Quando as fotos nascem para mentir e fazer trucagem


05/10/2022


Por Lilia Schwarcz, no Instagram

De olho na foto. Consumimos imagens como se fossem meras ilustrações e testemunhos do que ocorreu (realmente) no dia anterior. O jornal, sobretudo, cria esse tempo sem tempo como se, o que estivéssemos vendo, fosse o retrato fiel do que de fato aconteceu. Porém, muitas vezes, nada disso é verdade. Vejam a foto que a Folha de S Paulo deu ontem na capa, dia 4 de outubro. Nela, aparece Lula numa atitude corporal e expressão de cansaço. Corpo curvado, ele leva a mão à cabeça, numa atitude que denota derrota.

A legenda é também fria. “O ex-presidente Lula participa de reunião de campanha nesta segunda dia 3”. A foto colorida, estampada na primeira página no jornal de circulação nacional, causa logo espanto e chama atenção. A ideia é mostrar um candidato caído, vencido, quando todas as imagens do domingo e do dia seguinte mostraram o oposto. Afinal, Lula não venceu no primeiro turno, mas terminou na frente do atual presidente Bolsonaro, que vem usando toda a máquina pesada do Estado para se reeleger.

Qual o sentido do jornal colocar essa foto com a palavra cortada atrás: espera? Ao invés de esperança, mote da campanha do PT, destaca-se a palavra espera. O sentido é inverso. Aliás, a imagem passa a mensagem de desesperança, de desespero, quando o que se viu foi o contrário. Lula não se mostrou abatido. Para uma imagem como essa há milhares de outras muito diferentes. Foi portanto uma seleção de imagem! E é sempre bom lembrar que toda imagem faz sentido em contexto. E estamos falando do pós primeiro turno.
Toda pessoa pode limpar os olhos, baixar a cabeça por um minuto, descansar até. O que não vale é selecionar essa foto como a mais representativa naquela situação. Na verdade, o nome para esse recurso visual é “trucagem”. Quando se recorta a cena para dar a ela o sentido que se quer.

Susan Sontag escreveu que a fotografia nasceu para mentir. É isso que fez a Folha de S Paulo ao dar essa foto na capa. Uma malandragem, uma molecagem — como também se diz. Isso, um dia após um primeiro turno acirrado e muito nervoso.

Esse é o papel de uma imprensa séria? Com certeza não é. Errou a Folha, mostrou parcialidade, mas quem perde somos nós.