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Conversas com o temido Nini


09/07/2022


Por Moacyr Oliveira Filho, diretor de Jornalismo da ABI

Foto: Salomon Cytrynowicz/Abril Press

Como repórter da Veja, fui o primeiro jornalista brasileiro a entrevistar o general Newton Araújo de Oliveira e Cruz, o temido Nini, ex-chefe da Agência Central do SNI e ex-Comandante Militar do Planalto na ditadura militar, recentemente falecido, para uma capa de Veja sobre o SNI, no final da década de 70.

Salomon Cytrynowicz, o Samuca, fotógrafo da Veja, foi fotografar a sede da Agência Central do SNI e acabou sendo convidado a entrar. Conversa vai, conversa vem, ele falou que a Veja estava fazendo uma capa sobre o SNI, e a pessoa que o recebeu, um certo Dr. Nunes, pediu que ele telefonasse para lá mais tarde que ele iria ver se o general Newton Cruz falava com a revista.

De volta à redação, o repórter Roberto Lopes, que era o principal responsável pela matéria, estava escrevendo um relatório de uma conversa que teve no Planalto, não botou muita fé na história do Samuca e acabou sobrando pra mim, que estava de bobeira na redação.

Fomos pra lá, entramos, ficamos numa sala de espera no térreo, com a recomendação irônica de que podíamos conversar normalmente porque não havia gravador na sala e, alguns minutos depois, estávamos frente a frente com o temido Nini.

A partir dessa primeira entrevista, ele virou minha fonte e sempre conversávamos para pautas eventuais da Veja. Vira e mexe alguém da redação de São Paulo pedia: liga pro Nini. E com frequência razoável as matérias de Veja tinham umas aspas do Nini. Era uma espécie de cereja no bolo. Tipo assim: nós temos linha direta com o Nini. Nessa época, ninguém falava com o Nini. Só a Veja. Só eu.

Até que um dia, numa matéria com a informação de que o SNI recebia, diariamente, a relação das placas dos carros que entravam nos motéis de Brasília, a Veja publicou: “O general Newton Araújo de Oliveira e Cruz, chefe da Agência Central do SNI, nega, mas um delegado de polícia confirma”.

Quando voltei a ligar pro Nini, levei um esporro: “Porra, Moa, o general nega em on, mas um delegado confirma em off. Isso é uma sacanagem. Eu não falo mais com a Veja. Se quiser ligar pra mim pra falar de futebol, tudo bem. Mas de política, não falo mais com vocês”, reclamou Nini, que era torcedor do Fluminense, irritado pela revista o ter desmentido com uma informação em off de um delegado de polícia.

Um belo dia, o Elio Gaspari me ligou e disse: “Vamos desativar o Nini. Ele só fala mentira”. Pra mim, foi um alívio.

Na foto do Samuca, feita na primeira entrevista com Nini, ele segura nas mãos a ficha do repórter da Veja, Roberto Lopes, credenciado no Palácio do Planalto, a famosa LDB – Levantamento de Dados Biográficos, as temidas fichas do SNI.

Quando perguntei sobre as tais fichas, ele disse que não tinha nada demais e que poderia mostrar a minha. Na mesma hora, um assessor que acompanhava a entrevista e usava um crachá com o nome Dr. Nunes e o número 02, se levantou, deu a volta no sofá e fez um gesto de negativo com as mãos. Nini, então, recuou e disse que mostrar a minha ficha poderia ser meio constrangedor, mas que poderia mostrar a do repórter da Veja, credenciado no Palácio do Planalto. Perguntou o nome dele e mandou buscar a ficha do Roberto Lopes. Era uma pasta de papel, rosa. Ele não me deixou ver o conteúdo, mas o que ele me falou sobre a ficha do Bob Lopes é, até hoje, impublicável…

Podcast

Para ilustrar essa história, publico o podcat Ditadura e a expansão dos motéis no Brasil, com Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo. Ouça.

Bianca Pyl e Luís Brasilino recebem, no podcast Guilhotina, do Le Monde Diplomatique Brasil, os jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo, autores do livro-reportagem lançado em 2021 Os motéis e o poder: da perseguição pelos agentes de segurança ao patrocínio pela ditadura militar. A investigação conta a história de como a ditadura militar financiou a construção e a consolidação do atual modelo de motéis no Brasil.

Conversamos sobre como a expansão rodoviária favoreceu a inauguração de motéis pelo país, o modelo de hospedagem destinada ao sexo que havia até então, a contradição entre o moralismo dos militares e o financiamento desses estabelecimentos, as características únicas dessas instalações no Brasil, os motéis como palco de flagrantes promovidos pelos militares contra políticos de oposição, as mudanças promovidas na vida sexual pela expansão do setor e muito mais.

Jornalista desde 1988, Ciça também é graduada em Economia e trabalhou em O DiaFolha de S.PauloJornal do BrasilO Globo e na GloboNews. Murilo é jornalista desde 1991, formado em História e foi repórter do Jornal do BrasilO Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo.