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Papi, o último dos poetas-jornalistas


28/08/2009


O texto de Pinheiro Júnior, sob o título acima, é o seguinte: 

Plena década de 1950, JK já governando, a poesia podia explodir livremente em cada canto de jornal, de revista e até de rádio. Eram tempos de Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais e Adalgisa Nery. Transmitiam esses grandes poetas e outros talvez nem tanto – que eram também repórteres, redatores e editores de tarefas triviais ou não – uma dourada e por vezes alegre conotação à informação do dia-a-dia. Porque a poesia era então reconhecida necessidade jornalística. E manifestava-se com desenvolta naturalidade na prática do bem informar (e protestar) sem a discriminação debochada que viria a cercar e cercear a inesperada espontaneidade do cotidiano poético. Delírio lírico? Exagero de jornalista cansado da submissão à esterilidade e inocuidade da neutra e pretensamente objetiva mídia moderna? Não apenas isso como também porque os poetas da era dourada do jornalismo mais livre e menos cartelizado levantavam a cabeça, a voz – e os versos!- até nos primeiros cadernos dos diários. Nas chamadas de primeira página podia haver um toque de poesia sem que ninguém achasse piegas, cafona ou ridícula uma eventual adjetivação. Nos cadernos de literatura, então – como naquele célebre Suplemento Literário do JB, no Jornal de Letras (como não poderia deixar de ser) e na revista Para Todos, dirigida pelo indelével Álvaro Moreyra – aparecia cada poema de arrepiar. Um deles, por exemplo, dizia: 
BR>-… brancas velas, por que tardam?// Não acendem a madrugada nas praias luzes do dia. // Ah! Velhas fimbrias das arribações corsárias… // O duro punho dos filhos livrou-te no passado.// Mas nova era chegou,// a das areias que dão minério para a guerra suja… 

Esse poema reproduzido ao sabor da memória tinha por título “Guarapari”. Era um protesto contra a alienação das areias monazíticas pirateadas na “praia negra que sangrava corpo inteiro”. Nacionalista e contra as guerras da Coréia e do Vietnã, seu autor assinava-se Luiz F.Papi. Era jornalista, escritor, tradutor e crítico… Viveu de escrever, versejar e protestar por mais de meio século. Morreu como o mais puro dos poetas neste último 20 de agosto – uma fria quinta-feira. Haveria de ser perseguido não apenas pela intolerância intelectual pós-1964, mas também por outra longa doença. Que lhe roubaria a vida sem porém o impedir de publicar os sonetos de “Irreparabile tempus” dados à luz em 2006. Por isso não é demais perguntar:- Teria morrido com ele “neste agosto ceifador de vidas” a era dos poetas mais puros?… 

Por longos anos Papi foi redator de O Globo e da United Press. Trabalhava de manhã naquele vetusto edifício da Avenida Rio Branco que reunia, além da UPI, o JB e a Rádio Jornal do Brasil. Assim o conhecemos transitando ágil por andares diferentes, comentando guerras, políticas e poesias. Até que em 1964, quando a censura golpeou o País, seu livro “Arado branco” foi uma das primeiras, senão a primeira obra literária apreendida pela repressão. Os militares teriam encontrado na beleza simples destes poemas a mais declarada – “e descarada!” – subversão em prol de camponeses sem-terra. Camponês, aliás, passou a ser palavra obscena. Nunca pronunciada em público sob pena de indicar aos ouvidos da ditadura que o autor do palavrão era perigoso subversivo aliado das ligas de Chico Julião. Subversivo realmente era o Papi, por confissão ideológica, como companheiro de Graciliano Ramos incluído no mesmo inquérito do Dops que incriminou o Velho Graça ao tempo de uma ditadura mais antiga – a do Estado Novo. 

Nascido no ano tenentista de 1922, de esplêndido berço mineiro, Papi vinha de Governador Valadares. De tradicionalista e conformado não tinha nada, porém. Tanto assim que pareceu estimulado pelo golpe contra sua poesia após o 1º. de abril e desandou a publicar livros. É de fins de 1964 o seu “Poemas do ofício: dos homens, dos deuses, das armas”. “Os Artífices” saiu logo depois, em 1967. E “Este Ofício: seleção poética” chegou às livrarias em 1976. Os inovadores poluemas de “Desarvorárvore”, com estranha capa escultural, pois Papi também cometia esculturas “em momentos de desespero criador”, saiu em 1982 antecipando a luta ecológica e as necessidades de se reciclarem os “infames e infamantes consumos burgueses”. Poesia dos pés à cabeça, em 1979 fez uma pausa rapidíssima para publicar “Cartilha anticrítica”, com artigos literários que julgou oportunos enquanto traduzia e revisava os russos Konstantin Fédin e Mikhail Cholokov. São dele também as traduções brasileiras de romances do equatoriano Jorge Icaza e do mexicano Juan José Arreola. 

Foi então que veio o fim da ditadura. Mas Papi não descansou. Reacendeu seus recados literários lançando “O Aleijadinho: anjo e bruxo do barroco” (1983), “Os olhos potáveis da noite” (1999), “Parlapedra: poesia/escultura” (2000), “Ipanema la douce: sonetos” (2002), “Enciclopédia mínima: sonetos de almanaque” (2004), “O circo: poemas malabares” (2005) e, por fim, “Irreparabile tempus: sonetos” (2006). 

Sem dúvida, irreparáveis tempos… Dos puros poetas-jornalistas. “Que os anos não trazem mais”, como dizia Casimiro de Abreu (lembram-se dele?). 

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(*) José Alves Pinheiro Júnior é jornalista, Conselheiro da ABI, diretor e editor de jornais e revistas, entre os quais a Crítica de Manaus, O Globo e Ultima Hora. É editor atual da Auracom Livros e autor de romances e contos, como Esquadrão da Morte, Mefibosete, Aventuras e Bombom Ladrão.