30 de Abril – o dia que ainda não terminou


05/06/2024


Por Gloria Alvarez, diretora de mulheres e LTBTQIA+ da ABI

Foto:ISAAC FONTANA/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK

“Parece que o dia 30 de abril não termina.” Foi assim que uma mulher definiu, aos prantos, o horror que vive com a tragédia das enchentes no Sul do país. Vamos chamá-la de Maria. Essa é uma das tantas Marias que foi obrigada a abandonar sua casa e viver em abrigo.

Outra Maria está cercada dos quatro filhos pequenos, com a mãe ajudando a manter arrumado o canto onde “mora” hoje. O que pretende fazer? Não tem a menor ideia. Não tem perspectiva alguma.

Uma terceira Maria, sentada no colchão, ao lado de um jovem com problemas especiais, diz estar “feliz”. Por que? “Se eu não estivesse aqui, quem iria cuidar dele?”, aponta para o filho, ao lado.

Para essas Marias o dia 30 de abril ainda não terminou. Precisam buscar um cantinho onde ficar no abrigo. Conseguir leite, comida, água, roupas e cobertas – porque o frio exige agasalhos e pés secos para evitar doenças como a lepstopirose.

Paralelamente a esse drama, acontece ao mesmo tempo, em Brasília o Grupo dos Vinte (G20), o principal fórum de cooperação econômica internacional que o Brasil preside até 30/11/2024. Nele, inicialmente, as principais questões discutidas entre os 19 países participantes que representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, mais de 75% do comércio mundial e cerca de dois terços da população do planeta, eram macroeconômicas. Há pouco, na agenda foram incluídos temas como comércio, desenvolvimento sustentável, saúde, agricultura, energia, meio ambiente, mudanças climáticas e combate à corrupção.

Tais questões estão à mesa de discussões, em Brasília. enquanto o Sul do país vive a tragédia climática ímpar onde nossas Marias são protagonistas e tentam sobreviver.

Um dos relatórios de grupos de trabalho (sobre empoderamento da mulher) do G20 Brasil/2024 confirma o quadro de desalento das nossas Marias: “No quadro de uma tragédia, quem falta ao trabalho para amparar um familiar? Em um cenário de desabastecimento, quem faz esforços a procura de leite para as crianças? Na seca extrema, quem faz caminhadas de quilômetros em busca de água? Marias, Anas, Vanessas, de forma geral, mulheres. Porém, mesmo sendo mulheres as mais afetadas por eventos climáticos extremos, são ainda minoria em representação em cargos de tomada de decisão no campo das mudanças climáticas.

De acordo com a ONU Mulheres, entidade que integra os debates do G20, enquanto cerca de 80% das pessoas deslocadas pela mudança climática e por desastres naturais são mulheres ou meninas, quem debate esses temas são homens. No último ano, apenas 15 dos 133 líderes mundiais que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) 28 eram mulheres, número semelhante ao dos anos anteriores”.

Pois é, Marias, vocês eram foco da discussão desse grupo de trabalho. Uma pergunta dominava os debates: “as emergências climáticas não são neutras, em termo de gênero, e uma questão está no ar: como construir uma justiça climática feminista?”.

A ministra das Mulheres Cida Gonçalves, em seu discurso, afirmou: “…somos as mais impactadas com os desastres climáticos, ao mesmo tempo em que somos protagonistas da preservação do meio ambiente. A vulnerabilidade, a desigualdade e as diversas formas de violência que as mulheres sofrem no seu dia a dia acabam ampliadas em situações como a que enfrentamos hoje no Sul do Brasil…”.

Pois é, Marias, o dia não termina, as perguntas não têm respostas, as ações são pífias e as previsões climáticas apontam por crises mais agudas que dependem de ações preventivas urgentes.

O calendário marca dia 05 de junho de 2024, Dia Internacional do Meio Ambiente, mas vocês continuam no dia 30 de abril de 2024. Ruas alagadas, casas arrastadas, dependência de comida, de água, de medicamentos, de cuidados médicos. Vivendo abrigadas.

Passaram-se 888 horas e o dia não termina.