A modernidade do cordel em exposição


11/07/2008


“O cordel veio da Europa/ no fim do século passado/ no Nordeste do Brasil/ ele foi bem implantado/ e os poetas conseguiram/ com ele bom resultado.”

Traduzido nos versos do xilogravurista e cordelista José Francisco Borges — ou J. Borges, reconhecido aqui e no exterior como o maior gravador popular do País —, o universo do cordel é o tema da exposição que estréia nesta sexta-feira, 11 de julho, e segue até o dia 10 de agosto no Instituto Cultural Banco Real, na Avenida Rio Branco, 23, em Recife, Pernambuco. Com curadoria de Franklin Pedroso e Pedro Vasquez, a mostra “O universo do cordel” reúne 2.500 obras do gênero, vindas de várias regiões do Brasil.

Nos módulos Arte Popular, Cordel e Multimídia, o visitante vai encontrar desde objetos e vitrines com matrizes de cordel a vídeos que, produzidos por Daniel Zarvos e pela Universidade de Brasília, detalham a técnica do cordel e a importância da arte como manifestação cultural e educativa.

Nordestinos amadores

De J. Borges, os cariocas Franklin Pedroso e Pedro Vasquez ganharam o apelido de “nordestinos amadores”. Pesquisadores e entusiastas da cultura popular do Nordeste, os curadores apresentam no Recife uma nova leitura para a exposição, exibida há alguns anos no Rio e em Vitória:
— Uma das novidades é uma peça multimídia que brinca com as capas dos cordéis, fazendo animações e simulações, num verdadeiro jogo de imagens com recursos tecnológicos — explica Franklin.

A abrangência cultural do tema norteou o trabalho da curadoria:
— A exposição tem vários níveis de leitura. Existe o aspecto da informação e o puramente plástico. A parte multimídia faz uma interpretação moderna dessa linguagem centenária do cordel, além de trazer dois vídeos produzidos especialmente para a exposição no Recife. O cordel é sempre algo novo — diz Pedro.

Todo o material exibido na exposição — que segue ainda este ano para Buenos Aires — foi adquirido pelos curadores em extensas pesquisas e garimpagens por mercados e feiras em todo o País, inclusive na de São Cristóvão, reduto da cultura nordestina no Rio de Janeiro, concentradora de um grande número de cordelistas fora do eixo Pernambuco—Paraíba—Ceará:
— Ali está a sede da Academia Brasileira da Literatura de Cordel (ABLC), mas ela não é muito freqüentada pelos cariocas em geral — lamenta Pedro. — No Nordeste, porém, o cordel está enraizado nos hábitos do povo. Desde a infância todo mundo convive com essa arte. Até durante a montagem da exposição as pessoas envolvidas na obra paravam para ver e diziam coisas como: “Olha, eu conheço este cordel aqui, meu pai costumava comprar.” 

Para aqueles que ainda não se sentem tão familiarizados com o tema, os curadores se preocuparam em contextualizar histórica e artisticamente o cordel:
— Trouxemos algumas peças da arte popular, cerâmicas e esculturas do Mestre Vitalino, de Manuel Eudócio, tudo que tem relação direta com o que está sendo tratado ali, nas histórias do cordel, para que as pessoas visualizem e relacionem as informações — diz Pedro.

Entusiasmado, ele reafirma que a exposição revela que o cordel encontra a cada dia novo fôlego, adequando-se aos novos tempos via informática e internet. Estima-se que já foram publicados até hoje mais de 100 mil títulos diferentes — e o número não pára de crescer.

História

A literatura de cordel se insere no contexto da poesia popular, impressa e divulgada em folhetos ilustrados com o processo de xilogravura. Ganhou o nome de cordel por ter os pequenos livros amarrados em cordões que são estendidos em pequenas lojas de mercados populares ou até mesmo nas ruas.

A arte foi trazida para o Brasil, na segunda metade do século XIX, pelos portugueses. Aos poucos, foi se tornando cada vez mais popular, tendo hoje grande visibilidade e ressonância na região Nordeste.

De custo baixo, muitas vezes os pequenos livros são vendidos pelos próprios autores. O sucesso do cordel deve-se muito ao humor com que retrata fatos da vida cotidiana do povo e de sua região. Entre os principais assuntos estão política, festividades, seca, cangaço, brigas, milagres e morte de personalidades. Muitas vezes os poemas são recitados em praças e ganham acompanhamento de violas.

A métrica mais empregada na literatura de cordel é a sextilha, com versos de sete ou cinco sílabas. A forma mais complexa é a décima, existindo também folhetos com sete versos. Contudo, nenhum desses esquemas é fechado, já que o cordel se renova continuamente, inclusive combinando sextilhas com décimas e efetuando outras inovações similares em sua estrutura.

Um dos maiores poetas da literatura de cordel foi Leandro Gomes de Barros (1868-1918). Coube a ele a primazia da impressão dos folhetos, em 1889, e a edição dos primeiros impressos por conta própria, em 1893. José Alves Sobrinho, Homero do Rego Barros e Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), também fazem parte da lista de famosos cordelistas.

Vários escritores nordestinos foram influenciados pela literatura de cordel, com reflexo em suas obras, como Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e José Lins do Rego.