ABI se cobre de luto por Millôr Fernandes


28/03/2012


A ABI lamenta a morte do  jornalista, escritor e cartunista Millôr Fernandes aos 88 anos, na madrugada desta quarta-feira, 28 de março, em sua casa, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Millôr teve um acidente vascular cerebral seguido de falência múltipla dos órgãos. O velório está marcado para esta quinta-feira, 29 de março, no Cemitério Memorial do Carmo, das 10h às 15h, no Caju. Em seguida, o corpo do jornalista será cremado.
 
A trajetória profissional de Millôr no Jornalismo e em outras áreas foi lembrada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo:  
 
— A ABI lamenta a morte dele, um profissional talentoso e polivalente, um intelectual destacado em diversas áreas como no desenho, no jornalismo e no teatro. Era um intelectual superdotado que teve atuação destacada também no combate à censura na ditadura militar, quando fez parte da equipe do O Pasquim.
 
Além de jornalista, escritor e cartunista, Millôr também se destacou como ilustrador, fabulista, dramaturgo e tradutor de Shakespeare, Molière e Brecht. Referência para humoristas e cartunistas, o polivalente Millõr teve passagem marcante por publicações históricas da imprensa nacional como a revista O Cruzeiro, o Jornal do Brasil, e O Pasquim.
 
Foi um árduo lutador contra a censura no Brasil em diversos momentos, como na TV Excelsior, em que criou o quadro “Lições de um ignorante”, censurado por Juscelino Kubistchek. É reconhecido também como o criador do frescobol, esporte que exaltava como o “único esporte com espírito esportivo, sem disputa formal, vencidos ou vencedores”. Como desenhista, teve suas obras expostas no Museu de Arte Moderna em 1957 e 1977 e foi um dos primeiros artistas a utilizar o computador para fazer suas ilustrações.
 
Carreira
 
Em 1938, Millôr já começava a escrever quadrinhos, e venceu o concurso de crônicas da revista A Cigarra. Permaneceu como diretor por um tempo, até 1941, quando foi para O Cruzeiro. Ali criou a famosa coluna “Pif Paf”, e fez parte de uma das mais brilhantes equipes da História do Jornalismo brasileiro, que levou a circulação da revista de 11 mil para 750 mil exemplares.
 
Após sair de O Cruzeiro, em 1963, transformou a Pif Paf em revista, mas a censura militar não permitiu que a publicação durasse muito tempo. A esta altura, Millôr já se aventurava como tradutor e dramaturgo, da mesma maneira brilhante que atuava nas Redações. Ao todo, traduziu 74 obras teatrais para o português e estreou sua primeira peça, “Uma mulher em três atos”, em 1953.
 
Mais tarde, levou seu talento para O Pasquim, jornal independente criado em 1969. Com ele estavam Sérgio Cabral, Jaguar, Paulo Francis, Ivan Lessa e Tarso de Castro. O jornal fez sucesso pela linguagem sarcástica contra a ditadura, que muitas vezes enganava os censores e fazia a alegria do público. Em 1970, assumiu a direção do jornal quando vários dos integrantes da equipe foram presos pelo regime militar.
 
Deixou a equipe do Pasquim em 1975, após a apreensão do número 300 do jornal pelo então Ministro da Justiça Armando Falcão. A discordância com os colegas se deu porque Millôr queria satirizar o Ministro na edição seguinte. Foi também por seu posicionamento forte que deixou a Veja em 1982, na qual colaborava desde 1968, porque os dirigentes da revista queriam que o escritor não defendesse a candidatura de Brizola.
 
Dali transferiu-se para o Jornal do Brasil, onde publicava charges, pequenos poemas e textos, ironizava políticos como José Sarney com críticas sociais e políticas. Em 2004, voltou à Veja como colunista, até 2009. Recentemente, criou um twitter, pelo qual se comunicava com mais de 360 mil seguidores.
 
Genialidade
 
Para Hélio Fernandes, irmão de Millôr, a perda do irmão é irreparável:
— A morte dele vai reacender o debate e a polêmica sobre as palavras “genial” e “insubstituível”. Em apenas uma semana perdemos duas grandes figuras, ele e o Chico Anysio. O Millôr dominou todos os setores e fez tudo muito bem. Uma vez me perguntaram se eu era muito amigo dele e eu disse: ele é meu irmão, jornalista da minha geração e gênio, como é que eu vou concorrer?
 
Hélio lembrou com saudade do estilo de vida saudável de Millôr, com quem costumava correr sempre do Arpoador ao Leblon, e fez um breve resumo da carreira do irmão:
— Começou a desenhar aos 15, 16 anos, depois parava e quando voltava, voltava melhor ainda. Ele fez traduções de Shakespeare, escreveu uma peça pra Fernanda Montenegro com título de uma só palavra que foi um sucesso (a peça “É…”), trabalhou em O Cruzeiro numa época em que a circulação da revista batia recordes. O “Pif Paf” foi a ponte dele para a imortalidade. Até hoje todos os cartunistas novos pediam sugestões a ele antes de começar, ele era o farol de todos. O Millôr é uma parte da História.
 
Zuenir Ventura, outro companheiro de profissão de Millôr, lamentou a perda do amigo:
— Com a morte do Chico Anysio outro dia e a do Millôr hoje, em menos de uma semana o Brasil perde dopis gênios do humor. O País fica mais sem graça. Embora tenha atuado em outras frentes, o forte dele era a palavra: era um criador polivalente, tinha um enorme potencial polissêmico, gramatical e semântico. Ele era um criador permanente que fazia humor 24 horas por dia, e fazia rir e pensar, um criador como poucos na língua portuguesa. 
O jornalista destacou também a independência com a qual Millôr conduziu sua vida profissional:
— Ele era cético, mas não ressentido. Tinha independência e liberdade como poucos, e costumava dizer: “não existem homens livres, mas poucos chegaram tão perto quanto eu”. Ele não se filiava a partidos, igrejas ou ideologias. /DIV>

 
Por fim, Zuenir contou um lado de Millôr pouco conhecido da maioria:
— Pouca gente sabia que ele era um profundo conhecedor de números e cálculos. Uma vez eu presenciei uma reunião na Redação para discutir aumento de salário, e o outro rapaz que discutia com ele ficou abismado com a capacidade do Millôr de fazer contas de cabeça tão rápido.

*Com informações do O Globo