ABI festeja o centenário de Raul Ryff


26/08/2011


O centenário de nascimento do jornalista Raul Ryff foi homenageado em evento especial realizado na noite desta quarta-feira, dia 24, na ABI, com a participação de parentes, amigos e admiradores do ex-Secretário de Imprensa do Governo João Goulart, que foi lembrado como companheiro leal e solidário e exemplo de lisura e seriedade.
 
Formaram a mesa de honra da cerimônia o Presidente da ABI, jornalista Maurício Azêdo, o ex-Governador Marcello Alencar, o ex-Senador Saturnino Braga, os filhos de Raul Ryff, Tito Bruno Bandeira Ryff e Luiz Carlos Bandeira Ryff, a socióloga e ex-nora de Raul Ryff, Maysa Machado, a viúva do ex-Presidente Jango, Maria Thereza Goulart e sua filha Denize Goulart, o cineasta Silvio Tendler, Diretor do documentário “Jango”, e o ex-Deputado Eduardo Chuay, amigo do homenageado.
 
Na abertura da solenidade, após a execução do Hino Nacional, o Presidente Maurício Azêdo falou sobre a importância da homenagem:  
—Gostaria de agradecer a honrosa presença de todos que estão aqui para aplaudir esse jornalista extraordinário que foi Raul Francisco Ryff, um modelo de competência profissional, de clarividência política e, sobretudo, de coerência com as idéias que agasalhou desde a sua juventude no Rio Grande do Sul.
 
O ex-Governador Marcello Alencar, que convidou Raul Ryff para o cargo de Secretário Extraordinário durante a sua gestão na Prefeitura do Rio de Janeiro, no início da década de 80, declarou seu carinho ao ex-companheiro e amigo:
—Em 1982, Leonel Brizola me convocou para ocupar a presidência do Banerj. A minha primeira preocupação foi formar uma equipe e convidei Raul Ryff para ser meu Secretário. Este homem é uma referência neste momento de tantas situações negativas no quadro político. Vemos em Ryff um símbolo de seriedade e notável presença nos acontecimentos mais graves da nação. Ele é uma referência nacional pelas características de fidelidade que demonstrou ao longo da vida.
 
A convivência íntima de Raul Ryff com João Goulart foi outro aspecto destacado por Marcello Alencar:
—Ele era o homem, talvez, de maior confiança do Presidente Goulart. Seu comportamento ético e sua presença enobreciam os ambientes. Hoje é um dia justo com a memória deste homem, que merece estar no quadro dos grandes cidadãos brasileiros. Deixo aqui a expressão de minha saudade, e gostaria que vocês todos comungassem desse meu sentimento.
 
Tito Ryff também comentou a relação do pai com o ex-Presidente João Goulart, cuja relevância histórica, em sua opinião, muitas vezes foi subestimada:
—Não há personalidade política e histórica mais injustiçada do que o ex-Presidente João Goulart. Está na hora de resgatarmos a sua memória. Gostei muito da frase que dá título a esta cerimônia: “Um companheiro fiel”. Raul Ryff foi amigo fiel de João Goulart porque ele era fiel ao seu compromisso com o povo, com as suas convicções e com os ideais de uma sociedade. O País deve muito aos seus jornalistas, à sua imprensa. Jornalistas não só aqueles de esquerda que queriam a transformação social do país, mas jornalistas liberais, conservadores sumiram as fronteiras da liberdade e da democracia, para combater a ditadura que se implantou nesse País, e, até hoje a ABI é de sua história política e social um exemplo de instituição que serviu aos maiores ideais da nação brasileira. Ulisses Guimarães disse certa vez que tinha nojo e ódio das ditaduras. Nós devemos ter ódio e nojo das ditaduras porque não há valor mais supremo do que o valor das liberdades, de modo que para nós o fato desta solenidade ocorrer na ABI é motivo de especial satisfação e contentamento. Celebramos a memória de Raul Ryff, que estaria fazendo hoje 100 anos se estivesse vivo. Gostaria que essa celebração não fosse uma comemoração em torno da pessoa ou dos valores, ou exclusivamente da pessoa ou da figura do Raul Ryff, mas que fosse para todos nós uma forma de celebrar as conquistas que tivemos a duras penas, a conquista da liberdade, conquista da democracia.
 
O ex-Senador Saturnino Braga, conviveu com Raul Ryff quando esteve à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro:
—Convivi diretamente com Raul Ryff durante aqueles anos na Prefeitura. Todo fim de tarde ele vinha conversar comigo sobre as notícias que deveria encaminhar à imprensa, e essa conversa sempre versava sobre fatos da história do nosso País e personagens da história de nosso País. Raul Ryff era da geração de meu pai, aprendi muito com sua retidão, sua ética, sua lealdade e seus princípios. Ele é absolutamente digno desta homenagem que a ABI e todos nós está prestando.
 
Saturnino Braga sublinhou também a admiração que Raul Ryff nutria por João Goulart:
—Raul Ryff dizia que Jango era um democrata, que Jango gostava de ouvir o trabalhador, de escutar o povo, de sentir e atender o pensamento e a verdadeira vontade popular. Ele distinguia o Jango das demais lideranças por esta característica única e isto vinha de uma forma afetiva.
 
Maria Thereza Goulart e sua filha Denize Goulart se revelaram felizes em participar da solenidade na ABI.
—Com muita honra estou aqui neste momento homenageando uma pessoa que foi de grande importância na nossa vida, que foi um grande amigo do meu esposo em todos os momentos, uma grande figura brasileira e um grande amigo, disse Maria Thereza.
 
Denize recordou a dedicação e a solidariedade de Raul Ryff:
—Não foi só no momento de governo, mas também nos momentos mais difíceis do exílio, Ryff era um amigo que esteve sempre presente e isso era um dos motivos pelos quais meu pai sempre acreditou naquela amizade. Eu também tive a honra e o privilégio de manter essa amizade depois que voltei ao Brasil. O Raul sempre manteve contato conosco e com a família.
 
Amigo da família, Eduardo Chuay assinalou o papel de Raul Ryff na reconstrução da imagem de Jango:
—Eu jamais encontrei uma pessoa com a honradez, a dignidade e a discrição de Raul Ryff. Comentava-se muito sobre o quanto Jango era mal visto. Entre 1964 e 1978, e em 1982. Raul ajudou a recuperar a verdadeira imagem de João Goulart.
 
Raul Ryff também foi lembrado pelo seu carisma e pela disposição em colaborar com os amigos.
—Ele sempre procurou ajudar as pessoas para que elas progredissem. Ele gostava de ver as pessoas se desenvolvendo profissionalmente, tendo uma vida mais digna, disse Luiz Carlos Ryff.
 
Tito Bruno Ryff complementou:  
— Nosso pai nos ensinou vários exemplos importantes, um desses era o da tolerância. Ele era um homem que não procurava impor suas convicções a ninguém. Ele as tinha firmes, mas jamais procurou impô-las a outros ou fazer com que elas prevalecessem em qualquer debate ou discussão. Ele respeitava a opinião dos outros, ainda que não fosse exatamente a sua.
 
Presente à cerimônia, o neto Luiz Antônio Ryff falou sobre a influência do avô em sua vida:
—Tive a oportunidade, a honra e a felicidade de conviver com meu avô. Passei a adolescência com ele. Fui morar com ele aos 10 anos, e era uma relação completamente diferente. Sou o representante da 3ª geração de jornalistas da família, que além do papai Luiz Carlos, do tio Tito, tinha também o tio Sérgio, que foi jornalista, irmão mais velho do Tito e do Luiz Carlos, e que seguiu o Raul. Ele dava livros de vários jornalistas eu para ler, dividia os jornais todos os dias comigo, foi me guiando para o jornalismo. Quando ele teve um enfarto pela primeira vez eu tinha 12 anos. No dia em que ele voltou ao Jornal do Brasil para rever os colegas, eu o acompanhei. Quando chegamos lá, foi aquele bafafá com as mulheres todas da redação correndo na direção dele, ficou aquele monte de mulher beijando, agarrando, abraçando. E eu pensei: “É isso que eu quero fazer na vida!” Vovô era uma pessoa extremamente sedutora, muito querida pelas pessoas. Sou herdeiro desse carinho que o meu avô construiu na vida dele. Enquanto há memória, a pessoa sobrevive.
 
O fotógrafo Evandro Teixeira, companheiro de Raul Ryff no Jornal do Brasil, descreveu a longa amizade com Ryff:
—Trabalhei durante muito tempo com ele no Jornal do Brasil, era uma pessoa maravilhosa, era o mais querido da redação, principalmente entre as mulheres. Na pesquisa, então, ele era louvado, aplaudidíssimo. Naquela época, o Governo dava ao jornalista o direito de adquirir um apartamento com uma assinatura do Presidente da República, e com essa assinatura você tinha o privilégio de comprar um apartamento sem entrar na fila da Caixa Econômica. E isso eu devo ao Raul Ryff, que um dia me disse: “Evandro, está na hora de você comprar o seu apartamento. Faz uma carta que eu vou conversar com o Jango. Uma semana depois eu estava com o apartmento comprado. E  isso eu devo ao Jango, ao Ryff, especialmente. Sinto saudades do Ryff, porque ele foi um dos maiores jornalistas com quem eu convivi e trabalhei. Esta é a minha homenagem ao Raul Ryff.
 
A jornalista Leda Nagle também detalhou sua convivência com Raul Ryff no início da carreira:
—Conheci Raul Ryff no meu 1º dia de estágio. Ele foi a primeira pessoa a prestar atenção em mim, a falar comigo. Porque estagiário ninguém vê, e ele me tratou como gente, falou comigo carinhosamente e me convidou para almoçar no primeiro dia. Era uma pessoa encantadora, me contou várias histórias ao longo dessa convivência maravilhosa.
 
Silvio Tendler acentuou o aspecto bem-humorado da personalidade de Raul Ryff:
—A gente não pode esquecer o lado do Raul absolutamente contador de histórias, sempre resolvendo as situações mais dramáticas com humor. Quando ele voltou do exílio, desembarcou no Galeão e seguraram ele para prestar depoimento na Praça Mauá. Chegando lá, o escrivão não podia pegar o depoimento porque tinha esquecido os óculos em casa, na Penha. “Vai lá que eu te espero aqui, disse o Ryff para ele. Enquanto fazia hora, o delegado comentou com Ryff: “Doutor, o senhor não sabe o que fizeram com o nosso Flamengo neste período em que o senhor estava fora! Ryff era um grande contador de histórias nas adversidades.
 
Maysa Machado lamentou a ausência de Raul Ryff:
—Eu não fui apenas nora do Raul, fui também companheira de militância, porque a visão que a gente tem é completamente diferente de quem não se doa. Nós vemos como as pessoas se entrelaçam nessa necessidade contemporânea que temos de respeitar alguém que tem uma vida pública. O Raul preenche esse vazio que existe na expectativa de cada um de nós.
 
Antes de encerrar o evento, Maurício Azêdo sublinhou o papel de Raul Ryff na imprensa e na política nacional:
—Gostaria de aduzir, além dos depoimentos políticos e de caráter pessoal que foram feitos, algo estritamente profissional com vinculação com a ABI e com o movimento dos jornalistas no Rio de Janeiro e no Brasil. Lacerda ia para a televisão e tinha como referência o comunista Raul Francisco Ryff, um dos jornalistas mais atacados pelas suas convicções políticas, por sua filiação ideológica e adesão ao Partido Comunista Brasileiro ainda nos anos 30, em seu estado natal no Rio Grande do Sul.
 
Sobre a formação ideológica de Ryff, Maurício acrescentou:
—Quando Ryff veio para o Rio de Janeiro ele se vinculou ao Grupo Democrático de Jornalistas do Rio de Janeiro, que era um grupo muito forte e também muito expressivo do ponto de vista intelectual, um grupo que reunia, entre outros, Samuel Wainer, Moacyr Werneck de Castro, Rubem Braga, além dos intelectuais e artistas que transitavam no entorno, como Di Cavalcanti, que era presença constante nas comunicações da época, entre as quais a Revista Diretrizes que Samuel Wainer criou e foi o embrião de um arrojado projeto de jornalismo que ele desenvolveria 20 anos depois através da criação do jornal Última Hora.
 
Maurício pontuou também as dificuldades para os jornalistas que se declaravam comunistas:
—Com esse perfil ideológico com que desembarcou no Rio de Janeiro, Raul Ryff sempre esteve na ordem dos reacionários, dos controladores e dos anticomunistas, alguns dos quais babavam com seu ódio contra os comunistas. Nessa época, o meio profissional dos jornalistas no Rio de Janeiro, apesar desses que eu mencionei, do ponto de vista da grande imprensa era muito fechado para quem era de esquerda e tinha idéias comunistas. Lembro que no começo de profissão nos anos 50, no final dos anos 50, nós sabíamos de cabeça que na redação do jornal O Globo só havia 2 comunistas: o jornalista Lupicínio de Castro, que por uma das muitas contradições positivas do Roberto Marinho era Secretário do jornal, e João Antônio Mesplê, que foi um dos mais atuantes da imprensa brasileira e do movimento dos jornalistas.
 
Ainda sobre a ligação de Raul Ryff com o Partido Comunista e o sindicalismo, Maurício comentou:
—Ryff vinculou-se desde então ao grupo de jornalistas do Partido Comunista Brasileiro, e teve um papel fundamental na organização dos jornalistas, do ponto de vista de defesa profissional, a partir dos anos 30. O sindicato mais antigo de jornalistas do Brasil foi o Sindicato do Rio de janeiro, fundado ainda no começo dos anos 30, que tinha entre os seus fundadores alguns nomes destacados da imprensa na época como o iniciante Eduardo Lins e Silva e o já reconhecidamente talentoso Carlos Lacerda, entre outros. Ryff se sobressaiu em termos de dedicação para atrair jornalistas à organização sindical profissional, como o  já citado João Antônio Mesplê, o Fernando Segismundo, o Carlos Alberto Costa Pinto, todos devotados à causa da organização dos jornalistas para que eles não fossem presas fáceis da política do patronato da imprensa e também da sufocação que poderiam sofrer na defesa de suas idéias.
 
Maurício finalizou reafirmando os valores de vida do jornalista:
—Entre outros motivos, esta homenagem a Ryff é realçada por essa sua participação e para a honra da ABI, que o tem como um jornalista exemplar do ponto de vista daquilo que nós pusemos neste banner: competência, desambição e sobretudo lealdade, porque foi muito difícil durante mais de 25 anos as pessoas manterem a lealdade às suas próprias idéias e aos seus companheiros e contemporâneos. É esse Ryff que com muito orgulho a Associação Brasileira de Imprensa evoca e homenageia nesse ano de seu centenário.