“De Cruz Alta ao Irã” presta homenagem a jornalistas


09/02/2021


 

Um livro para jornalistas e para quem quer conhecer os bastidores da notícia. Histórias de um garoto que sonhava sair do interior. Histórias de um profissional durante a ditadura. A vida das redações, que não existe mais, e um amor absoluto pela profissão marcam a trajetória de Gilberto Pauletti.

Aqui, resenhas de quatro grandes jornalistas – Paulo Totti, José Antonio Severo, Geraldo Hasse e Ênio Squeff – narram as aventuras de Gilberto Pauletti que, em suas histórias, presta homenagem a vários colegas e deixa um legado importante para as futuras gerações.

 _______________________________

“De Cruz Alta ao Irã, Memórias de um Jornalista” é o livro de autobiografia do gaúcho Gilberto Lenuzza Pauletti, reconstruindo sua trajetória desde a infância, junto aos avós, pais e irmãs, no interior do rio Grande do Sul, até sua nutrida carreira como repórter, editor, chefe de redação nos maiores jornais do País. É um relato rico, saboroso, o espelho de uma geração de profissionais de imprensa que predominaram no mercado a partir da segunda metade dos anos 1960 . Até a mídia impressa sucumbir no embate comas redes sociais, no Século XXI, foi um mercado profissional muito ativo, que manteve em atividade pessoas de alta qualificação acadêmica, como é o caso de Pauletti, graduado em jornalismo pela Faculdade de Filosofia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pauletti é um exemplo vivo do que foi uma geração de jornalistas que construiu e comandou o noticiário no período mais exuberante desse setor. Nesse hiato que viveu aimprensa escrita, entre a atual mídia destroçada econômica e profissionalmente e sua origem anterior, ligada a interesses, partidos e chefes políticos, houve um período em que os órgãos de comunicação tiveram grande influência, formavam opinião e, principalmente, eram independentes, isentos e razoavelmente imparciais, se comparados aos dias de hoje. Foi o tempo dos grandes veículos de empresas tradicionais e consolidadas, que tiveram forçapara influir no País, antes de serem tragadas pelo turbilhão que veio com a disseminação de informação nas redes sociais. Pauletti relembra aqueles tempos, com sua própria história.

Vale a pena ler, principalmente se o leitor for interessado nesta temática. Em sua trajetória, Pauletti revisita todas essas redações. Ali estão as revistas Veja e Quatro Rodas, os jornais Zero Hora, O Globo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil e Correio Braziliense. A nata da imprensa em papel. Também fala de sua experiência noutro nicho do mercado, como assessor de imprensa no Ministério do Meio Ambiente, na Confederação Brasileira de Volibol, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial e na Petrobrás. Entretanto, não passou pela tevê nem pelas tais mídias sociais de hoje em dia. É um jornalista puro-sangue, no sentido mais claro da palavra. Como integrante dessas redações, Pauletti leva o leitor a grandes matérias que realizou no País e no exterior, com passagens pela Bolívia, Uruguai, Portugal, Alemanha, Itália, Estados Unidos. México, Bélgica e ao longínquo Irã,que está no título da obra

Livro oportuno neste momento em que o combate às fake news é colocado equivocadamente como uma manobra administrativa, quando o que faz falta são jornalistas de primeira linha, tais como Gilberto Pauletti.( José Antonio Severo, jornalista,trabalhou no Correio  Povo, Veja, Gazeta Mercantil. Atualmente Severo trabalha na TV Cultura-SP).

_____________________________________________________________________

 Bastidores da notícia

“A aula era de história geral no colégio estadual Antônio Sepp de Cruz Alta. A professora Hilda Durigon começou a discorrer sobre a Guerra das Rosas,entre os York, rosa branca, e os Lancaster, rosa vermelha. Estabeleceu-se a confusão. A maioria dos alunos descendia dos chimangos, os avós usavam lenço branco; os demais, lenço vermelho, maragatos.

O autor deste livro conclui: O gaúcho “toma partido até em guerras internas da Inglaterra. E o pior, da Idade Média”.

Este não é o episódio mais emocionante das memórias de Gilberto Pauletti. É, porém, característico de seu estilo. Pauletti conta o “causo” em minúcias, mas a conclusão é econômica – uma ou duas linhas – como se quisesse deixar espaço para a controvérsia.

Pauletti já fez de tudo nas mais importantes redações de jornais e revistas do país. Só não foi contínuo ou dono – embora tenha sido dono de um time de futebol. Não estão reproduzidas aqui as grandes reportagens que apurou, redigiu, pautou, emendou, sugeriu, titulou, palpitou. Publicadas, já são História. A preferência são histórias paralelas à grande matéria, o bastidor, a impressão causada pelo estado ou país que visitou a trabalho.

Humilde, registra sem pudor erros que cometeu. Tinha apenas um mês na reportagem do um jornal Zero Hora, de Porto Alegre, quando errou na notícia sobre a condenação de um estudante por um tribunal militar. O diretor do jornal ordenou que ele fosse pessoalmente pedir desculpas a um almirante, que o recebeu aos berros e o tratou como a um grumete nos tempos de antes da revolta da chibata.

Este é um livro de jornalista e deve ser lido por jornalistas. Mas, da infância em Cruz Alta à ginástica que o conserva ágil e espirituoso aos 76 anos bem vividos e também sofridos, há passagens de bom humor, aventura, drama, tragédia familiar de denso e intenso teor humanístico, que fazem desta uma obra digna de qualquer público.Pauletti fez de tudo no jornal. Só não foi dono. Mas foi dono de um time de futebol.

( Paulo Totti, jornalista, trabalhou como editor de O Globo e Gazeta Mercantil e Veja).

 ______________________________________________________________________

Da passeata ao jornal

“Esta é a história de um menino que nasceu em uma pequena cidade do interior, no Rio Grande do Sul, em 1944. Uma cidade em que quase todos se conheciam”. Parece o início de um prefácio escrito por uma terceira pessoa, mas é assim mesmo, sem rodeios, que o jornalista Gilberto Pauletti começa DE CRUZ ALTA AO IRÃ – Memórias de um Jornalista (Já Editores)livro de 208 páginas em que reúne uma centena de causos narrados de forma jovial e bem-humorada, como se ele nunca tivesse deixado de ser o menino citado logo na primeira linha.

Sem dúvida, Cruz Alta pode se orgulhar de ter dado ao Brasil “esse menino”. Desde pequeno ele foi irrequieto. Na adolescência, não escondia o ímpeto de ir embora. Deixou a terra natal aos 18 anos incompletos para estudar em Porto Alegre e, depois de girar por várias capitais, fez do Rio de Janeiro sua morada definitiva.Pauletti ocupa as primeiras 80 páginas do livro contando sua infância e adolescência em Cruz Alta, cujo maior vulto, Erico Verissimo (1905-1975), também partiu cedo para fazer história.

Depois de um portifólio fotográfico que mostra personagens importantes na sua trajetória, ele deixa rolar a segunda parte, um desfile de episódios saborosos sobre sua vida profissional. Antes de começar a trabalhar na imprensa ele foi bancário. No dia de uma passeata estudantil, nos idos de 66, faltou ao trabalho para participar da manifestação duramente reprimida pela polícia. Correndo, na fuga, teve de passar na frente do banco em que trabalhava. Foi demitido no dia seguinte.

A experiência bancária como pesquisador de cartório de protestos serviu de inspiração na escolha do curso superior que Pauletti gostaria de frequentar. “Escolhi o jornalismo porque descobri que gostava de bisbilhotar a vida alheia”, explicou na página 100 do livro. Entrou na UFRGS em 1965. No final de 1967, fez estágio na Zero Hora e foi contratado como repórter, sendo incumbido de cobrir as áreas militar, sindical e universitária.  Barra pesada para um principiante, mas ele conta, sinceramente, o quanto se divertiu na busca da verdade. Um dos seus causos mais longos focaliza a cobertura das manobras militares de Saicã, no meio oeste gaúcho, no final da década de 60,

Em 1968, fez parte do grupo de oito gaúchos selecionados para trabalhar na recém-fundada Veja, “revista semanal de informação” da rica Editora Abril, que ganhava muito dinheiro com revistas infantis (Pato Donald), femininas (Capricho, Claudia), especializadas (Quatro Rodas) e de interesse geral (Realidade).

Entre uma centena de jornalistas treinados durante meses em São Paulo, Pauletti foi destacado para trabalhar inicialmente como repórter em Recife, enquanto os colegas gaúchos foram designados para Porto Alegre (Paulo Totti) e Curitiba (Elmar Bones); ficaram na redação de São Paulo os outros cinco: Caio Fernando Abreu, EnioSqueff, Hélio Gama Filho, José Antônio Dias Lopes e Laerth Pedrosa Jr. Com exceção de Caio Abreu (1948-1996), que morreu consagrado como escritor, todos estão na lida jornalística em algum lugar do Brasil. Alguns já escreveram livros. Pauletti é o primeiro a colocar suas memórias em pé.

É livro fácil de ler porque não se detém em análises ou comentários sobre as tarefas do jornalista ou a missão da imprensa. Ele se satisfaz contando causos envolvendo as mais diversas pessoas – cultas, ignorantes, poderosas ou não, de direita e de esquerda –, com o que deixa claro que o jornalismo gira essencialmente em torno da vida humana. Os próprios fatos falam pelas personagens.

A cada página são citadas duas ou três pessoas envolvidas em algum episódio dramático ou engraçado. Somando todas, temos um elenco de centenas. Tudo verdadeiro e narrado com bom humor, em textos sem firulas — marca de alguns dos melhores veículos em que trabalhou o repórter e editor de Veja, do Jornal do Brasil, de O Globo e da Gazeta Mercantil, entre outras experiências que incluem assessorias de instituições como a Confederação Brasileira de Vôlei e a Petrobras.

Um dos melhores trechos do livro narra a verdadeira história de Pedro Louzada Balaustre, empresário do vale do Taquari inventado por jornalistas de Porto Alegre no auge da ditadura militar, na segunda metade dos anos 1970. Numa finíssima ironia com o “milagre brasileiro” do ministro Delfim Netto, Pedro Balaustre foi apresentado como o chefão do “Grupo Ivanhoé”, formado por várias empresas em que aparecia até a Ivanhopress, especializada em assessoria de imprensa. Após alguns dias, apareceu num jornal de Porto Alegre um convite fúnebre: Pedro Louzada Balaustre tinha morrido… Embora nunca ninguém tivesse ouvido falar dele, dois deputados estaduais chegaram a ir à tribuna da Assembleia Legislativa para lamentar seu “falecimento”. Os leitores desavisados se surpreenderão ao saber que um dos autores dessa memorável molecagem (“fake news”) é hoje o âncora de um dos programas mais ouvidos do rádio gaúcho. O único trecho triste do livro é a história da morte de Thiago, seu filho de 12 anos”.

(Geraldo Hasse, gaúcho, jornalista e escritor)

 

_______________________________________________________________________

 

A resenha em poesia

 

Querido amigo Pauletti,

Ouvi dizer, de teu livro,

de memóriasque seriam

apenas histórias,mas que diverte,

já que teu livro não é só mais um

pois,contém  muito do universo,

e exatamente por me ser  tão diverso

só posso considerá-lo incomum

 

e fique enfim consignado

toda a minha satisfação

imaginei um livro datado,

mas o que ouvi foi uma bela canção

 

Quanto a mim, cá do meu lado,

confesso-te que cheguei ao fim

às lagrimas, emocionado,

com a morte do teu delfim

 

e se há algo a dizer a mais

não se sinta inibido

de escrever, nunca é demais

para quem tem a ser exibido.

(Ênio Squeff, gaúcho, jornalista e redator de Veja)

 _____________________________________________

 

De Cruz Alta ao Irã: Memórias de um jornalista

Onde encontrar: amazon.com.br; loja.jornalja.com.br; Estante Virtual; livrosbrasil.com.br; Livraria Traça