Um edifício à frente de seu tempo


25/10/2006


O prédio da ABI é referencial para a arquitetura moderna brasileira, que já na década de 30 esboçava o conceito de funcionalidade. A construção do edifício se deu no momento em que Herbert Moses assumia a presidência da Associação e deixava sua marca para a posteridade.

São comuns as visitas às instalações da ABI, dada sua importância no contexto arquitetônico. A execução das obras no Edifício Herbert Moses honrou a técnica nacional. Nenhum parafuso foi colocado no prédio sem consultar o projeto. Técnicas pioneiras apresentadas por Le Corbusier foram adotadas, além de outras características representativas da evolução da arquitetura moderna.

O hall de entrada do edifício é todo revestido de granito. Na época, o teto dos escritórios do 2º, 3º, 4º e 5º andares foi confeccionado com fibra prensada para obstrução do som. As paredes do 7º andar até hoje são revestidas de placas de sucupira do Pará. O Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar, permanece como espaço para grandes festas e comemorações.

Herbert Moses declarou, em 1940, seu amor ao edifício que leva seu nome:
— Daí, talvez o sentido perfeito que procuro dar à Casa do Jornalista. Olho-a de frente, erguida nos seus 13 andares muito brancos, sem sombra, protegidos do calor, amenizados do sol, sorridentes, convidativos, sem contornos. Em cima, as suas flâmulas; embaixo, a agitação, a vida multiplicada na energia de suas atividades.

Estímulo à reunião e ao convívio

  À direita, o brise-soleil

Construído em três anos, de 1936 a 1939, o prédio destaca-se inclusive por ter sido nele utilizada pela primeira vez a olução apresentada pelo legendário Le Corbusier para o problema do excesso de luz — o brise-soleil, quebra-sol através de persianas de concreto na fachada — e outras características que marcam a evolução da arquitetura moderna, como estrutura independente, teto-jardim, fachada livre e plano livre. 

O projeto de construção do prédio gera controvérsias. Segundo a Ilustração Brasileira, de setembro de 1940, a autoria é dos irmãos Marcelo e Milton Roberto. Já a Revista da Construção Civil, de outubro de 1978, inclui o terceiro irmão, Maurício, como co-autor. De qualquer maneira, a execução da obra se deu a partir de um concurso instituído por Herbert Moses em 1936, quando foi avaliada em 13 mil contos de réis. O dinheiro foi conseguido pelo próprio Moses através de solicitação pessoal a Getúlio Vargas, por intermédio do ministro Osvaldo Aranha. O empréstimo foi levantado no Banco do Brasil. Na ocasião, Getúlio Vargas recebeu o título de Presidente de Honra da Casa e Moses foi agraciado como Grande Benemérito.

O edifício-sede da ABI foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Estadual em 1965. Sua principal característica é a unidade, que dá a tônica do conjunto, tanto nas soluções plásticas quanto nas estruturais. “Suas soluções continuam sendo adaptadas por outros projetos e o estilo de construção jamais foi igualado”, declarou Maurício Roberto, em depoimento de 1948. “A sede da ABI permanece como um prédio ímpar na cidade. Tão necessário a ela quanto o Pão de Açúcar e o Corcovado.”

Em entrevista ao repórter Manolo Epelbaum para o Boletim da ABI, edição de abril de 1978, o arquiteto Alfredo Brito, então professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse que se inspirava no projeto do prédio da Casa do Jornalista para mostrar a seus alunos o caráter inovador da construção 40 anos após a sua realização.

Ele destacou, na parte interna do prédio, “a iluminação uniforme, ressaltando a harmonia e o caráter de unidade de toda a construção — das luminárias aos móveis, a divisão das salas e distribuição dos balcões e a colocação das sacadas”. A amplitude dos halls, explicou, especialmente o da entrada e o do nono andar, “enseja a presença de grande número de pessoas, em reuniões e festividades”.

A amplitude da entrada da ABI, que surge de repente numa esquina movimentada, tem um caráter de praça. Essa disposição marca também as demais peças do projeto, convidando à reunião e ao congraçamento das pessoas. Pelos fundos, dá passagem para a Rua Pedro Lessa e, no terraço, havia um jardim concebido como ponto de lazer.

Aula prática de Arquitetura

Os visitantes e Maurício Azêdo

Exemplo recente das muitas visitas de pessoas atraídas pelas inovações adotadas no projeto dos irmãos Roberto foi a de universitários e professores alemães que estiveram em março no edifício-sede da ABI, sendo recebidos pelo presidente da entidade, Maurício Azêdo. A manutenção das características originais da construção foi o que mais fascinou o grupo, que percorreu vários andares, sob o comando da arquiteta Margret Becker, da Brandenburgische Technische Universität de Cottbus, cidade próxima a Berlim. Segundo ela, “o Edifício Herbert Moses é importante no contexto da arquitetura moderna e seus construtores, os irmãos Marcelo e Milton Roberto, desenvolveram um estilo pioneiro”.

Do alto do 13º andar, que já abrigou um jardim planejado por Roberto Burle Marx, Margret comentou:
— Observando os prédios ao redor, percebem-se as influências desta obra.

A escolha do prédio da ABI como objeto de estudo para o grupo de alunos deveu-se a uma pesquisa de Margret sobre arquitetura moderna no Brasil, durante um seminário em 2004:
— Na época não tive oportunidade de vir aqui. Agora, fiz questão de incluir a ABI no roteiro das construções a serem visitadas.

Seu interesse pelo prédio começou com a leitura do livro ”Arquitetura moderna no Brasil”, de Henrique Mindlin, editado em 1956, apenas em inglês, francês e alemão, e considerado o principal registro da construção brasileira de 1937 a 1955. “É fundamental para os especialistas”, diz Margret. 

      Nadine Stecklina terraço da ABI

A estudante Nina Rusanen lembrou a competição que havia na época entre os jovens arquitetos para a criação de novos estilos:
— A forma como eles idealizavam os prédios é muito interessante. E este edifício é importantíssimo no estudo da história da arquitetura moderna no Brasil.

Sua colega Friederike Kettmann destacou a grandiosidade das salas:
— Hoje é difícil encontrar espaços tão amplos. É totalmente diferente da arquitetura alemã. Mas o que mais me impressiona é saber que arquitetos tão jovens como eu puderam planejar isto. Gostaria de trabalhar aqui, pois o terraço da ABI é o espaço ideal para um descanso no meio do dia. É menos barulhento, menos movimentado e tem a melhor paisagem.

Nadine Stecklina fez uma comparação entre o Brasil e a Alemanha:
— No Brasil, percebemos que há uma preocupação maior em manter os detalhes originais. Já na Alemanha, se algum móvel antigo é danificado ou destruído, há imediata substituição por material mais novo, sem a preocupação com a manutenção da identidade original.

Até a barbearia, que funciona no 11º andar, foi prestigiada pelos turistas. Alexander Römer barbeou-se a pedido das colegas. “Elas estavam incomodadas com a minha barba”, brincou. Ele disse, ainda, que as novas tecnologias funcionam bem para a construção de prédios inteligentes, mas o que distingue o prédio da ABI é o fato de ser uma obra menos arquitetural e mais ambiental.

Além dos já citados, estiveram na visita à ABI a professora-assistente Christiane Rathje e os estudantes Andrea Hronjec, Anuschka Mueller, Julia-Elise Hoins, Kerstin Schmidt, Felix Slyfath, Henning Fulda, Niels Nirenberg, Annika Fischer, Nils A. Lillig, Hannelore Rung e Sabine Eyrich.