Brizola, 102 anos!


29/01/2024


Por Osvaldo Maneschy

BRIZOLA AOS 80 ANOS

No dia 22 de janeiro de 2002 Leonel Brizola completou 80 anos. Por conta da data, ele não quis celebrações, festas, ou homenagens. Preferiu viajar para sua fazenda no Uruguai para refletir, acompanhado apenas de pensamentos, preocupações e um fiel escudeiro.

Na volta ao Brasil e ao Rio, uma semana depois, no dia 2 de fevereiro de 2002 – convocou uma reunião conosco, integrantes do PDT, ocasião em que fez questão de dividir – do alto de seus 80 anos de vida política – as suas reflexões sobre o passado, o presente e o futuro do Brasil.

Este ano, 2024, completam 20 anos da partida de Brizola – mas o seu pensamento continua mais atual do que nunca.

Fomos privilegiados em participar dessa reunião. Como fazia sempre e com a autorização dele,
gravei a sua fala e o grande companheiro e parceiro Ápio Gomes a transcreveu, com absoluta
fidelidade. Divido aqui com vocês a fala que tive o privilégio de ouvir ao vivo – uma aula de
patriotismo, de amor ao Brasil e de fidelidade a princípios que nortearam toda a vida pública de
Brizola:

Companheiras, companheiros, companheiro Lupi, companheiros que estão aqui na mesa. Antes de tudo, vamos falar sobre estes gestos tão generosos dos companheiros, das companheiras de todo o nosso país, em relação aos meus 80 anos. Eu, aliás, ouvi alguém dizer: “Não, isto não é 80; são quatro vezes vinte”. Eu achei demais. Não dá também… Vem um outro e disse (para dizer bem a verdade, foi uma companheira): “Não… É duas vezes quarenta”. Bem… Já ficou meio aceitável…

Na realidade, eu estava aqui com todos vocês. Tanto aqui, como em toda parte. Um dia, eu até
imaginava que não ia tratar muito do assunto, mas a gente não deixa de ter esta questão batendo
na gente. Por que é uma transição: e não é um dia – é uma época.

“Oitenta anos é uma época e a gente sente a mudança. Entra num período diferente: sente mais
respeito; mais tolerância, mais credibilidade. Inclusive, mais liberdade de dizer as coisas”
De modo que podem ficar certos que foi oportuna toda esta brincadeira aqui, porque, na verdade,
80 anos é uma época. E a gente sente a mudança. Parece que a gente entra num período diferente: que sente mais respeito, por toda parte; mais tolerância, mais credibilidade. Inclusive, mais liberdade de dizer as coisas.

Principalmente quando se olha para o tempo percorrido e se verifica que não tem nada que se
arrepender. A não ser os atos comuns da vida individual, pelos que todos nós cometemos: equívocos, enganos. E, depois amadurecemos e verificamos até a oportunidade de corrigi-los. Mas, essencialmente, quando a gente não tem nada a que se arrepender – principalmente em relação àquilo que a gente está fazendo na vida, seja numa profissão; seja, enfim, numa atividade privada; mas principalmente quando a atividade é pública.

Eu tenho minha consciência limpinha, alva a este respeito. Eu jamais pratiquei ato que pudesse
representar um engano ou uma traição ao povo brasileiro. E quando, muito, me chamam de coerente: “Brizola não muda. Brizola é o mesmo sempre”. Como que querendo me condenar por isto, querendo me desmerecer porque, graças a Deus, eu não mudei.

Deus me permitiu este privilégio de não mudar. Porque tudo aquilo, em matéria de princípios, em
que acreditei, desde que ingressei na vida pública – aqueles princípios básicos – são aqueles que me orientam até hoje. Isto é o que se chama: coerência. Benditos os políticos coerentes, porque são aqueles que não permitem que a sua pátria, a sua nação, o seu povo seja lesado, seja atingido, seja violado. E é isto que nos tem mantido. É isto que conserva o Leonel Brizola.

Eu acho que uma vida pública longa muita gente tem. Mas a minha tem algumas características especiais. Eu sempre, a rigor, tenho estado na oposição, embora desempenhando um ou outro cargo de governo. Eu sempre estou brigando. Porque – claro – nós não podemos estar conformados com este país que temos. É como dizia o Darcy Ribeiro: “O Brasil é um país que tem tudo para dar certo; mas, rigorosamente, nós somos uma nação que ainda não deu certo”.

Somos um país com o potencial que nenhum outro possui. Eu ouvi, de um homem altamente responsável, dos Estados Unidos (eu não ouvi dizer: ele disse a mim, na frente de muitas pessoas), que o Brasil possuía 26% mais de riqueza natural, de potencial natural que os Estados Unidos. E mais do que qualquer outra nação. A chamada massa crítica para o desenvolvimento, que é o potencial do que é a riqueza natural e a população; claro que a China tem mais população
que nós. Alguns outros países têm. Mas se somar, integrar a população e fizer uma média
adequada, em relação ao seu potencial de riqueza natural, nós somos, talvez, a maior nação do
mundo.

Olha, na minha crença, nós já somos a maior. Por todos os dados que eu possuo, o Brasil é a
maior nação do mundo. Porque há um dado que é preciso levar em conta: é a questão do ambiente favorável à vida humana. Com todos os problemas que temos, o Brasil é um país com o ambiente natural favorável ao desenvolvimento da vida humana.

“E por que o nosso país não deu certo, até hoje? Não deu certo porque nós não tivemos elites,
dirigentes, quadros, governantes do nosso país que fossem do nosso lado, que tivessem preocupados conosco, com o nosso povo. Digo “preocupados conosco”, porque me sinto integrado neste povo”.

E por que o nosso país não deu certo, até hoje? Não deu certo porque nós não tivemos elites,
dirigentes, quadros, governantes do nosso país que fossem do nosso lado, que tivessem preocupados conosco, preocupados com o nosso povo. Eu digo “preocupados conosco”, porque eu me sinto integrado neste povo.

Eu vim de lá. Eu vim de um lugar chamado Brasil Profundo, onde ninguém registrava os filhos, onde não havia um médico: havia um curandeiro; não havia professores. Não havia nada! Onde as crianças somente nasciam pelas mãos das parteiras práticas: alguma camponesa; muitas delas camponesas negras. O crédito: elas é que nos faziam nascer. Eu nasci pelas mãos de uma que se chamava Joana. Ela vinha a cavalo, duas semanas antes, mais ou menos, do parto. Ela aparecia lá e lá ficava.
Era uma região assim. Quer dizer: este Brasil Profundo de onde vim teve, mesmo com todos estes
anos – com os 80 do Brizola – continua lá assim…

Mudou… Em função de certos movimentos econômicos de grupos – ligados aos interesses estrangeiros – que foram lá, investiram, exploraram a madeira, cortaram todos os pinheiros. Claro, sobrou algum dinheiro para alguns amigos que tomaram uma iniciativa comercial, industrial. Alguma coisa se desenvolveu. Mas quem enriqueceu mesmo foi embora.

Este país tem sido assim. Por isto, ele não deu certo até hoje. Nós não podemos evitar que as
pessoas se iludam com o dia a dia da nossa vida. Ainda mais agora, com a televisão batendo,
chamando, mostrando coisas que eles querem nos mostrar. E o noticiário. E a imprensa tratando
de desinformar.

Eu hoje, por exemplo, peguei um jornal, chamei um colaborador e disse: conta para mim, aqui,
pega todo este noticiário político – quanto é de briga ou é de paz? Ele contou: 95% do noticiário
eram para fazer briga entre nós. E destes 95%, eu vou dizer: uns 25% eram para o Brizola. Até
hoje!…

O país que não deu certo. Esta é a tristeza nossa.

Agora, vai ser por isso, por essa parafernália que eles montam… todos os dias estão pensando
nisso. Agora estão com a urna eletrônica. Mas antes, também era computador na Justiça Eleitoral. Aquela da Proconsult foi o computador; simplesmente o computador.

Agora, em matéria de computador, olha, são milhares de computadores na Justiça Eleitoral. E tem
alguns de alta geração. São oito ou dez de alta geração. Só no computador eles nos levam. Ainda
mais agora, com a urna eletrônica. Essa sim.

Nós elucidamos já este problema. Bastante! Mas é impressionante, como não nos crêem. Ou, se
acreditam, não estão em conta. Nem nós mesmos. Vamos ser francos. Se nós sabemos – de certeza – que eles podem, através deste sistema de informatização da Justiça Eleitoral, fazer a eleição como eles querem, nós nem estávamos aqui reunidos. Vale a pena ter partido? Vale a pena competir? Se eles elegem um poste, se eles quiserem, por que estou falando aqui?

É que é o seguinte: há uma coisa em nós, dentro de nós – está no nosso coração, está na nossa consciência – que se chama esperança. Por isto é que nós somos brasileiros. Por isto é que nós damos continuidade a este país – massacrado, violado, como vem sendo. Mas aquela esperança está aqui dentro trabalhando. Ela não se entrega! Nós somos um partido de esperança, porque sabemos que o Brasil não pode continuar assim.

Este povo inteiro, por aí afora, está clamando por uma mudança. Podem crer: este quadro sucessório que está aí, é agora uma hora de mudar. Estão marcadas as eleições para Presidente, para Vice, para governadores, dois terços do Senado, deputados estaduais: toda essa macacada vai ser eleita aí. Vai mudar.

Agora, o povo brasileiro quer uma mudança, quer uma mudança nesse contexto. E têm alguns que vêm, e fazem campanha por puro carreirismo – compreendeu? – porque para eles, atuar, governar é fazer espetacularidade, como esse personagem. Esse personagem…

E nós temos que bater no peito. Reconhecer. Cristo também criou o Judas. Não tinha nenhum apóstolo que tivesse se metido ali, se imposto ali sem a vontade de Cristo. Não. Cristo era o chefe! Dos 12 apóstolos. E só se tornaram apóstolos a convite dele. Ele, que era Deus, errou num desses, em doze… o que a gente pode fazer?

Perdão, como o Lupi disse hoje, na rádio: “Perdão, povo do Rio de Janeiro, por termos cometido
esse erro”, de finalmente termos criado esse personagem. Fomos nós que criamos. Ele começou no PT. Estava no PT, não se elegeu. Quando ele viu que o nosso Partido era forte lá em Campos, já se meteu a vir. Mas mandou primeiro a Rosinha, que é uma rosa. Já foi escondendo a sua identidade.

Nós somos de boa-fé, nós somos uns inocentes: encaramos todo mundo de boa-fé. Eu sou assim. Aliás, não me arrependo. Sabem por quê? Os que debandaram, os que me decepcionaram são esses sonsos. A regra não. A regra não. Agora, eu tenho apenas olhos para ver. Agora é que nós temos os elementos para fazer o julgamento.

“Quem trai um partido do povo, como o nosso, está traindo uma parte do povo; quem trai uma
parte do povo, trai todo o povo, mais hoje. Mais amanhã”. E nós não percebemos isso, Lupi!!! Não tem o “quem engana uma parte do povo, acaba enganando o povo inteiro”? Quem trai um partido do povo, como o nosso, está traindo uma parte do povo; quem trai uma parte do povo, trai todo o povo, mais hoje. Mais amanhã.

E assim vai. Vai andando este país. Vai rodando.

Nós não estamos isentos, também, de todos esses erros. Mas os nossos erros são diferentes dos
erros dessas elites que enriquecem, que se conservam no poder sem nenhum escrúpulo, que continuam mantendo o país no atraso, que não querem saber do desenvolvimento, da civilização entre o nosso povo.

Querem manter a coisa lá. E sempre são contra todos os avanços; como também aqueles que exploram os avanços para ocupar um lugar lá para se cobrir nas elites: eles querem entrar no baile, no salão das elites. Então, eles se apresentam como reformadores, como transformadores para entrar lá. E lá ficam. Os que estão lá fora, estão lá fora… Há bolsas para eles.

O nosso país tem sido uma vítima sucessiva de todo esse contexto. E eu me sinto… Sinto este orgulho de me manter firme, forte nas convicções. Cada dia que passa, eu me sinto mais seguro, porque eu não me considero intelectual (com uma enorme biblioteca atrás de si…); não sou alguém… um sábio. Não. Eu trabalho mais na base de alguns princípios; e procuro fazer as minhas reflexões na base do bom senso, daquilo que não deixa de estar ao alcance do nosso povo, quando passa a ter informações.

Quantos nós conhecemos, quantos milhares, milhões de brasileiros, de todas as idades que estão
plenamente esclarecidos. Não se deixam enganar. Vêem um personagem aí na televisão, uma novela, um quadro qualquer, uma notícia e já entende o que está atrás daquilo; o que pretendem com aquilo.

Eu era muito jovem, quando entendi que o nosso país, enquanto não resolver um problema determinado, não tem chance. Nós poderemos trabalhar com a maior eficácia, ter a maior produtividade em qualquer campo econômico e não termos chance de acumular, de fazer o nosso desenvolvimento, porque o nosso país é vítima de um processo de sucção, de espoliação.

Nós estamos sendo submetidos a uma máquina que funciona; que vai nos tirando. E chega a esse absurdo de quanto mais produzimos, mais trabalhamos, mais perdemos. Se nós perdemos, alguém está ganhando.

Claro, obviamente que são aqueles aparelhados, preparados, que nos ganham já no conhecimento, na tecnologia. E vão nos levando. E eu até criei uma expressão chamada “perdas internacionais”. A rigor, não é bem perdas internacionais, é “espoliação internacional”. Quando uma sanguessuga…

É possível que a maioria de vocês não saiba o que é uma sanguessuga. Sanguessuga é uma espécie de uma cobrinha que tem nas lagoas, em muitos rios mais parados. Ela é pequena, mas vive do sangue dos animais; e do sangue humano, quando uma criança vai tomar banho ali: ela pega na pele, fica ali; já larga uma substância que anestesia, e a gente nem sente. Ela se acomoda ali e vai chupando o sangue. Quando se dá conta, ela esta deste tamanho… Chama-se sanguessuga.

Para se entender as coisas que ocorrem no nosso país, vocês têm que partir das sanguessugas. Nós temos, sob o corpo nacional, muitas sanguessugas. Algumas que vêm com as bandeiras de seus países; outras usam a bandeira nacional: estão ali verdinhas e amarelas. Então, o que acontece? Prendem, e vão tirando o sangue.

E aí vêm os problemas. Todos os problemas aí começam.

Claro que há maneira de a gente se defender. Nós não temos sabido, inclusive, nos defender adequadamente. Porque para nos defender, nós precisamos ter uma ideia de que haja um governo, pelo menos, que admita este fenômeno. Porque nem sequer admitem! Nem sequer admitem esse fenômeno!

Mas a sanguessuga chega ao pé. Chega sempre. A primeira coisa que o organismo sente é sede. Você tira uma parte de sangue, está tirando uma parte de líquido do corpo (isto é uma coisa lógica). Então, a gente pega a água (um copo) – depois, vêm mais sanguessugas, no outro copo. Vai sentido sede. E aí, sabe o que ocorre? O sangue da gente – o conjunto do sangue – vai ficando aguado. E a sanguessuga não gosta de sangue aguado!… Ela quer sangue puro.

Sabe o que é isso?

A inflação. É a inflação, porque bota a água e o sangue fica aguado. Emite papel aqui dentro, a
moeda fica fraca. Tem que transpor esse fenômeno da sanguessuga para o caso da inflação. Quem é que não quer inflação? As grandes economias não querem saber. “Ah, aquele país está com a inflação de não sei quanto; está feliz…”. Não quer inflação, porque a sanguessuga não quer sangue aguado.

Vocês vão depois desenvolver este raciocínio; e vocês vão ver como isso vai dando certo por aqui. Por quê? O que eu vou fazer, se não posso tirar essas sanguessugas daqui? O que vou fazer? Tenho que tomar água. Não. Bota os órgãos do organismo, que produzem sangue, a trabalhar mais.

Com isso, o organismo já se põe a trabalhar. Os órgãos que produzem sangue começam a superproduzir sangue. E o organismo fica deformado, porque há uma superexigência desses órgãos que produzem sangue.

“Ah, vê a Argentina como ficou aí…”. – Começa a inquietação, porque aqui dentro está muito ruim. Então, ele diz o seguinte: “Vamos aplicar umas fórmulas aí; umas receitas de tal modo que isole, expurgue uma parte do organismo todo”.

Então, pega um torniquete e põe numa perna. Mantém a perna… ainda… meio paralisada (não pode nem apoiar na perna). Viva, mas com muito pouco sangue. Então, torniquete num braço, torniquete no outro braço. Torniquete na outra perna. Acabou o organismo ali – deitado: produzindo sangue (o que pode produzir) para a sanguessuga. E fica inerme toda aquela situação.

Eles não admitem, por exemplo, um raciocínio deste tipo: “Ah, vem o Brizola com as perdas internacionais; porque não sei isso, porque não sei aquilo”. Isto aí é como dois e dois são quatro.

Agora, o que nós temos que fazer? Nós teremos força para tirar todas as sanguessugas? Pode ser que não. Mas nós temos que ter consciência de que é uma sanguessuga, o primeiro ponto. Agora, tem as sanguessugas que se cobrem de verde e amarelo que defendem as outras – “Deixem que venham; capital estrangeiro tem que vir, tem que tomar conta; ocupar” – para defender a eles também, porque tem atrás as outras nações defendendo aquelas sanguessugas estrangeiras.

Olha: isto aqui é uma forma simplória – primitiva – de encarar esse processo de espoliação que
nós vivemos.

Então, não temos saída? Temos.

Nós temos, primeiro, de ter consciência de que é assim. Consciência de que é assim. “Pois é, mas
é uma realidade que elas têm que estar por aqui; uma ou outra tem que estar por aqui…”. Até pode ser. Mas nós temos que ter consciência de que é assim. Não é esse absurdo, como agora fizeram as privatizações? Então, entrega tudo!

Porque eles sabem mais do que nós. “Eles vão trazer o desenvolvimento, a tecnologia”. E nós, estamos entregando tudo: “E ainda vamos ter dinheiro; eles vêm com dinheiro para investir, para fazer isso, não sei o que”. Não vieram com dinheiro; botaram fora todo o dinheiro que receberam (aliás, receberam só quase papel podre). Venderam com moeda podre, com a ilusão de viria tudo isso. E não veio.

Quer dizer: esse quadro geral do país, nós podemos entender através de metáforas simples. Simples. Bem simples para entender como é. Nós temos isso sobre nós. Você sabe quando eu fui indeferido

Quando eu era Governador lá do Rio Grande do Sul.

Primeira coisa que fui tratar: nós precisamos de um milhão de quilowatts, porque o Rio Grande do
Sul não pode viver sem energia; não temos energia. Temos aí umas caldeiras velhas, que vinham estourando; na base do racionamento; umas termoelétricas na base do carvão. Enfim, uma situação precária, e até já venceu todo o período que tinha de concessão. Não querem investir, não querem fazer nada. Essas linhas de transmissão, até as subterrâneas, ameaçando a cidade com acidentes, com incêndios que podiam ocorrer. Eu digo: bom, não tem maneira. Depois de esgotar todas as possibilidades de entendimento, eu digo: não; eu tenho que buscar a lei; e vou agir de acordo com a lei.

Não foi fácil conseguir assinatura do Presidente Juscelino Kubistchek, porque aquilo estava
centralizado no Governo Federal. Precisava de uma licença. Eu fiz lá uma estratégia e peguei a
assinatura dele. Esta estratégia, depois eu conto. Peguei a assinatura dele e paf! – usei a lei.

Já tínhamos feito um levantamento, a avaliação, o tombamento. Como eles tinham levado muito lucro além do que podia levar (lucros ilegais): eles tinham que indenizar o pessoal; eles tinham muitas extensões de redes que deviam à população (eles só estendiam a rede, paga pela população). Eu descontei tudo aquilo, e eles estavam nos devendo ainda.

Então, eu desapropriei por um cruzeiro. Fui ao juiz, depositei um cruzeiro, e encontrei um juiz com “J” maiúsculo, e ele – pá! – emitiu-me a posse.

Eu digo a vocês: se fosse uma empresa carioca, paulista, mineira ou mesmo gaúcha, procedendo
daquela forma, eu ia à desapropriação. Não é só por ser estrangeira (naquele tempo eu era um
inocente).

Mas eu fiquei surpreso, quando eu pratiquei aquele ato. Olha, começou uma campanha nacional: os jornais do Chateaubriand saíram a campo e… pau daqui, pau dali; briga daqui, briga dali – por toda parte. Eu passei a ser um perigo nacional. E noticiários na Europa, Estados Unidos, contra mim – fotografia nas revistas. Até na revista Times: eu a cavalo, parecia um bandido… (É… me botaram…)
E eu estranhava: como pode fazer isso comigo?…

“Olha, aí que eu fui ver que, num país como o nosso, cheio de sanguessugas, onde você vai querer reformar mesmo, tirar dali a sanguessuga, pode ficar certo que você está pisando em interesses internacionais”

Olha, aí que eu fui ver que, num país como o nosso, cheio de sanguessugas, onde você vai querer reformar mesmo, tirar dali a sanguessuga, pode ficar certo que você está pisando em interesses internacionais.

Este é o ponto da questão. Então, nós vivemos aí. Claro, você toca ali, a sanguessuga não quer saber. Aí ele vai dizer: “e a sanguessuga?”. Este é o problema. Tem um povo que trabalha, que tem uma enorme de uma produção econômica, todos os anos; um enorme de um produto econômico – o povo brasileiro trabalha muito. Não é verdade que é um povo que não produz, que não trabalha. Trabalhamos muito.

O interior agrícola, por exemplo, trabalha; e para ter um precinho ali – como não pode adubar,
como não pode ter outros fatores para produzir mais – eles exportam o húmus da terra. Exportam
húmus! E vai ficando a terra pobre e esgotada porque não pode repor. Em tudo é assim. Algumas atividades – compreendeu? – encontram uma compensação diferente, mas a muito custo. É necessário que convenha também, porque às sanguessugas não interessa que aquele organismo morra. Porque, se morre, não tem mais sangue (toda verba tem que sair: tem que se ir mudando pra cá, pra lá…). Não interessa que ele fique inerme.

Então, é preciso esta compreensão, porque esta é a base do que ocorre. Para mim, esta questão
é uma espécie de contador Geiger, desses que põe ali o contador para ver se tem radiação: detecta irradiações.

Se não encarar a situação brasileira, se não for à base deste tipo de concepção de que nós somos uma nação espoliada, submetida a um processo de espoliação de fora, e que tem uma cumplicidade aqui dentro; porque se não fosse a cumplicidade que tem aqui dentro, as sanguessugas não poderiam chegar nem no corpo. A cumplicidade aqui de dentro é que pega a sanguessuguinha – quando vem pequenininha – vai e coloca no lugar aonde ela vai poder chupar o sangue.

Pensem nisso, que é a base. A partir daí, nós vamos tirar e entender tudo mais. Eles eliminam esta questão das perdas internacionais não discutem. Parte diz que isso aí é uma verdade; que isso aí é uma realidade; que isso não adianta. Então, vai ver: os países desenvolvidos não permitem isso. Os países que se desenvolveram tomaram medidas contra isso.

Inclusive os americanos, que eram uma colônia. E o problema para eles foi quando os ingleses criaram o imposto sobre o chá. Eles produziam muito chá. E fizeram a guerra da independência. E
ficaram mais tempo isolados do que ficou Cuba. Ficou, talvez, mais tempo isolado do mundo do que ficou Cuba. O único país que entrava e saía lá era a França, que ajudou na independência e ficou… A França foi que fez a ligação, praticamente, dos Estados Unidos com o mundo.

Então, este é o princípio de um raciocínio correto sobre a situação brasileira. Tudo mais é consequência, porque nos falta aquilo que nós temos – aquilo que nós produzimos – que devia se transformar em escola, em saúde; transformar em estradas; transformar em progresso em todos os campos (aquilo que falta na nutrição do nosso povo).

Eu, cada vez que passo na rua… Às vezes eu venho vindo: é aquela penca de gente esperando ônibus. Eu vejo quantas horas aquelas pessoas estão sem comer nada, porque como é que pode ir a um bar desses aí comprar alguma coisa pra comer? Porque não tem! Simplesmente, não tem… não dá. E vendo ali a esperar o ônibus… E olha a situação deles ali: aquela gente vivendo na exclusão, na limitação de tudo. Não há moedas para eles. É triste.

Então, o nosso povo está assim. Todo ele. Por toda parte. Aos milhões. Por que, se os outros não
vivem assim? Nós, como muitos outros povos, vivemos essas carências. Mas muitos outros povos não vivem. Por quê? Porque eles se cuidam. E nós, o que produzimos vai embora. E falta para nós. O que nos falta de escola; o que nos falta de saúde, o que nos falta de remédio, o que nos falta de desenvolvimento humano, de desenvolvimento social, de comodidade, de meio de produção. Por que nos falta? Porque nós perdemos. Porque se vai – dia e noite!

E há grupos, áreas do mundo, que até dormindo estão ganhando dinheiro. Eles estão dormindo, mas estão trabalhando… e aquilo vai caminhando. E agora, cada vez é pior; cada vez é pior. Hoje, eu conversava com um amigo, que me dizia que, na participação no produto econômico do nosso país, o salário caiu. Era mais de 50 (não sei se era 54 ou 56), e caiu para 30 ou abaixo de 30.

No produto econômico era essa participação; e agora não é mais. O que significa isto? Baixa de padrão de vida; mais pobreza. E a gente se enganando: agora tem mais gente que tem carro; tem mais gente que tem televisão. Mas isso aí é o mínimo… Vá ver como se alimenta; vai ver como está a perspectiva dos seus filhos.

Então, o que dói é o que nós não temos. Claro que não é isto uma simplificação também; não pode ser levado a um quadro de simplificação: de ser assim, simplesmente assim, não. Nós temos que lutar contra os sanguessugas. Nós temos que fazer com que o nosso país tenha uma inserção no internacional, de tal modo que eles compreendam – primeiro – aquilo que já se dizia antigamente (que os próprios índios diziam): esta terra tem dono.

Não pode entrar um qualquer aqui e fazer o que quer, como eles têm feito. Nós temos que regular este país. Não podemos viver isolados. Não podemos viver. Nós temos que viver relacionados; mas o nosso relacionamento tem que ser um relacionamento seletivo. Seletivo! Nós não podemos estar entregues, simplesmente, ao modismo que vem de lá; ou entregues às conveniências deles.

Buscar os nossos interesses. Se não é assim, não fazemos nada.

Nós temos aqui um ambiente bom para viver; podemos viver um pouco mais pobremente, mas comermos melhor, termos melhor educação. E nós sabemos que o futuro é a nosso favor. E não nos entregar, absurdamente, como fez este personagem que nós temos no governo. Eles criam as doutrinas, como esse neoliberalismo. Isso aí, nos fez proceder como os índios que acreditavam no espelhinho. Eles vieram com espelhinho, davam espelhinho.

Então, as índias usavam os espelhinhos: “Olha aqui… como é que eu vou viver sem isso?”. (E os
índios também… não é? Olhar… São mais guerreiros, não é?). Mais guerreiros! O próprio espelhinho. E nós, iludidos com os espelhinhos modernos, que não querem dizer nada. E não temos sabido distinguir isso.

Por quê? Porque faltam grandes e bons governantes, que precisavam orientar.

Eu digo isto, companheiras e companheiros, como uma digressão, porque meu papel é um pouco
este. Meu papel, eu quero que meus companheiros entendam, não pode ser mais aquele papel que o Brizola podia ter aos 30 anos, 40 anos, 50 anos, compreendeu?

Meu papel precisa ser útil. Ser útil a toda uma plêiade de companheiros – jovens, cheios de energia, com a consciência queimando contra tudo isso. E poder ser útil a eles. Este é o meu papel.

Então, numa hora como esta, eu aproveito o agradecimento que quero fazer, de todas estas atitudes generosas que tiveram para comigo, para poder ser útil aos companheiros. Este é o meu conceito.

Eu disse para o Lupi: Olha, eu vou fazer um programa de palestras. São de natureza cultural (até
agora, estamos fazendo política). Vamos ver se difundimos numa rede de rádio, ou na televisão. Eu vou fazer palestras elucidativas para o nosso povo. Vamos nos preparar.

“Nosso país está se aproximando de uma senhora crise, como aqueles temporais, como há poucos dias nós vimos, que amanheceu escuro. Foi indo, foi indo e, dali a pouco, toda esta região estava dentro de um temporal de água, e água, e água, e água. Nós estamos nos aproximando de
uma senhora crise”

Eu acho que o nosso país está se aproximando de uma senhora crise, como aqueles temporais, como há poucos dias nós vimos, que amanheceu escuro. Foi indo, foi indo e, dali a pouco, toda esta região estava dentro de um temporal de água, e água, e água, e água. Nós estamos nos aproximando de uma senhora crise.

Você não vê que é um exagero isso que noticiam sobre a Argentina? Eu estou lendo os jornais argentinos, as revistas argentinas. Pensam que o argentino mudou muito a vida dele? Não mudou
não. Estão lá as portenhas, no centro, passeando, nos concursos. Não vêm para a praia, porque
não podem tirar os dólares do banco. Mas vão para as praias deles. Estão cheias as praias lá.

A vida do argentino lá não alterou muito não; porque ele tinha um padrão de vida muito alto. Claro que eles estão vivendo a dificuldade de uma família que, de repente, ficou sem dinheiro para comprar as coisas mais banais, mais necessárias do dia a dia. Mas ela tem base. Mas, então, é uma crise ou não é? É uma crise. E entraram nesta crise, justamente porque fizeram uma política igual a esta aqui. Aquele sujeito chamado Cavallo… Que nome mais adequado, não é? Quadrúpede! Vinha aqui: parecia um cavaleiro do apocalipse. Vinha aqui de olho arregalado. E mandava! E está mandando aí desde o tempo de Sarney, do Plano Cruzado. E veio e mandou neste: também no Plano Real.

– “Não sai o real? Não sai o real? Eu vim aqui para saber… Não sai o real?…”. Porque ele estava sabendo que o tal do Mercosul e o real eram uma forma de arrumar um pouco de oxigênio para eles. Porque eles adotaram um plano absurdo – um plano absurdo, que foi igualar a moeda nacional com o dólar. Então, ficaram presos.

E não podiam emitir, porque não pode emitir dólar. Bem no começo, procurei saber deles. Eu até
tive relações com esse Menem, porque ele vinha do peronismo; se apresentou na eleição lá como parecia um novo Perón, com as suíças dele. E eu pensei que era mesmo. Até alguma ajuda nós fizemos a eles, no sentido de colaborar com eles, mandar gente para lá, e tudo. Ele ganhou a eleição, insistiu para eu ir na posse. Fui lá. Quando cheguei lá em palácio, assim que ele me viu disse:

– “Leoneeeeeelllll”. Me abraçou, me beijou…

Assumiu e, no outro dia, fez um acordo com o Roberto Campos de lá, que é um sujeito que se
chamada Assogaray. Uma política como esta aqui. Então, esta política levou na direção com o que aconteceu com a Argentina. Levou na direção, o Brasil. Mas por que o Brasil não chegou à crise que chegou a Argentina? Simplesmente é o seguinte: é como dois sujeitos, dois empresários que estão falindo. Um não tem mais nada o que vender; não tem mais nada para garantir. É o que está acontecendo com eles: crise no capital de giro, de tudo. Eles já venderam tudo. Venderam até o Banco do Brasil deles; venderam petróleo, venderam tudo. Não tem mais nada o que vender lá. Tudo isso que nós vimos vender aqui (e que ainda faltam algumas coisas…) eles venderam.

E não apertam, e não asfixiam o Brasil como estão asfixiando a Argentina, porque nós, ainda
“aqueles não, porque eles têm ainda muitos apartamentos para vender ainda…”.

Compreendeu? Nós termos a Petrobrás, nós temos Furnas, nós temos o Banco do Brasil, a Caixa
Econômica. Tem a Amazônia, porque eles estão de olho na Amazônia. Gente, ainda tem as águas. Porque o Brasil é o país mais rico em água doce que há. Até nisto nós temos um potencial gigantesco. Por isso que eles não nos apertam.

Mas a nós situação… Olha, basta ouvir falar num homem como Mourthé [Arnaldo], que vem estudando para o nosso Partido, vocês vão ver. A situação do Brasil é até, sob alguns pontos de vista, mais precária do que da Argentina. É porque eles não estão nos apertando. Porque a dívida do Brasil já é maior do que o nosso orçamento nacional. É maior do que o nosso orçamento nacional. E na Argentina não.

Eles estão aplicando com 12% do orçamento nos compromissos da dívida (juros e no principal). O
pesado deles, no orçamento, são os aposentados, porque fizeram um sistema de aposentadoria privada. Privatizaram. Passaram a parte dos compromissos para o Tesouro do Estado; e passaram para as empresas que tomaram estas tarefas o giro: estão arrecadando o dinheiro dos que vão se aposentar. Apenas. E quem está pagando é o Estado. Como eles não têm de onde tirar, e os aposentados estão na panela, na rua, eles não sabem aonde buscar.

De modo que nós vivemos um momento muito importante, muito difícil. Nós tivemos aqui uma janelinha de rádio. Eu aproveitei para falar sobre estes assuntos com vocês. Mas eu ainda vou continuar aqui mais alguns minutos, mesmo sem rádio, porque eu quero complementar bem aqui meu pensamento.

Aliás, é bom, porque algumas confissões que quero fazer aqui para vocês, meritosamente, apenas para os que aqui estão, e não através das ondas de rádio ainda, até que a gente amadureça bem os nossos entendimentos.

NR
Quem também aniversaria nesse dia 22 de janeiro é o grande presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, que faria hoje 127 anos.