Tradutor condena a reforma ortográfica


13/02/2009


Em e-mail enviado a quase 20 instituições culturais e ao próprio guardião da reforma, acadêmico Evanildo Bechara, o tradutor, revisor e intérprete José Ignácio Coelho Mendes Neto condenou o Acordo Ortográfico ora em implantação, por ele definido como “iniciativa funesta”. Radicado em São Paulo, 30 anos, José Ignácio é tradutor de francês, inglês, espanhol e alemão. 

Na mensagem, dirigida à ABI, à Academia Brasileira de Letras e à Sociedade Brasileira de Filosofia, entre outras instituições, Ignácio cita uma das incongruências da reforma: “Como se explica para uma criança ou pessoa que aprende o português que não se diz “baléia” ou “seréia”, se “ideia” não leva acento?” 

Seus argumentos foram expostos na seguinte mensagem:
 
“Sou tradutor e revisor e venho por meio desta manifestar minha indignação com a aprovação do AO. Espero que esta instituição tome posição contrária a essa iniciativa funesta, pelos seguintes motivos:
 
1 – A língua não se faz por meio da lei. Deviam deixar isso a cargo dos usuários e estudiosos da língua. 

2 – Se é para legislar sobre o idioma, que se cristalizem na lei os usos consagrados, e não normas artificiais e estranhas ao país e aos usuários. 

3 – Os motivos apresentados são obscuros ou escusos. Primeiro, o da suposta unificação, que não ocorre porque o AO cria mais diferenças por causa de grafias alternativas e facultativas. 

4 – Segundo motivo ilusório, o da projeção internacional do português: outras línguas alcançam projeção sem terem ortografia unificada, porque na verdade essa projeção depende de fatores extra-lingüísticos, como o poder econômico ou o desenvolvimento institucional e cultural do país. 

5 – Terceiro motivo falacioso, o da simplificação ou facilidade: ninguém aprende uma língua por ser mais fácil que outra, e na verdade o AO acrescenta dificuldades ao permitir mais grafias alternativas e ao retirar elementos diferenciadores importantes (acento agudo nas vogais abertas, acento diferencial, trema). 

6 – Só para citar alguns problemas criados para o português do Brasil:
 
– como se explica para uma criança ou pessoa que aprende o português que não se diz “baléia” ou “seréia”, se “ideia” não leva acento?
– como se explica que o carro não “engüiça”, se a “linguiça” não leva trema? 

Na minha opinião, é extremamente perigoso lançar esse monte de incertezas sobre o idioma, porque passa a impressão de que a língua escrita é totalmente arbitrária, e isso só desestimula o aprendizado. Do jeito que as pessoas no Brasil já têm desprezo pela escrita e pela cultura, só terão mais motivos para se recusar a escrever e pensar com rigor. 

Além disso, é completamente inútil querer intervir na língua desse modo. Só vai criar problemas dentro do país, e nenhuma aproximação com os outros países lusófonos. Só servirá para as editoras e autores oportunistas tentarem ganhar dinheiro com livros de “atualização”. Temos todos muito mais o que fazer do que perder tempo com essas idiotices criadas e impostas pela burrice alheia. Temos muitas preocupações de conteúdo a serem resolvidas e não precisamos de mais um obstáculo formal, desnecessário e prejudicial.”