Entrevista – Adriana Carranca


31/10/2007


Jornalismo a serviço da cidadania

José Reinaldo Marques
01/11/2007
 

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República ajudou a pôr em pauta os temas sociais, segundo a jornalista Adriana Carranca, há cinco anos repórter do Estado de S. Paulo. Formada pela Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Santos, com pós-graduação em Jornalismo para Editores da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra e membro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ela é também repórter especializada em políticas sociais e direitos humanos, temas sobre os quais defendeu tese de mestrado na London School of Economics and Political Science, de Londres.

Antes de ser contratada pelo Estadão — onde começou como repórter do caderno Metrópole — Adriana passou pelo Jornal da Orla, a TV Tribuna (afiliada da Rede Globo em Santos), como produtora e pauteira, as revistas Exame, Claudia, Capricho, Nova, Viagem & Turismo e Caminhos da Terra, como freelancer, e a Veja SP, como repórter. Nesta entrevista ao ABI Online, ela fala, entre outros temas, de jornalismo e cidadania, dos mecanismos de proteção aos jornalistas que atuam em áreas de conflito e do livro que lançou sobre turismo em Nova York.

ABI OnlineHá quanto tempo você trabalha no Estadão?
Adriana Carranca — Cinco anos. Após um ano na TV Tribuna, fui estudar Inglês nos Estados Unidos, onde morei por seis meses. Na volta, trabalhei em produtoras de TV como roteirista e como freelancer para revistas da Editora Abril e a , que era publicada pelo Diário Popular. Passei também pela assessoria de imprensa, mas decidi voltar às publicações e fui para a Veja SP. Dois anos depois, cheguei ao Estadão, onde estou desde abril de 2002 e hoje sou repórter do “Caderno Metrópole”, depois de passar pelas editorias de Economia e Internacional. 

ABI OnlineOs temas sociais sempre estiveram na sua pauta?
Adriana — Sempre foram uma preocupação pessoal. Mas eu nunca soube exatamente como poderia transformar essa preocupação em ação efetiva. Foi no Estadão que comecei a ver que poderia fazer algo com o meu trabalho, em matérias, dependendo, é claro, da relevância da notícia e do espaço no jornal.

ABI OnlineIsso também a levou à London School of Economics and Political Science?
Adriana — Quando comecei a cobrir temas sociais, senti que precisava aprender mais e me preparar melhor para escrever sobre o assunto.

ABI OnlineO curso contribuiu efetivamente para sua qualificação profissional?
Adriana — Sim, mas o principal foi aprender a olhar para os problemas no Brasil como parte de um contexto global, valorizando o processo histórico ao analisar as políticas adotadas atualmente. No mundo acadêmico, quase tudo já foi discutido, estudado, analisado. E raramente eu olhava para esse material, disponível no mundo, ao fazer uma matéria.

ABI OnlineMudou a forma de conduzir as reportagens?
Adriana — Hoje, se tenho de escrever sobre crianças de rua, por exemplo, procuro olhar estudar políticas bem-sucedidas, casos de destaque, enfim, o que já foi feito aqui e em países com situação semelhante. Mesmo que não use todo esse material, ele me ajuda a contextualizar a matéria. E nem sempre essa pesquisa é possível, por conta das limitações de tempo que se tem num jornal diário.

ABI OnlineQue problemas são mais difíceis de tratar na mídia?
Adriana — Acho que o maior obstáculo é o fato de as mazelas serem recorrentes no Brasil há muitos anos. Então, a exigência da novidade no jornalismo muitas vezes engessa os repórteres.

ABI Online Qual é sua avaliação do tratamento dado pela imprensa brasileira ao tema direitos humanos?
Adriana — Evoluímos muito, como mostram as pesquisas da Agência Nacional de Direitos da Infância (Andi), por exemplo. Também acredito que durante o Governo Lula houve um movimento maior no sentido de trazer os temas sociais para o centro da pauta, por conta do histórico do Presidente e do discurso que ele sempre adotou como oposição.

ABI OnlineE no exterior?
Adriana — Está muito relacionada com o amadurecimento das instituições de defesa dos direitos humanos, o que é natural. Por exemplo, a Inglaterra — que tem histórico nisso e é berço de organizações como a Oxfam e a Anistia Internacional —, a cobertura é muito boa. Uma curiosidade: a Anistia Internacional surgiu de um artigo escrito pelo advogado Peter Benenson no The Observer, que é talvez o melhor jornal britânico na cobertura de direitos humanos.

ABI OnlineDe que falava o artigo?
Adriana — De dois portugueses que foram presos após brindar à liberdade. O artigo foi reproduzido por muitos outros jornais no mundo e motivou pessoas de vários países a formar um grupo internacional de defesa dos direitos civis.

ABI OnlineOtávio Frias Filho, Diretor de Redação da Folha de S.Paulo, diz que o jornalismo vive um momento difícil, devido a uma “superoferta de informação”. Você concorda?
Adriana — Com os avanços tecnológicos, realmente somos hoje inundados por informações. Mas acho que isso apenas reforça um papel importante do jornalismo, que é o de contextualizar a informação e ajudar o leitor a entender os acontecimentos.

 Adriana no Iman Mosque, no Irã

ABI OnlineEstão contemplados aí os temas sociais?
Adriana — Sim. Veja algo sensacional que aconteceu recentemente: o Governo de Hugo Chávez tirou do ar a única TV independente da Venezuela, a RCTV. E a emissora simplesmente continuou transmitindo o noticiário via internet (www.rctv.net). Isso é maravilhoso. Cada vez menos se pode ter controle sobre a informação e as sociedades só têm a ganhar com isso.

ABI OnlineAlguns especialistas afirmam que os direitos humanos são abordados de forma genérica pela imprensa, com foco apenas na violência. Você concorda?
Adriana — Não tenho certeza. Quando escrevemos sobre financiamento da casa própria, abordamos também o direito à moradia. Quando falamos de incentivos fiscais para projetos culturais, discutimos uma política de Governo para a área e, portanto, o acesso dos cidadãos à cultura. O que falta, talvez, é trabalhar o olhar do jornalista de todas as áreas para estar atento ao tema ao fazer qualquer matéria. E isso é papel dos cursos de Jornalismo e dos editores. 

ABI OnlinePor que, na maioria das vezes, lideranças comunitárias e organizações pelos direitos humanos não são ouvidas como fontes pelos jornalistas?
Adriana — Não é culpa das organizações. O orçamento delas costuma ser tão curto que qualquer dinheiro é usado para o atendimento aos que precisam. Portanto, falta verba para poder manter, por exemplo, informações organizadas, banco de dados, pesquisas. As entidades menores, comunitárias, presenciam constantemente violações de direitos humanos, mas raramente têm como provar. As vítimas têm medo de falar com a imprensa, porque não acreditam em instituições como mídia, polícia, Justiça ou mesmo Governo. Então, devem imaginar: para que denunciar e correr o risco de morrer? Com tantos escândalos de corrupção, as instituições brasileiras estão muito desacreditadas e isso prejudica muito o diálogo entre o cidadão, as organizações da sociedade civil e os veículos de comunicação.

 ABI OnlineQue efeitos as notícias sobre corrupção e atos desumanos causam no cidadão comum?
Adriana — O primeiro é sempre a revolta. Daí a importância de contextualizar as informações e emancipar o debate para além das reações emotivas, como no caso da discussão sobre a redução da maioridade.

ABI OnlineA ABI tem cobrado providências das autoridades nos casos de crimes contra rádios, jornais e jornalistas, principalmente no interior do País. Como você avalia essa situação?
Adriana — Um caos. A proteção à liberdade de expressão deve estar na pauta das empresas de mídia, do Governo, da Justiça, das entidades de defesa dos direitos humanos e civis. No último congresso internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em maio, a advogada Helena da Souza Rocha falou sobre o funcionamento da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão — vinculada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)—, em que jornalistas e fontes ameaçados podem entrar com medida cautelar para pedir proteção, caso não consigam isso em seus países. Esses mecanismos têm de ser fortalecidos e o ideal é que sejam interdependentes de governos e sistemas judiciários, que, algumas vezes, são os violadores dos direitos dos jornalistas e fontes. 

                         Com Kofi Annan, na ONU

ABI OnlineComo analisa o desempenho da Organização das Nações Unidas (ONU) no sentido de fazer cumprir suas resoluções pelos países signatários?
Adriana — As resoluções da ONU servem mais como uma espécie de guia para que seus membros saibam qual é a lição de casa a fazer, ou como termômetro para medir a intenção dos países em aplicar as resoluções e também como mecanismo de cobrança da sociedade civil.

ABI OnlineNesse caso, a aplicação de sanções aos que descumprem as resoluções são um mecanismo esvaziado?
Adriana — Na ONU, só tem poder de aplicar sanções o Conselho de Segurança (CS), criticado por manter como membros permanentes apenas cinco nações desenvolvidas e não exemplares no cumprimento dos direitos humanos, como Estados Unidos e Reino Unido, que ocuparam o Iraque à revelia da entidade — os outros integrantes são Rússia, França e China. Para melhorar esse quadro, a ONU precisa cumprir a adiada reforma que inclui a entrada de outros países no Conselho de Segurança.

ABI OnlineÉ possível as iniciativas das Nações Unidas influenciarem positivamente a cobertura dos debates sociais?
Adriana — A ONU uma fonte de informações e um centro de debates extremamente importante e não pode ser ignorado.

ABI Online Há como prever o que vai acontecer com o Iraque, território hoje perigosíssimo para jornalistas?
Adriana — O Iraque foi um grande erro de estratégia, uma vergonha. Agravou a hostilidade contra norte-americanos em todo o mundo; alimentou o terrorismo; cimentou a credibilidade do Governo Bush; e causou muita revolta no povo iraquiano e em quem se preocupa com as questões humanitárias. Desde o início do ano passado, cerca de 87 jornalistas foram mortos no país e mais de 1 milhão de pessoas o deixaram, no maior êxodo da História recente. Estimativas não-oficiais falam em 650 mil civis iraquianos mortos desde o início da guerra. Adicione a isso outros mais de 3 mil soldados norte-americanos e iraquianos assassinados.

ABI Online E as promessas de Bush não se cumpriram.
Adriana — Pois é, e esse teria sido o caminho mais fácil dos Estados Unidos para ganhar a guerra ou, pelo menos parcialmente, o apoio dos iraquianos: com investimentos em infra-estrutura e educação e melhoria da qualidade de vida da população. O mesmo ocorreu no Afeganistão, que não viu melhoras estruturais efetivas, exceto pelos benefícios a curto prazo que resultaram da queda do regime tirano dos talibãs, nada mais. Os ataques suicidas têm se intensificado lá também. A pobreza e o descrédito das instituições são terreno fértil para o terror, da mesma forma que, no Brasil, induzem à violência urbana.

ABI OnlineQue propostas discutidas pelos organismos internacionais mais se aproximam da solução ideal para esse tipo de conflito?
Adriana — As reuniões diplomáticas para discutir o Iraque, como a que colocou frente a frente, recentemente, diplomatas do Irã e dos Estados Unidos — que não conversavam há quase três décadas — frente a frente; em maio, houve o encontro de líderes dos países árabes no Egito. Mas minha sensação é de que, a essa altura, ninguém mais sabe como resolver a questão do Iraque.

ABI OnlineO Brasil tem condições de exercer um papel importante no movimento contra as violações dos direitos humanos?
Adriana — Tenho uma visão um tanto radical com relação a isso. Acredito que toda a assistência dada por organismos multilaterais — como Banco Mundial, FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento e agências da ONU — deve ser, obrigatoriamente, condicionada ao compromisso do país de acabar com as violações dos direitos humanos, inclusive a corrupção, que considero uma das mais graves, se não a principal.

ABI OnlineTais órgãos têm poder de pressão sobre os países credores?
Adriana — Há algum tempo, essas entidades decidiram providenciar ajuda aos países através de seus governos, por entenderem que assim teriam mais controle sobre eles e o uso do dinheiro. Acho que isso deve ser revisto. Os países violadores de direitos humanos, com governos corruptos ou em guerra não deveriam receber qualquer verba direta, bem como sediar eventos internacionais de grande repercussão e com poder de atrair investimentos. A ajuda poderia ser dada diretamente às comunidades, via organismos de ajuda humanitária da sociedade civil.

ABI OnlineComo isso seria implementado?
Adriana — Entendo as dificuldades das agências para atuar dessa maneira: o Governo do Sudão, por exemplo, até pouco tempo impedia a entrada de qualquer agência da ONU para dar assistência à população. Ainda assim, acho que é algo para ser avaliado.

ABI OnlineO Brasil — que, depois dos Jogos Pan-Americanos, sediará a Copa de 2014 — estaria dentro ou fora?
Adriana — O Brasil não devia ter recebido o Pan, por causa dos escândalos de corrupção, e a Inglaterra não merecia as Olimpíadas 2012, porque ainda está no Iraque, e isso representa uma ameaça à segurança de atletas e visitantes. Acho que medidas assim seriam muito mais eficientes do que quaisquer sanções da ONU, porque mexem com a economia e a posição dos países no cenário internacional.

              Adriana com iranianas, no Parque Melat

ABI OnlineRelatório da Anistia Internacional diz que “setores radicais da mídia e conservadores nas classes privilegiadas do Brasil alimentam a chamada ’política do medo’, o que resulta em um clima de confronto social”.
Adriana — Sobre a política do medo, não sei se concordo. Na minha modesta opinião, o que alimenta o clima de confronto social é a desigualdade sem precedentes, que não acontece em nenhum outro País com o tamanho da economia do Brasil e uma cultura voltada para o consumismo. Nesse sentido, sim, acho que a mídia tem a sua parcela de culpa ao “celebrizar” milionários, expor pessoas não por suas qualidades intelectuais ou humanas, mas por suas “posses”, e supervalorizar talentos efêmeros, se é que podemos atribuir algum talento a certos famosos.

ABI OnlineRecentemente você esteve no Irã, fazendo uma matéria especial para o Estadão. O que mais chamou sua atenção no país?
Adriana — O que me impressionou foi como é distante da realidade a imagem que nos passam de lá. Pensei que encontraria uma nação isolada, destruída e empobrecida por sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos há mais de três décadas. Mas Teerã tem avenidas largas, lindos e bem conservados parques urbanos, prédios modernos, amplo comércio, um bom sistema de transporte — incluindo uma rede de metrô, construída com a ajuda de franceses e chineses, que faz 1 milhão de viagens por dia. A olho nu, parece que o Irã segue muito bem, longe dos norte-americanos. Por esse distanciamento, as mais recentes sanções unilaterais devem ter pouco impacto no país.

ABI OnlinePor quê?
Adriana — Pela proximidade geográfica, eles têm boas relações, mais afinidade cultural e grandes negócios com as maiores potências emergentes, como Rússia, China e Índia, entre outros países da Ásia e da Europa, e até com a América do Sul. É claro que, sendo a segunda maior reserva de petróleo do mundo, o Irã poderia estar muito melhor, e a população tem consciência disso. Há muita crítica à administração do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, considerada pela oposição um fracasso na área econômica, por não conseguir controlar a inflação e ter aumentado os gastos públicos.

ABI Online — Assim como o aumento da gasolina que gerou protestos da população?
Adriana — Mais de 40% da gasolina consumida pelos iranianos têm de ser importada, porque o país não tem infra-estrutura para o refino. O governo anunciou o racionamento; os iranianos foram às ruas e puseram fogo nos postos. Isso também me impressionou muitíssimo. Apesar da anunciada repressão e das ameaças de prisão a opositores do governo, os iranianos não deixam de protestar. É incrível. 

ABI OnlineFale do seu livro “Os endereços curiosos de Nova York”.
Adriana — Eu viajava muito para lá a trabalho e o Marcelo Duarte, da Editora Panda, me convidou para escrever o guia. Topei. Nova York é a uma cidade dinâmica, viva, fascinante, a esquina do mundo, onde pessoas de todas as partes se encontram. E, em geral, estão ali para realizar algo, nos negócios ou nas artes, o que torna a cidade um centro de idéias, de troca de informações e experiências, um pólo criativo.

ABI OnlineEm que sentido as muitas viagens foram importantes para a sua formação como repórter?
Adriana — Não existe melhor forma de conhecimento do que experimentar a cultura e os costumes de outra cidade ou país, desde que você esteja aberto para isso. Viajar te faz questionar crenças e valores preestabelecidos, derruba tabus, nos torna mais tolerantes.