Formado no beco e na literatura


30/05/2007


José Reinaldo Marques
1/06/2007

nbsp;Paulo Pinto

Nascido em 10 de janeiro de 1960, em Sobral, no Ceará, Vidal Cavalcante conta que aprendeu a fotografar e revelar filmes na infância:
— Sou da terceira geração de uma família dedicada ao ofício. Meu avô, meu pai, meu irmão… ao todo éramos 12 fotógrafos. Quando eu tinha apenas 11 anos, fui assistente do meu avô, Geraldo Guilherme, no estúdio Belas Artes, em Sobral. Preparava as químicas, lavava as fotos e com elas fazíamos uma espécie de jornal mural, que era exibido e lido no Beco do Cotovelo.

Aos 16, o pai, Carlos Alberto, até hoje repórter-fotográfico do governo do estado do Ceará, o levou para trabalhar com ele:
— Fazia de tudo, até entrega. Mas algo começou a me incomodar. Via todo aquele luxo e fartura nas festas no Palácio e, quando viajava com o Governador, só enxergava miséria e fome no interior. Um dia briguei com meu pai e consegui meu primeiro emprego de carteira assinada, na Mark Propaganda. Com a influência do amigo Celso Oliveira, comecei a mostrar o descaso social no meu estado, com exposições que denunciavam a miséria que o povo passava com a seca. Em 82, a fundação do Diário do Nordeste, entrei de cara no fotojornalismo, embora já o fizesse com meu pai.

São 31 anos de reportagem-fotográfica, da Tribuna do Ceará e do Diário do Nordeste, a O Povo, Folha de S.Paulo, Notícias Populares e Folha da Tarde. Em 1990, convidado por Hélio Campos Mello, passou a fazer parte da equipe do Estadão, de onde seu trabalho é distribuído para mais de 300 veículos e agências internacionais.

Documental

Vidal Cavalcante classifica seu trabalho como jornalístico documental, sintonizado com seu tempo. Mas não tem especialidade — “faço de tudo um pouco e bem-feito.” Nas fotos de esportes, acha que o Estadão conseguiu inovar com a chegada das teleobjetivas mais luminosas:
— Jorge Araújo, Sérgio Tomisaki, Wilson Melo e eu começamos a aprender a usá-las e, nesse processo, aperfeiçoamos tanto o nosso conhecimento que mudamos da linguagem do balé para a da expressão. Por exemplo, mostrávamos na face dos jogadores, mesmo sem bola, a dor, a alegria a decepção… Enfim, as imagens já não concorriam com as TVs e apresentavam novidade.

Um dos grandes sonhos de Vidal era realizar trabalhos sobre a religiosidade brasileira e as populações indígenas que vivem perto das grandes cidades, “para, quem sabe, ajudar a mudar conceitos e quebrar a desigualdade”. A pesquisa sobre a fé começou há mais de 20 anos, mas ele diz que está longe de concluir seus registros:
— Enquanto não me sinto seguro para fazer uma publicação, vou mostrando um pouco aqui, outro ali, em pequenas exposições, como “A fé de nossa gente”, nas paredes da Igreja de Nossa Senhora Achiropita, no Bixiga, em São Paulo. Também já fiz mostras com fotos dos índios, mas ainda não considero o trabalho pronto, sempre acho que está faltando alguma coisa.

Outros sonhos são fotografar as pirâmides do Egito e o cotidiano dos países de língua portuguesa. O de cobrir uma Copa acabou acontecendo de maneira inusitada, em 2002, quando registrou os jogos do Mundial Japão e Coréia da arquibancada, sem credencial:
— Comprava ingresso e “roubava” as imagens com uma lente 400mm. Conseguir credenciamento foi difícil, pois, mesmo tendo encontrado um amigo da Fifa, precisei achar também um jornal brasileiro que tivesse desistido de mandar fotógrafo. Descobri que era o caso do Dia e consegui me credenciar já nas semifinais, mas a tempo de fazer a foto do gol do Ronaldinho Gaúcho contra a Inglaterra, que me valeu o prêmio da melhor fotografia do campeonato.

Presente e futuro

Com os colegas André Goldman, Dário Gabriel, Jarbas Oliveira e João Justino, nordestinos como ele, Vidal Cavalcante lançou o livro “Beberibe — mar, sertão e gente” (Omini Editora):
— Foi muito importante, pois registramos um lugar do Brasil e, principalmente, do Ceará, que eu amo, mostrando imagens plásticas, mas também lembrando que temos que cuidar da natureza e da cultura do nosso povo, como forma de registrar o presente para prestar contas no futuro.

Sobre as grandes reportagens, ele diz que participou de muitas e lembra a invasão norte-americana no Haiti, a queda de Pinochet no Chile, a guerra civil na Libéria, o massacre em Ruanda e a invasão da PUC-SP pela Polícia
Federal, em 1985:
— Eu trabalhava para a Folha e uma fonte da própria PF me avisou que eles iam apreender o filme “Je vous salue, Marie”, do Godard, que ia ser exibido no campus. Eu estava na Câmara Municipal, cobrindo a votação do passe do idoso, proposto pelo então Prefeito Jânio Quadros. Corri para a Redação e contei o caso para o Luiz Novaes, um dos chefes na época. Ele riu na minha cara.

Outro membro da chefia, porém, acreditou na dica e o mandou para a PUC com mais um fotógrafo, Silvestre P. Silva:
— Quando começou a exibição, a polícia partiu para a ação e eu logo levei uma rasteira. O Silvestre, que estava disfarçado de aluno, conseguiu registrar a grande confusão, que teve tapas, chutes e vários disparos, até ter a câmera apreendida por um policial. Tive sorte de fotografar esta cena. Ao perceber o grau de interesse do assunto, o Otávio Frias mandou parar as máquinas para pôr a matéria na capa do jornal.

De uma geração de fotojornalistas “sem formação acadêmica, mas com muito beco e muita literatura”, Vidal acha que hoje os repórteres-fotográficos têm mais oportunidades para adquirir boa formação:
— Estamos entre os melhores em nível internacional e me orgulho de poder conviver com colegas preparados, éticos e com responsabilidade para mudar o mundo através de nossos olhares. 
 


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