“Entrei de cabeça nas discussões sobre o racismo e passei a entender tudo”


04/06/2024


Por Sergio Tulio Caldas (*)

Para narrar a fascinante história da imprensa negra no Brasil, marcada por lutas e conquistas ainda hoje pouco ou nada conhecidas, é preciso percorrer seus bastidores, reconstituir episódios com minúcias. E, especialmente, ouvir seus artífices e testemunhas.

O tocante relato da jornalista Valdete Lima, 78 anos, ao Acervo Jornalista Gustavo de Lacerda, equivale a um livro repleto de acontecimentos pessoais e profissionais que moldaram não só a vida da protagonista. Se refletem também, e agora, no empoderamento de jovens negras, negros e indígenas nas redações, na publicidade, no cinema, na literatura, nos meios de comunicação.

Baiana de Salvador, filha de mãe doméstica que a criou sozinha na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, Valdete já lia aos 5 anos de idade. O destino a levou a se encantar, ainda criança, quando viu pela primeira vez um jornal sendo folheado à sua frente: era o “Correio da Manhã”. Na infância, conviveu com a família Vecchi – onde a mãe, dona Izabel, trabalhava. Os Vecchi, donos de uma famosa revista de fotonovelas na época, bancaram sua primeira educação em escola da elite carioca. Contudo, naquele ambiente, que a pequena Valdete entendia como familiar, foi onde sofreu com o primeiro ato de preconceito. Fato que fez a mãe deixar a casa dos patrões e ir morar com a filha na Rocinha.

A menina cresceu, e mais uma vez o destino (ou a estrela própria de Valdete?) a levou a trabalhar em serviços gráficos, se tornar revisora e, então, estudar jornalismo. Tendo a Cinelândia, no Rio, como um personagem importante em sua vida, Valdete conheceu ali o Semog, um dos fundadores do “Maioria Falante”, jornal do movimento negro, onde se voluntariou para ser revisora. Logo, a jornalista foi enviada para Nova York com a missão de ser correspondente do periódico e estudar a história de luta do povo negro americano. Valdete é um livro, com alma, cenários e fatos que se misturam com as histórias da imprensa negra e com as do próprio empoderamento do povo preto. É preciso ouvi-la.

O relato da jornalista Valdete Lima para o Acervo Jornalista Gustavo de Lacerda estreia nesta quarta-feira (5), às 11h, no canal ABI TV no Youtube, a segunda temporada do projeto criado pela diretoria de Igualdade Étnico-Racial da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em parceria com o Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e visa preencher uma lacuna crucial na preservação da memória da imprensa negra brasileira, ao mesmo tempo que destaca a importância da diversidade étnico-racial no jornalismo.

Veja aqui.

A primeira temporada realizada em 2023 contou com as participações dos jornalistas Rubem Confete, Gilberto Porcidonio, Eliane Benício, Marcos Gomes, Antonio Werneck e Marielli Patrocínio. Este Acervo homenageia Gustavo de Lacerda, o jornalista negro catarinense que fundou a ABI há 116 anos, no dia 7 de abril de 1908.

(*) jornalista e membro da Diretoria de Igualdade Étnico-Racial da ABI