Luz e sombra sobre o chão do Nordeste


10/05/2007


José Reinaldo Marques
11/05/2007

Nas fotos muito elogiadas do fotógrafo cearense Tiago Santana para “O chão de Graciliano”, o homem é a paisagem e esta é, simplesmente, o pano de fundo. O livro foi lançado em parceria com o jornalista alagoano Audálio Dantas e é uma reconstituição dos caminhos percorridos pelo também alagoano romancista Graciliano Ramos.

Convidado para fazer a apresentação da obra, Joel Silveira destaca o olhar privilegiado de Tiago para capturar a imagem do homem nordestino: “O chão percorrido pelo fotógrafo é o mesmo sobre o qual Graciliano Ramos construiu a sua literatura, mas não é a paisagem, a terra quase sempre dura e seca, que Tiago recolhe em sua câmera; o que ele registra é o homem que nela vive, sobrevive ou dela se retira quando de todo perde a esperança.”

O impacto das fotos em Audálio ficou registrado no texto da contracapa do livro: “O chão é vário. (…) Aqui, transposto numa síntese esculpida em luz e sombra por Tiago Santana, cujo olhar, intermediado pelas lentes fotográficas, captou desse chão o essencial.”

Tiago conseguiu resgatar, com beleza plástica, muitos personagens presentes na literatura de Graciliano Ramos. Para Audálio, trata-se de um trabalho mais do que esteticamente atrativo:
— Em nossas conversas, disse a ele que as fotos deveriam ser interpretativas da realidade sertaneja e ele conseguiu captar essas imagens magnificamente bem.

Para o fotógrafo, foi uma emoção encontrar “os rastros e vestígios da passagem de Graciliano por aquelas terras”:
— Usei o livro “Infância” como inspiração e, percorrendo aqueles lugares, o que mais me marcou foi perceber que o tempo ainda é quase o mesmo. Com exceção das parabólicas, que destoam da paisagem do sertão, o cenário ainda é o que Graciliano viu. O maior desafio foi tentar fazer com imagens o que grande Graça fez tão maravilhosamente com as palavras.

Riqueza visual

Fotógrafo profissional desde 1990, Tiago Santana diz que ter nascido no Crato foi decisivo na escolha da carreira:
— Meu município é vizinho de Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero — minha avó Neli Sobreira o conheceu quando menina e me contava histórias de seus milagres. Então, passei toda a infância e parte da adolescência convivendo com aquele universo visualmente riquíssimo, sempre cheio de romeiros vindos de todos os cantos do Nordeste. A cidade é um celeiro da cultura popular e eu queria mostrar a minha visão, o meu olhar sobre aquele lugar.

Apesar de o pai manter em casa um laboratório preto e branco improvisado, Tiago por muito tempo encarou a fotografia “apenas como uma paixão, não uma profissão”. Aos 14 anos, foi estudar em Fortaleza e, quando entrou para a faculdade, escolheu o curso de Engenharia Mecânica. Até que participar, na universidade, de uma Semana Nacional de Fotografia, evento periodicamente promovido pela Funarte e o Infoto (Instituto Nacional da Fotografia):
— Descobri que existia um grande movimento em torno da fotografia, pessoas discutindo sobre imagens, vendo e analisando a produção brasileira, pensando sobre a linguagem fotográfica. Essas Semanas aconteciam a cada ano em um estado e foram um marco na fotografia do País, pois permitiu o intercâmbio entre profissionais de todo Brasil, resultando em um mapeamento que é, até hoje, o mais rico da produção nacional.

Imersão

Um dos principais objetivos de Tiago atualmente é resgatar o que ele chama de jornalismo de imersão, em que o tempo é elemento fundamental:
— Hoje é cada vez mais raro ver publicados trabalhos assim. A rapidez com que a informação é veiculada é mais importante do que a sua qualidade e o seu conteúdo. Se olharmos para publicações importantes como as revistas Realidade e O Cruzeiro — em que as matérias e fotos eram produzidas com o tempo necessário para o amadurecimento jornalístico —, considero que estamos num retrocesso. Agora, muitas vezes os repórteres nem saem da redação: a apuração é feita pelo celular e as imagens são de arquivo.

Por outro lado, diz Tiago, com a tecnologia digital a produção fotográfica ficou gigantesca:
— Precisamos refletir sobre essa produção e o novo comportamento da mídia impressa. Acredito que esta atitude é fundamental para se pensar o futuro do fotojornalismo.

A abordagem de temas ligados ao homem e seu meio é o que mais atrai Tiago em seu trabalho — e foi esse viés que resultou em obras que incluem “Brasil sem fronteiras”, feito com outros quatro fotógrafos e texto do jornalista Cláudio Bojunga:
— Fazemos fronteira com dez países e esquecemos disso, estamos mais voltados para a Europa e os Estados Unidos e de costas para esses nossos vizinhos com tanta afinidade cultural com a nossa História. A idéia foi pensar a linha de fronteira não como lugar de separação e sim de encontro, troca e mistura.

Sobre arte-reportagem de “O chão de Graciliano”, ele lembra que a proposta seguiu exatamente o caminho oposto ao que se faz hoje na imprensa brasileira:
— Nós nos dedicamos ao máximo em mergulhar no tema, sem pressa, sem pautas fechadas, a fazer uma viagem aberta dentro desse universo fantástico do grande Graça, uma parceria entre texto e foto, cada um com a liberdade autoral necessária a ensaios dessa natureza. Foi muito prazeroso viajar pelos mesmos lugares por que passou esse fantástico escritor brasileiro e poder conviver com outra personalidade alagoana, o Audálio Dantas. Aprendi com ele sobre o Graciliano, sobre o Nordeste, sobre a vida. Agradeço muito a ele por ter acreditado no meu trabalho. Agora, meu grande sonho é continuar produzindo fotos dessa importância, viabilizar mais livros que, acredito, contribuirão para a construção de um olhar sobre as variadas identidades do povo brasileiro. 
 
 


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