Pequenos leitores, grandes exigências


19/01/2006



José Reinaldo Marques
28/4/2005 

Geralmente publicados no formato tablóide e encartados nos grandes jornais nos fins de semana, os suplementos infantis estimulam cada dia mais a interação com seu público. Muitas vezes, a participação das crianças é tão intensa que elas acabam até sugerindo as matérias de capa — como é o caso do Globinho, no Rio de Janeiro.

Jorge (de pé) e sua equipe no EM

Nem sempre, porém, eles são editados com formato e linha editorial bem-definidos. Esta, ao menos, foi a conclusão a que chegou a pesquisa Esqueceram de Mim, realizada em 2002 pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi): em quase 35% das 138 edições analisadas, não foi possível identificar o público a que elas se dirigiam.
— Não conheço essa pesquisa, mas concordo que muitos suplementos para crianças deixam a desejar. Acabam entrando no consumismo, no modismo puro e simples, sem a responsabilidade didática e pedagógica que, a meu ver, é primordial em qualquer veículo destinado à garotada. Por questões éticas, no entanto, não posso entrar em detalhes — diz Jorge Santos, editor de suplementos do Estado de Minas, entre os quais se inclui o caderno infantil Gurilândia.

De acordo com as regras do jornalismo para crianças, os cadernos devem ter informação, educação, entretenimento e participação dos leitores. Este foi um dos conceitos debatidos no primeiro seminário Suplementos Infantis: Jornalismo & Educação, realizado em São Paulo, há três anos. Promovido pela Andi, com apoio do Unicef, o encontro reuniu jornalistas de todo o País, que criaram um documento relacionando alguns tópicos fundamentais ao enriquecimento da produção dedicada a esse importante público.

Em relação ao conteúdo, o relatório ressalta que as pautas devem abordar temas do cotidiano, adequando-os ao universo infantil, pois “um produto jornalístico para crianças significa traduzir os assuntos, estimulando conversas com os pais, professores e colegas”. O documento fala também em modernização e tendência, contexto em que começam a surgir os maiores desafios — um deles em relação à linguagem. A dificuldade está no fato de que não é possível generalizar a definição do leitor quanto à faixa etária — geralmente dos 5 aos 12 anos — e ao seu interesse.

A questão mercadológica e de marketing também tem sido debatida, segundo Jorge Santos:
— Acho que os departamentos comerciais e de marketing dos jornais ainda subestimam o público infanto-juvenil, o que não acontece na televisão, nas gravadoras e nas editoras de livros. Boa parte dos programas e comerciais de TV, por exemplo, é destinada a ele. 

Para Marcos Nogueira de Sá, Diretor Comercial do Estado de São Paulo, que publica o Estadinho, os jornais investem sim nos suplementos infantis, produtos que formam leitores:
— Este é também o ponto de vista da Associação Nacional dos Jornais. O objetivo é desenvolver público, pois o Brasil tem um número de leitores abaixo da média mundial. 


Leitor de amanhã

 Segundo o relatório da Andi, a complexidade do suplemento infantil é ignorada especialmente pelos demais jornalistas da redação, que o consideram “um trabalho menor e fácil de fazer”, não levando em consideração, como lembra Jorge Santos, o fato de que crianças são extremamente detalhistas e não se satisfazem com qualquer coisa.
— Hoje, no Estado de Minas, colegas de outras editorias colaboram com prazer com o Gurilândia — diz ele. A criança é o nosso leitor de amanhã e o caderno tem a intenção de formá-la, através de jogos, brincadeiras, humor e estímulo à leitura e às artes, com linguagem simples, objetiva e sempre correta. E muitas vezes nossos leitores ajudam a elaborar as pautas. 
A redação do Gurilândia recebe muitas cartas e e-mails de crianças, que enviam poemas, desenhos e sugestões de matérias. Estudantes também costumam visitar o Estado de Minas, como parte do projeto “EM vai às aulas”. 


Pais e mestres

Se a equipe do Gurilândia é a mesma que faz todos os suplementos do Estado de Minas, o Diarinho, do Diário de Pernambuco, é produzido apenas pela jornalista Lúcia Guimarães, com a ajuda de um estagiário. Diz ela:
— Sei que em muitos casos o jornalismo infantil brasileiro enfrenta problemas de enfoque e conteúdo que acabam confundindo os pequenos leitores e procuro enfocar temas mais sérios, que possam ser aproveitados em sala de aula. Temos ainda o programa Leitor do Futuro dos Associados Pernambuco, que também atua nessa frente nas escolas.

  Lúcia: universos distintos

A editora acha que fazer jornalismo infantil é um aprendizado:
— Sempre me pergunto se estou abordando um assunto para elas ou para pais e mestres, porque isso sempre se confunde, merece zelo mesmo. Não subestimamos a inteligência, o lado crítico e o poder de observação das crianças com assuntos sem importância que não irão despertar o seu interesse. Prezo muito isso e também tenho o cuidado de buscar personagens de universos distintos, pobres, ricos, negros, brancos, gordos, magros e portadores de necessidades especiais.

Segundo Lúcia, as crianças participam ativamente da edição do suplemento, por meio de cartas, e-mails e desenhos — estes são publicados na coluna “Eu que fiz!”. Matérias sobre assuntos como ciências, sexualidade, religião e História geralmente contam com a consultoria de especialistas para assegurar a qualidade da informação. 


Pretensão didática
 

Em Brasília, o caderno Super!, do Correio Braziliense, é o único em seu seguimento, de acordo com a editora Ana Sá:
— Nossa linha editorial tem pretensão didática no tratamento dos textos e busca informar seus leitores sobre diversos temas ligados ao mundo infanto-juvenil, desde a literatura aos achados de áreas como ciência, esporte, ecologia, TV, cinema e teatro, com o objetivo de contribuir para a cidadania e a formação pessoal e educacional da criança.

A equipe é pequena — a editora trabalha com dois estagiários —, mas, segundo Ana, especialmente na hora da elaboração das pautas, vários colegas de redação colaboram com o caderno, desenvolvido com base nas orientações de consultores que participaram da pesquisa da Andi:

     Todos colaboram com Ana Sá

— Nosso principal objetivo é formar novos leitores, estimular o interesse pela leitura. Estamos tentando viabilizar um conselho editorial mirim, mas ainda não temos uma pesquisa para confirmar a aceitação entre os pequenos brasilienses, apenas relatos de muitos professores, afirmando que as matérias divulgadas têm sido trabalhadas em sala de aula. As crianças também têm elogiado o caderno por meio de cartas, telefonemas e mensagens eletrônicas. E já tivemos a experiência de uma leitora de 10 anos que, acompanhada de uma repórter, apurou e escreveu uma matéria sobre o Dia das Crianças.

Informar e divertir

No Rio de Janeiro, o Globinho reina absoluto no universo do jornalismo infantil. Lançado em 1938, é um dos mais antigos suplementos do Globo e hoje tem como Editora-chefe Adriana Barsotti, que trabalha com duas editoras-assistentes e dois repórteres, a mesma equipe do caderno Megazine. Ela explica:
— No Globinho, texto, imagem e diagramação obedecem a um critério especial de edição. As matérias são escritas em português simples e com muitas explicações, visando a facilitar sua compreensão. Até o corpo das letras e o espaço entre as linhas é maior do que o padrão do jornal.

As crianças participam ativamente da escolha dos assuntos que irão virar notícia, por meio de votação semanal no site do jornal:
— São sempre duas opções para elas escolherem qual querem ver na capa — diz Adriana.

      Alberto Jacob Filho/Multirio

               Adriana e seus assistentes

A editora ressalta ainda que o Globinho não tem a intenção de ser pedagógico:
— Decidimos as pautas levando em conta somente o critério jornalístico. É claro que muitas vezes um se cruza com o outro, como na matéria de capa que publicamos em março sobre o Dia Internacional da Mulher, cuja data consta do programa das escolas municipais.

Antes de assumir o suplemento, Adriana passou pelas editorias de Política e Nacional e pela revista IstoÉ Gente. Para ela, fazer jornalismo para crianças é uma experiência única:
— Por um lado, é um desafio enorme, já que está em nossas mãos tentar formar novos leitores num momento em que a circulação de jornais entre os jovens está caindo no mundo todo. Por outro, é muito prazeroso. Queremos informar, mas também divertir.