Konder: Valor da imprensa é sua diversidade


22/12/2010


Em entrevista a revista Abigraf, órgão da Associação Brasileira de Indústria Gráfica/Seção de São Paulo, o jornalista Rodolfo Konder, Diretor da Representação da ABI em São Paulo, apontou a multiplicidade da imprensa como essencial para a liberdade de informação e de manifestação política. É no conjunto, disse, que a imprensa desempenha esse papel.
        
As declarações de Konder, entrevistado pelas repórteres Ada Caperuto e Tainá Janone, foram publicadas na edição comemorativa dos 35 anos da Abigraf, número 250, novembro-dezembro de 2010, em texto sob o título “Imprensa livre é garantia de aprimoramento social”, aberto com informações sobre a trajetória jornalística e literária do entrevistado. Diz a matéria:
 
“Com 45 anos de dedicação ao jorna­lismo, Rodolfo Konder é atualmen­te diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em São Paulo e conselheiro do Museu de Arte de São Pau­lo (Masp). Aos 72 anos de idade, ele acumu­la a experiência como secretário municipal da Cultura, de 1993 a 2000; como membro do Conselho da Fundação Padre Anchieta e da diretoria da Bienal de São Paulo; e Pre­sidente da Comissão Municipal para as Co­memorações dos 500 anos do Descobrimen­to do Brasil. Autor de 21 livros e merecedor do Prêmio Jabuti (Câmara Brasileira do Li­vro) de 2001 com a obra Hóspede da Solidão, Konder lançará em dezembro o livro Nos­so Rio Marrento e Torturado, no qual regis­tra todas as experiências políticas de confli­to com a ditadura durante o regime militar e conta suas experiências em dois períodos de exI1io, fuga, prisão e tortura.
 
Com passagem por revistas como Reali­dade, Visão, IstoÉ e Época. ele foi colabora­dor do jornal O Estado de S. Paulo durante dez anos e atuou em diversas emissoras de rádio e de televisão, ocupando, por quatro anos, o cargo de editor-chefe e apresenta­dor do Jornal da Cultura, da TV Cultura. Tes­temunha ocular da história do jornalismo, Konder acompanhou a evolução da profis­são e de toda a mídia. Ele empresta sua am­pla visão para falar sobre o momento atual da imprensa brasileira aos leitores da revis­ta Abigraf, em uma entrevista que aborda a mídia segmentada, o futuro dos periódicos impressos e a criação de conselhos estaduais de fiscalização da mídia.”
 
A seguir, reproduzimos a entrevista:DIV>

 
 
AbigrafNo final de outubro deste ano, seguindo o exemplo do Ceará, mais três Estados da Fe­deração anunciaram que se preparam para implantar conselhos de comunicação com o propósito de monitorar a mídia, seguin­do a recomendação da Conferência Nacio­nal de Comunicação, realizada em 2009, por convocação do Governo federal. Qual a sua posição sobre isso?
Rodolfo Konder — Eu tenho esboçado posição completamente contra a criação desses con­selhos. Muitas pessoas que são a favor, em busca de uma justificativa, costumam cri­ticar a atitude de um ou outro veículo. São argumentos sempre parciais. Ora, não in­teressa o que fez um ou o outro. O valor da imprensa, sua importância, está na multi­plicidade. É no seu conjunto que a imprensa desempenha o papel essencial de preserva­ção da liberdade de informação e de mani­festação política. Existem órgãos da impren­sa que são mentirosos, que não têm ética, mas existem outros que são corretos, que têm compromisso com a ética e com a ho­nestidade. É do conjunto desses órgãos da imprensa que resulta o espelho onde a so­ciedade se vê refletida. E a sociedade tem traços bons e maus. Se você busca o aprimo­ramento da sociedade, a melhor maneira de fazê-lo é preservar a hberdade de imprensa. Esse aprimoramento social, em toda a His­tória, nunca se deu à custa da liberdade de imprensa. Você não pode querer controlar a mídia. Com a liberdade, você prestigia os órgãos que têm compromisso com a ética e repudia aqueles que não têm.
 

Abigraf
O senhor acredita que a estruturação de conselhos estaduais pode agravar ainda mais a situação, uma vez que cada unidade da Federação terá suas próprias regras?
Konder — A gente sabe que o Governo federal não tem uma visão positiva da imprensa e nem admite críticas a certas posturas. A impren­sa é muitas vezes vista como inimiga por dis­cordar do posicionamento oficial. Em minha opinião existe, sim, uma tentativa de mon­tar um tipo de instrumento para controlar os meios de comunicação, com o objetivo mesmo de fiscalizar e controlar as manifes­tações contrárias aos interesses do Estado. Mas este é um caminho que não engana e as pessoas percebem o que estão tentando criar. Perceberam antes, quando a iniciativa tinha base no plano federal, haja vista que o próprio Governo tinha se comprometido a encaminhar ao Congresso um plano nacio­nal de direitos humanos que envolve o controle da imprensa. Ou seja, já houve uma tentativa de impor um instrumento que pre­vê o controle oficial da imprensa, mas que não avançou porque a opinião pública, a im­prensa e mesmo alguns representantes do meio político não permitiram. Ao que me parece, com os conselhos estaduais, exis­te a possibilidade de criar-se uma rede que, futuramente, se consolide nacionalmente.
 

Abigraf
E qual é a posição oficial adotada pela ABI em relação a esse assunto?
Konder — Na ABI-SP, tanto eu como meus colegas conselheiros pensamos do mesmo modo. Todos temos essa preocupação de não fa­zer concessões no que se refere à liberdade de imprensa. Ontem mesmo [26 de outubro] estive com o Mauricio Azêdo [presidente da ABI] e posso dizer que a posição dele é de critica no que se refere à criação desses conselhos. Não aceitaremos qualquer forma de prejuízo à liber­dade de imprensa.
 
AbigrafComo a ABI tem se po­sicionado em relação à não exigência de diplo­ma para exercer a ativi­dade de jornalista?
Konder Eu me tornei jornalis­ta em 1965, quando voltei do primeiro exílio. Eu não tinha diploma, mas sabia ler e escrever. Fui trabalhar na [agência de notícias] Reuters. Naquela época, com dois anos de exercício profissio­nal era possível obter o registro de jornalis­ta, então tirei o meu. Sou jornalista profis­sional, mas não tenho diploma. Entretanto, o diploma foi um avanço e uma conquista na história do jornalismo. No final de 1968 vim trabalhar em São Paulo, “empurrado” do Rio de Janeiro pelo AI-5, para trabalhar na revis­ta Realidade. Pouco tempo depois me tornei professor de Jornalismo na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). A existência dos cursos é algo muito positivo, dá densi­dade à profissão, coloca-a em outro patamar. Nesse sentido, nós da ABI somos favoráveis à exigência do diploma.
 

Abigraf
 — Falando sobre tendências da mídia, o jor­nalismo segmentado vem crescendo nos últimos anos, algo que pode ser confirma­do pelo incremento no número de revistas e também de jornais para públicos específicos. Qual é sua opinião sobre esta tendência?
Konder Este processo de especialização cada vez maior, com o surgimento de uma visão fo­cada, é inevitável e positivo, mas com uma condição: que não se perca o aspecto global das coisas. Não podemos deixar de prestar atenção ao noticiário geral, pois é nele que se pode encontrar as respostas para muitas das indagações sociais. É no jornalismo co­tidiano e amplo, praticado com democracia e liberdade, que se encontram as respostas para estes questionamentos. E se você não tem essa liberdade de expressão no jornalismo geral, se a imprensa é controlada, isso se reverte em todos os órgãos, prejudicando até a mídia segmentada.
 

Abigraf
Nos últimos anos, com o au­mento do poder aquisitivo das classes C e D, vem ocor­rendo uma expansão no nú­mero de títulos dos chamados jomais “populares” com con­teúdo mais apelativo. Como o senhor enxerga este momento dos jornais impressos?
Konder A violência e o erotismo atraem certos tipos de leitores. Como eu dis­se, a visão global que devemos ter é: a im­prensa é uma espécie de espelho no qual a sociedade se vê refletida; se a socieda­de tem coisas boas, estará lá [na mídia], se não tem, não estará. Mas a nossa imprensa é marcada pela heterogeneidade: há órgãos que são muito éticos e outros que exploram esse viés apelativo, muitas vezes sem ne­nhuma ética. Cabe a nós prestigiar aqueles que trabalham com seriedade.
        
 
AbigrafOutra tendência em crescimento é a de jor­nais diários gratuitos. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de veículo?
Konder Eu tenho certo cuidado com as coisas que vêm de graça. Temos que nos pergun­tar o que está por trás disso. Em tudo o que é grátis, sempre existe por trás o interesse publicitário ou de alguém que está patro­cinando e certamente quem paga é quem se beneficia. O compromisso maior não é com a notícia, mas sim com a publicidade. O jornal se torna uma alternativa viável de informação para quem não tem dinhei­ro para comprar um periódico de gran­de circulação. Esse tipo de imprensa não pode, evidentemente, substituir a grande mídia. Os cidadãos têm que estar sempre informados, procurar todas as mídias, rádio, TV, revista e jornal, para encontrar as informações necessárias. /DIV>

 

Abigraf
O Jornal do Brasil recentemente deixou de produzir a sua versão impressa. Como o se­nhor vê o encerramento da circulação de um dos mais antigos e respeitados órgãos de imprensa do País?
Konder Vendo as coisas em um plano maior, a verdade é que vivemos um processo de transformação, o qual devemos procu­rar acompanhar, pois tem havido muitas mudanças e isso traz benefícios e riscos.  
 
 
Abigraf — O senhor acredita que o jornal impresso poderá deixar de existir no futuro?
Konder Eu tenho 21 livros publicados, em de­zembro sairá o 22º, já traduzi seis livros, pre­faciei vários outros e minha vida como jor­nalista tem relação direta com a literatura. Quando vim trabalhar em São Paulo esta­va vivendo uma experiência singular entre o casamento do jornalismo e da literatura. A revista Realidade seguia o estilo new jor­nalism, que era justamente essa junção e foi isso que abriu as portas para eu me tor­nar escritor. Eu me identifico muito com o livro impresso, que, para mim, é um obje­to de ternura e carinho. E ele não vai de­saparecer. O digital vem para somar e não para eliminar; não significa que o papel será substituído pelo eletrônico. O processo di­gital vem para transformar, para acrescen­tar e é inevitável. Nós estamos vivendo um momento em que “o presente está em de­clínio, o presente está só”, como diria Jorge Luis Borges. As pessoas estão desligadas do passado, do conhecimento, da História e do processo que nos trouxe aqui Por isso tam­bém estão desligadas do futuro, porque não têm mais utopias. A maioria das pessoas não tem sonhos, não persegue uma estre­la. Estamos vivendo um período complica­do. Os jovens estão aprisionados porque ig­noram o passado e não planejam o futuro. E a imprensa é um dos pontos possíveis de recuperação e salvamento.