasil de se tornar uma republica sindicalista comunista, criminosa e assassina, para depois de muita luta desaguar na democracia que temos agora. Digo isso com a maior convicção.