Hoje é Dia de Livro


31/01/2023


Muniz Sodré e o declínio da esfera pública na contemporaneidade                                                         

Por Pedro Claudio Cunca Bocayuva*

 

Na crise de representação, o furar bolhas se tornou uma exigência para tentarmos reverter o ciclo do colapso da mundialização das fórmulas da “revolução passiva”. Os livros do jornalista, sociólogo e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Muniz Sodré, As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política e A sociedade incivil: mídia, iliberalismo e finanças são essenciais para repensarmos a batalha pela direção cultural, intelectual e moral, no cotidiano em mutação e na tendência para a catástrofe.

Vivemos um ciclo social e ambientalmente regressista por força do “Estado Neoliberal”, do fetichismo da mercadoria, da sociedade do espetáculo e dos simulacros, com acumulação da riqueza e do poder na sociedade em rede. Estamos diante da fragmentação e do desamparo com a dominação necropolítica.

A crise de representação se manifesta na atualidade como “falência da mediação liberal”. Este processo se liga à financeirização, à guerra e aos vários novos extremismos de potencial totalitário/fascista, à morbidez e à crueldade no cotidiano, com: expulsão, encarceramento, descartabilidade, tortura e extermínio. Capturas e agenciamentos são gerados no ciberespaço via “afetos tristes”, com a ativação da fúria do narcisismo das pequenas causas. A recombinação de tecnologias de poder se materializa pela subjetivação através do “fake”, da repetição negacionista do absurdo, da pós-verdade, das normalizações, da narcotização, do consumismo e da ativação de uma racialização que desencadeia processos de “limpeza étnica”.

No plano social e ambiental, as arquiteturas da destruição resultam em formas crescentes de processos de exceção, face às indústrias do medo e da catástrofe. A “midiatização”, a criminalização e o “gozo punitivo” se ampliam na “sociedade incivil”. A banalização da crueldade e os modos de agir violentos são tentativas de lidar com o sofrimento pela pulsão de/para um certo “desejo de matar” no contexto do colapso da pós-modernidade. Como repensar as formas da crise orgânica da modernidade, com ênfase na temática do trauma e da catástrofe com o olhar biopolítico, genealógico, ao mesmo tempo em que revisitamos a dialética negativa, na chave do caos sistêmico, dos processos moleculares e dos efeitos em cadeia dos desastres, dos traumas, da exceção e do excesso do que chamamos catástrofe?

A “ideosfera”, a mobilização dos afetos pelas redes, as narrativas, as performances e a hipervisibilidade dos conflitos têm exigido um retorno à busca de “novos paradigmas” acerca dos modos de produção de processos de luta cultural/simbólica, tendo em conta as disputas de produção de sentidos, de imagens e espetáculos. Os agenciamentos humanos-maquínicos, cibernantrápicos, promovem tipos novos de desigualdade e constroem novos muros e “fronteiras”. Como apoiar um retorno ao território com a construção de uma cena pública, de um imaginário que sustente uma multiplicidade de alternativas?

O Brasil é um campo fértil para observarmos e agirmos criticamente sobre estes processos da destruição globalitária, em especial no quadro aberto pela pandemia, pelo “pandemônio” e pelas mutações tecnológicas da desmaterialização, que impulsionam a economia do saque da acumulação primitiva permanente. Penso que ao lado da literatura da (de)colonialidade, da teoria crítica/Frankfurt, da genealogia, da microfísica e do biopoder, todas as relações entre corpo, território, subjetividade e tecnologia têm exigido uma observação das articulações entre “multidão e rede”, entre luta molecular, luta molar, entre guerra de posição, guerra de movimento/manobrada.

A noção de emancipação e as teorias feministas, “queer” e decolonial precisam se colocar diante das complexidades da mundialização e da contrarrevolução com seus efeitos espaciais nas singularidades do cotidiano e dos lugares.

Estamos lidando com a “ideosfera” no contexto de uma crise orgânica prolongada. O momento é de formar blocos políticos, construir alianças e frentes únicas como estamos fazendo no Brasil. Desta forma, vamos furando bolhas ao disputarmos fluxos de informação e comunicação, para gerar agenciamentos do poder sobre as máquinas do hiper-real, ao criar uma nova cena pública.

(*) professor do Mestrado do Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH da UFRJ. Coordenador do Laboratório do Direito Humano à Cidade e Território.

Nota de Pesar

Por Maria Luia Busse, diretora de Cultura da ABI

A coluna e a diretoria de Cultura da ABI se somam aos sentimentos da família, amigos e admiradores da antropóloga Adriana Dias, falecida nesse fim de semana. Pesquisadora há mais de 20 anos no nazifascismo, Adriana mapeou a ascensão do movimento no Brasil e revelou o envolvimento direto do ex-presidente autoexilado na Disney. A última entrevista de Adriana está no livro (Neo) nazismo um rico atual_ Por que? Onde? Como? lançado semana passada pela Numa Editora com organização de Eliane Pszczol e Heliete Vaitsman. #paraadrianacomcarinho, PRESENTE.