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Talento cênico e literário


20/05/2008


Cláudia Souza
23/05/2008

“Sozinho no palco, o ator não se limitou a interpretar um texto, mas proporcionou à platéia fenômeno de transfiguração que só um artista afinado com seu instrumento pode proporcionar.” 

Escrita pelo teatrólogo Luiz Carlos Saroldi, a crítica refere-se a uma das atuações do ator, escritor, letrista, poeta e jornalista Edison Nequete. Nascido em 21 de julho de 1926, em Porto Alegre, Nequete é filho do mascate libanês Abílio de Nechetti, que veio para o Brasil aos 15 anos à procura do pai, que deixara seu país fugindo dos conflitos com os turcos:
— Meu pai abriu uma barbearia, casou-se com uma libanesa viúva, teve três filhos e, em 1922, foi um dos fundadores do Partido Comunista. Mais tarde, sofreu com a perseguição dos nazi-fascistas em Porto Alegre. Na época ele tinha uma escola de datilografia de escrituração mercantil, mas foi obrigado a voltar a trabalhar como barbeiro por causa das agressões dos integralistas aos seus alunos — lembra o jornalista.

No último ano do Ginásio Anchieta, Nequete decidiu abandonar os estudos para dedicar-se às artes dramáticas:
— Não tinha dinheiro para aulas, mas um colega de turma, muito rico, se ofereceu para ajudar. Ficávamos observando as pessoas nas ruas, para captar expressões e o gestual em diversas situações. Aos 16 anos, consegui o primeiro emprego numa companhia de seguros e, aos 18, fui para o Banco da Província. Com um salário melhor, aprofundei os estudos em teatro.

A estréia aconteceu aos 21 anos, numa montagem gaúcha de “Antígona”, em 1948. Em seguida, atuou no Rio de Janeiro em “Sinhá-moça chorou”, de Ernani Fornari, e “Antes do grande momento”, de Péricles Leal, encenada na ABI em 1952:
— Meu talento era reconhecido por críticos, colegas e público, mas era impossível sobreviver apenas da arte — diz.

Música 

Insatisfeito com “os baixos salários e a desvalorização da cultura nacional nas montagens teatrais”, Nequete decidiu voltar a Porto Alegre, onde recebeu convite para escrever sobre o assunto na revista Horizonte, do Partido Comunista. Em seguida, conseguiu emprego no Departamento de Contabilidade do Diário de Notícias, um dos mais importantes jornais do Rio Grande do Sul no século XX:
— A Rádio Farroupilha, que pertencia ao mesmo grupo, retransmitia o programa “Balança mas não cai”, grande sucesso da Nacional. O texto era enviado do Rio para Porto Alegre e encenado por atores do sul. Como eu lecionava Teatro e declamava poesias nas ruas da cidade, fui chamado para dar aulas de interpretação ao elenco da emissora e iniciei a formação de uma companhia de atores.

A incursão na área musical aconteceu no início dos anos 50, quando o gaúcho Natho Henn, compositor erudito, musicou alguns versos de Nequete escritos em castelhano. Outra parceria dos dois, “Quejá calé”, foi incluída no repertório do tenor Mário de Oliveira. Pouco tempo depois, Nequete integrou a delegação gaúcha no I Festival Nacional de Cultura, em Goiânia, ao lado do artista plástico e pintor Carlos Scliar e do cantor e compositor Lupicínio Rodrigues. 

Crítica

               Arquivo pessoal

Ainda na mesma década, por intermédio de Say Marques, um dos diretores do Diário de Notícias, iniciou a carreira no jornalismo:
— Ele era amigo de Waldemar de Oliveira, diretor da Companhia de Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), que foi se apresentar em Porto Alegre e pediu uma crítica boa. Só que a repórter que cobria teatro estava num evento em São Paulo e alguém comentou com Say que um funcionário da Contabilidade era erudito no assunto. Ele chegou a mim e perguntou se eu seria capaz de escrever uma crítica. Sem saber o que dizer, respondi que sim. A peça era “Está lá fora um inspetor”, de J.B. Priestley. Após o espetáculo, fui para casa pensando: “Tenho que arrasar!” O texto agradou e comecei a ganhar 50 cruzeiros por crônica, mas permaneci como funcionário da Contabilidade e continuei lecionando Teatro.

Entre as centenas de talentos que ajudou a lapidar, Nequete destaca um aluno especial, que conheceu por intermédio de um integrante do Quitandinha Serenade’s, grupo musical formado pelos gaúchos Luiz Telles, Alberto Ruschell, Francisco Pacheco e Luiz Bonfá:
— Eles faziam grande sucesso nas décadas de 40 e 50. Entrevistei o Luiz Telles e, ao saber que eu era professor, ele me pediu para orientar o afilhado, um jovem cantor e compositor que sonhava com algo mais. Como o rapaz tocava muito bem violão, preparei as aulas de teatro embasado na música de Noel Rosa, e sugeri que ele procurasse no Rio o cantor Mário Reis, que inaugurara um estilo novo de cantar. Ao contrário dos vozeirões do rádio, Mário era famoso pela entonação mansa, que compensava a falta de potência vocal. O rapaz seguiu meu conselho e, um ano depois, me enviou o primeiro disco. O garoto era o nosso genial João Gilberto.

Em agosto de 1954, a morte de Getúlio Vargas desencadeou uma onda de protestos nas ruas e ataques às redações de jornais em todo o País. O Diário de Notícias foi incendiado e ficou mais de um ano fechado. Quando voltou a circular, Nequete foi transferido para o Jornalismo e, aconselhado pelo secretário de Redação Aloísio Schneider, passou a escrever sobre vários assuntos, incluindo as crônicas para o suplemento dominical:
— Quando foi inaugurada a Faculdade de Jornalismo de Porto Alegre, um de seus fundadores, o Diretor-geral do Diário de Notícias Ernesto Corrêa, preparava aulas a partir das minhas crônicas.

Rádio

Em 1965, Nequete foi para São Paulo, participar de uma peça, mas não se adaptou à cidade. Partiu então para o Rio, onde ingressou na Rádio Mayrink Veiga, para escrever textos teatrais. Um ano depois, foi contratado como repórter pela Rádio Mauá. Para complementar o salário, procurou Ernani Fornari, que dirigia a Agência Nacional, onde começou a trabalhar. Em seguida, foi para a Rádio Jornal do Brasil:
— Escrevi matérias apoiando a eleição de Nixon para a Presidência dos EUA e gerei antipatia contra mim na JB. Resolvi fazer um teste para redator da Rádio Globo e fui contratado no dia seguinte, pelo diretor Mário Franqueira, para escrever para o programa “O seu redator-chefe”. Um dos maiores jornalistas da época, Mário sabia captar o que o público queria. Foi o primeiro a dar destaque a pautas sobre escolas de samba e futebol. Quando o homem foi à Lua, Mário pediu que eu fizesse textos semelhantes a um diário dos astronautas. O objetivo era teatralizar as matérias. As partidas de futebol eram narradas em versos no programa. Este trabalho revolucionou o perfil de “O seu redator-chefe”. O público pedia cópia dos meus textos, e acabei recebendo o título de “o poeta da notícia”.

Conciliando as atividades no rádio — passou também pela Mundial — e na Agência Nacional, Nequete foi convidado para fazer — na AN — o texto do cinejornal em cores criado pelo jornalista Arnaldo Lacombe. Acabou também produzindo documentários, cuja exibição antecedia as sessões de cinema do País:
— Em 1988, foi criada a Radiobrás, absorvendo as atividades da Agência Nacional e Empresa Brasileira de Notícias (EBN). Continuei na empresa, mas fui demitido no final da década de 90. Trabalhei, em seguida, no Jornal do Commercio, e dei aulas de teatro na Europa. Neste período, quebrei o fêmur duas vezes, o que inviabilizou algumas atividades profissionais. Continuo escrevendo artigos e poesias e estou concluindo o segundo livro. O primeiro “Rubiáceas em Maringá”, um romance sobre a história do café, foi bem acolhido pela crítica. Assim como muitos jornalistas antigos, conto com o apoio da ABI para sobreviver. A Associação é o grande alicerce dos jornalistas e da sociedade brasileira, especialmente nesses tempos em que assistimos à escalada do sensacionalismo em detrimento da apuração de fatos relevantes para o País. Através da atuação da ABI, será possível traçar um novo panorama social e estabelecer padrões mais éticos para a imprensa, o Brasil e o mundo.